A vida psiquica de uma golpista famosa

Introdução

Fundamentando-se na teoria psicanalítica, este trabalho dirige-se a investigar aspectos da constituição psíquica de uma golpista famosa. Para tanto, parte-se de considerações acerca de mulheres golpistas, condição que comporta diversas facetas. Para abrangê-las, o transtorno de personalidade antissocial, a psicopatia e a perversão em psicanálise, a mitomania, o advento da fraude como ethos e o poder de persuasão são examinados. Em seguida, hipóteses de trabalho acerca do desejo e do sistema representacional permitem complementá-la. A próxima seção centra-se na história de vida de Anna Delvey/golpista famosa e em suas entrevistas para jornais e revistas - perscrutadas com base no método clínico psicanalítico.

Mulheres golpistas

Com uma mente muito persuasiva e recorrendo a subterfúgios como beleza, charme, atração sexual, segredos e mentiras, mulheres golpistas podem se revestir de sedas e tules, promessas de amor e suporte emocional em meio ao caos. Dado o estereótipo de que mulheres são sempre maternais e empáticas, o senso comum não concebe mulheres golpistas - suposta aberração da natureza. Uma bolsa de grife e um cabelo bem penteado fazem-nas parecer ricas e independentes, roupas sensuais arrancam dinheiro de homens incautos, um atestado adia uma audiência judicial, um rosto angelical ou uma bela retórica podem esconder mulheres perversas, cujas artimanhas enganam pessoas e instituições. Elas detêm um grau de perversidade maior que a média, sendo que muitos golpes exigem um pequeno esforço para gerarem alto lucro. Elas rompem vários limites éticos ao espoliar suas vítimas, para obter fama, poder e dinheiro. Deixam um rastro de destruição em seu caminho - contas bancárias vazias, corações partidos e relações azedadas. E muitas ficam impunes por longo tempo, dada a credulidade e a vulnerabilidade humana frente a poder e status (Telfer, 2021).

Segundo a autora, há quatro grupos de mulheres golpistas.

A glitterati foca na ilusão de ser rica, sendo ávida por brilho e glamour, escolhendo vítimas com grande poder aquisitivo. A vidente ajuda os clientes a se comunicarem com os mortos, mediante pagamento; centrada no mundo espiritual, espolia as pessoas mais vulneráveis emocionalmente ou as mais doentes. A fabulista finge ser outra pessoa, inventa histórias elaboradas e inseparáveis do golpe, mente em vários níveis e assume outra vida; inclui a tragedienne/vítima que ganha notoriedade ou dinheiro com tragédias; não sendo investigada, escapa impune com dinheiro, simpatia e atenção. A fugitiva é a itinerante patológica, que usa muitos trens e muitos carros roubados na fuga. A paixão do público por essas artistas da confiança ocorre porque elas são charmosas e simpáticas, sendo seu encanto o maior golpe de todos os tempos. Elas são bastante egoístas, sendo que as pessoas gostariam de ser bastante egoístas, às vezes. São desaprovadas pelas pessoas, mas arrebatam-nas. Elas fascinam ao enganar pessoas inteligentes, pinçando o desejo alheio de ser importante, ser querido e de controlar completamente sua vida (Telfer, 2021).

Transtorno de personalidade antissocial e seus tipos

Os transtornos de personalidade antissocial são marcados pelo desvio considerável do comportamento em relação as normas sociais. Há baixa tolerância a frustração, ideação violenta, dificuldade de lidar com contratos sociais, impulsividade elevada, agressividade em atos planejados e tendência a culpar terceiros. Em geral, a pessoa não sente remorso, culpa, vergonha ou nojo de suas ações. Há diferentes tipologias sobre psicopatia, trabalhando-se com as de Schneider e Millon.

Schneider classificou dez tipos de psicopatas, considerados clássicos da criminologia e reconhecidos em psiquiatria. Dentre eles, destaca-se o vaidoso em busca de reconhecimento. Ele precisa parecer mais do que é, para si e os outros. Ele acredita em suas mentiras, não estabelece laços íntimos e não consegue amar. Na classificação de Millon sobre os nove tipos de psicopatia, o psicopata dissimulado apresenta uma fachada de sociabilidade e amizade. Subjacente a ela, há falta de confiabilidade, impulsividade e ressentimento com o próximo. Seus comportamentos sedutores ocorrem em relações superficiais (Monteiro, 2014).

A psicopatia e a perversão em psicanálise

A psicopatia deriva da privação emocional e da falta de interditos das figuras parentais, enquanto a perversão tem origem na negação da distinção de sexos. A má formação do superego leva à passagem ao ato, manifesta como negação-desafio-delito na psicopatia e o desafio se torna sedução na perversão (Calheiros, 2013).

Mitomania

A mitomania é a tendência compulsiva de contar mentiras, configurando um comportamento patológico e crônico, com raízes na infância. Além disso, a frequência das mentiras é extraordinária, a ponto de a vida do mitômano ser uma completa ficção. Não há consenso sobre as causas da mentira patológica. As possíveis explicações são: distúrbios de personalidade, traumas cerebrais; alterações do cortisol e testosterona. O DSM-5 não reconhece a mitomania como uma condição de saúde mental isolada. A mentira compulsiva faz parte do transtorno de personalidade antissocial; transtorno de personalidade narcisista; transtorno de personalidade borderline, p.ex. (Cardoso, 2019).

O advento da fraude como ethos e o poder de persuasão

Tolentino (2020) investiga o capitalismo, o advento da fraude como ethos e a distorção da mente das pessoas, na época atual. O capitalismo propõe fraudes para a pessoa sobreviver nele. Como afirmação do eu, desperta os anti-heróis golpistas que se ama/odeia. Muitas pessoas gostam quando isso ocorre, por sentirem, acuradamente, que os ricos se beneficiam com os golpes, que empurram o restante do país para baixo.

A tomada de decisão exige esforço, de modo que as pessoas usam regras práticas e atalhos para decidir o que fazer, como se comportar e que atitude tomar numa situação. Há seis princípios fundamentais que afetam a tomada de decisões. A reciprocidade remete a tendência de retribuir favores e gestos positivos. Oferecer algo de valor antes de solicitar algo em troca, cria um senso de obrigação. No que tange ao compromisso e coerência, as pessoas desejam se manter coerentes com suas palavras, ações e crenças. Ao assumir um compromisso, tendem a seguir adiante com ele: compromissos iniciais pequenos podem ser ampliados gradualmente. Em termos de prova social, as ações dos outros são guias para o comportamento correto numa situação. Evidências de que outros adotaram uma atitude específica influenciam a tomada de decisão. A afeição significa a propensão a ser influenciado por aquele que se conhece, gosta e confia. Cultivar relações positivas e demonstrar afeição genuína aumenta a persuasão e a probabilidade de resposta positiva. A figura de autoridade influencia significativamente as pessoas: sua aparência, status e credibilidade impactam sua capacidade de persuasão.

A escassez cria um senso de urgência e de valor do produto, serviço ou oportunidade, influenciando a tomada de decisão (Cialdini, 2006).

A golpista Anna Delvey

Visando conhecer a vida psíquica de Anna Delvey/golpista famosa, recorre-se a reportagens de jornais e revistas online sobre ela. Publicadas em ordem cronológica, as reportagens dão a conhecer representações/fragmentos de seu universo mental.

Em termos de organização metodológica, as aspas retratam a inserção de frases textuais de seu discurso. Os itálicos ressaltam as representações mentais expressas por ela, além de palavras de outros idiomas. Os colchetes propiciam omitir trechos irrelevantes das reportagens - no caso.

Filha de um caminhoneiro e de uma lojista, ela é uma impostora russa com possíveis traços psicopáticos e perversos, que aparentava ser uma herdeira alemã milionária, celebridade do Instagram, aspirante a magnata e socialite famosa. Ela criou uma trama de mentiras, oportunismo e ambição, enganando hotéis de luxo, bancos e amigos. Ostentava produtos de grife, saboreava vinhos raros, viajava em jatos particulares, hospedava-se em lugares caríssimos e frequentava a alta sociedade/elite de Nova York. Em 2023, seu Instagram tem mais de um milhão de seguidores e está recheado de fotos de arte, viagens e selfies. A primeira foto, de 2013, era um tabuleiro de xadrez preto e branco com peças douradas e prateadas. Seu jogo tinha começado, conforme Rachel Williams - editora da Vanity Fair. Anna adorava a música Lose yourself do Eminem, que inicia assim: Se você tivesse uma chance de ter tudo o que você sempre quis, você pegaria ou deixaria escapar?

De acordo com Rachel: O mundo ficava encantado quando ela estava por perto - as regras normais pareciam não se aplicar. Seu materialismo fácil era sedutor. As sessões com o personal trainer foram um deleite, pois ela generosamente insistiu que malhar era mais divertido com uma amiga. Eu era sua conselheira de confiança e sua confidente leal. Senti uma mistura de pena e admiração por ela. Ela não tinha muitos amigos e ela disse que sua relação com os pais parecia mais enraizado nos negócios do que no amor. Ela agiu com a impulsividade de uma criança mimada e indisciplinada - compensada pela tendência de fazer amizade com os funcionários em vez da gerência. Seus comentários sugeriam uma empatia profunda. ‘É muita responsabilidade ter pessoas trabalhando para você, elas têm famílias para alimentar. Isso não é brincadeira’. No mundo dos negócios dominado pelos homens, ela era ambiciosa e eu gostava disso nela. Ela era audaciosa onde eu era reservada e irreverente onde eu era educada. Nós nos equilibramos: normalizei seu comportamento excêntrico, enquanto ela me desafiava a me divertir (Williams, 2018).

Conforme Rachel: ‘Anna me desafiava a ser menos certinha e crítica e a ser mais leve e divertida. Ao mesmo tempo, me convidava para o mundo de hotéis, restaurantes e atividades excêntricas. Parte de mim queria ser como ela’. Elas se encontravam em bares, restaurantes, festas e salões de beleza. Anna assumia as despesas de forma generosa. Elas viajaram para o Marrocos. Lá, ela disse: Vou levar um vestido de linho preto e, Rachel, adoraria comprar um para você. Quando seu cartão foi recusado, ela me pediu dinheiro emprestado, prometendo me reembolsar na semana seguinte. Assumi uma dívida de US$ 62 mil, acreditando que seria reembolsada. Durante meses, ela me deu respostas desencontradas e vagas, com prazos nunca cumpridos: Estou aguardando a resposta do banco, Eu já liguei para eles milhões de vezes e Eu vou resolver as coisas’ (Oliveira, 2022).

Uma nota novinha de US$ 100 deslizou pelo balcão de Neffatari Davis, concierge do 11 Howard. Ela ficou surpresa ao ver que o dinheiro veio de uma jovem, mais ou menos de sua idade. Ela estava procurando a melhor comida do Soho. Era Anna Delvey, que ficaria no hotel por um mês. Normalmente, apenas celebridades vinham por períodos tão longos. Ela ficou no Howard Deluxe, US$ 400 por noite em 2017. ‘Obrigada. Vejo você por aí’. Anna passava com frequência para pedir conselhos a Neff, dando-lhe US$ 100 a cada vez. Ela trazia comida ou uma taça de vinho branco e se acomodava perto de Neff para conversar. Ela podia ser estranhamente mal-educada para uma pessoa rica: por favor e obrigado não estavam em seu vocabulário. Para Neff, ela era uma princesa antiquada, arrancada de um antigo castelo europeu e depositada no mundo moderno, embora ela viesse da Alemanha e seu pai administrasse uma empresa de produção de painéis solares. Anna logo se estabeleceu como uma das hóspedes mais generosas do hotel. Ela ficou cada vez mais confortável no hotel (Pressler, 2022).

Anna pertencia a um vasto e brilhante círculo social, sendo uma figura notória em Nova York. Ela costumava oferecer grandes jantares no restaurante do hotel para CEOs, artistas, atletas e celebridades. Ela parecia próxima do editor-chefe da revista Purple, Olivier Zahm. ‘Ela se apresentou como uma garota doce e muito educada’, disse Tommy Saleh - diretor de marketing. ‘Então, de repente, estávamos saindo com meus amigos. Ela estava nos lugares certos, nas melhores festas, usava roupas muito chiques e alguém mencionou que ela veio em um jato particular para uma festa de um magnata de start-ups em Berlim’. Não era clara a fonte de sua riqueza. Havia alguma especulação sobre a origem de seus recursos, embora ninguém se importasse muito com isso. Mas isso não era incomum. ‘Há tantas crianças com fundos fiduciários por aí. Todo mundo é seu melhor amigo e você não sabe nada sobre ninguém’. Por dois anos, ela falou do clube privado que queria abrir ao completar 25 anos e entrar em seu fundo fiduciário. Um banqueiro a colocou na conferência anual de investimentos da Berkshire Hathaway e ela alugou um jato particular para irem até lá (Pressler, 2022).

Neff notou que seu círculo social era menor do que no passado e composto por ela, Rachel e a treinadora com um interesse maternal por ela: Conheço muitos bebês de fundos fiduciários e fiquei impressionado que Anna quisesse fazer algo. Ela estava ocupada demais para festas, organizando seu negócio. Ela passava muito tempo trabalhando e falando com os advogados, que a acalmavam: Anna, você está tentando fazer que algo que vale tanto, valha mais e não é assim que funciona (Pressler, 2022).

Anna convidou Neff para jantar, mas, no final, o cartão de Anna foi recusado. Neff usou suas economias para cobrir a conta, pois Anna gastara muito com ela. Além disso, por Anna ficar por um período longo no hotel, por ser cliente do dono e ser uma hóspede muito valiosa, a gerência aceitou uma transferência eletrônica. Mas, um mês e meio depois, essa transferência não havia chegado e ela devia pagar US$ 30 mil. Neff enviou-lhe as más notícias. Anna: 'Você já teve alguém fazendo tantos favores para você, que você só quer retribuir em silêncio? Há uma transferência bancária a caminho. Deve chegar em breve’. Então, Anna disse a Neff para esperar um pacote. Era uma caixa de Dom Pérignon 1975, para distribuir entre os funcionários. A gerência disse: 'Como aprovamos isso se ela não nos pagou? O Citibank enviou ao 11 Howard uma transferência bancária de US$ 30.000 no nome dela. Neff ligou para Anna. Ela estava numa loja cara, segurando uma camiseta. ‘Olha o que eu encontrei. É perfeita para você. Eu adoraria comprar para você’. Era exatamente o vermelho alaranjado [] a cor da marca que Neff queria lançar (Pressler, 2022).

Seu sonho era abrir, em um endereço famoso de Nova York, a Fundação Anna Delvey, um centro de artes visuais com galerias de artes e estúdios, restaurantes, lounges, bares, saguões VIP e clube para sócios. Neff se tornou sua secretária, organizando almoços e jantares de negócios. Neff começou a pensar em Anna como amiga, que a convidava para massagens, crioterapia, manicure e sessões com seu personal trainer. Em 2016, Anna estava determinada a fazer de seu sonho, realidade. Através de suas conexões, ela fez amizade com Gabriel Calatrava. A consultoria imobiliária da família a ajudou a garantir o aluguel de um espaço perfeito: 45.000 pés quadrados ocupando seis andares da Church Missions House. Aby Rosen era o proprietário do hotel 11 Howard e desse prédio. Com curadoria de Daniel Arsham, teria exposições e instalações de vários artistas renomados. Para o evento inaugural, o artista Christo embrulharia o prédio. Com a ajuda do executivo da Calatrava, Michael Jaffe, ela se reuniu com grandes nomes do mundo de alimentos e bebidas para discutir possibilidades no setor. Contudo, esse projeto exigia mais capital do que seus recursos imediatos permitiam. Anna teve a ideia de ter investidores privados, porque não queria que lhe dissessem o que fazer. ‘Eu queria construir o primeiro sozinha’. Para garantir o empréstimo, Joel Cohen a colocou em contato com Andy Lance, que tinha o conhecimento necessário. Depois da Gibson Dunn confirmar que ela tinha recursos para pagar, Lance a colocou em contato com grandes instituições financeiras: Nossa cliente Anna Delvey está realizando uma reforma muito interessante do 281 Park Avenue South, apoiada por uma equipe de destaque para este tipo de local e espaço, precisando do empréstimo porque seus ativos pessoais, bastante substanciais, estão fora dos EUA, alguns deles em confiança do UBS. O dinheiro que ela receberia seria totalmente garantido por uma carta de crédito do banco suíço. Para arrecadar fundos, ela fez contato com homens bastante poderosos (Pressler, 2022).

Em Omaha, Anna e seu grupo se misturaram aos Vips de um jantar privado oferecido por W. Buffett. Ela reservara um resort de US$ 7 mil por noite em Marrakech, para si e seu grupo. Depois de uma grave intoxicação alimentar, a treinadora voltou para Nova York. Uma semana depois, ela recebeu um telefonema de Anna. Seus cartões de crédito não estavam funcionando e o hotel ia chamar a polícia. Ela tentou resolver o caso de várias maneiras até que o gerente disse que o problema estava no fim. Quando ela voltou ao telefone, a treinadora disse que reservou uma passagem de volta para Nova York. ‘Você pode me conseguir a primeira classe?’ Dias depois, ela chegou num Tesla prateado no hotel e se mudou para outro, que não recebeu a transferência bancária prometida e a despejou. Anna estava sem teto e foi até o apartamento da treinadora: ‘Estou tentando fazer as coisas. E é tão difícil. Eu queria ligar para minha família, mas meus pais estão na África. Você se importa se eu dormir na sua casa esta noite? Eu não quero ficar sozinha. Eu poderia fazer alguma coisa’. A treinadora arrumou a cama para ela e lhe ofereceu um copo d'água. ‘Você tem um Pellegrino?’ Anna ignorou o copo e bebeu da garrafa. Enquanto Anna dormia, Rachel contou a ela o que ocorreu na viagem. Dois hotéis acusaram-na de roubo de serviços. Suas fraudes ficaram evidentes em 2016, quando ela apresentou documentos sobre o patrimônio de 60 milhões de euros ao City National Bank, visando obter um empréstimo de US$ 22 milhões de dólares. Dadas as informações desencontradas, o banco recusou o empréstimo (Pressler, 2022).

Seu pai afirmou que sua família sempre a apoiou depois que ela se formou no ensino médio. Em Berlim, ela estagiou no departamento de moda de uma empresa, em Paris, foi estagiária na revista Purple, ficando encantada com a alta costura e sendo transferida para a Purple de Nova York, aos 21 anos. Segundo seu pai: ‘Sempre pagamos suas despesas. Ela nos garantiu que eram o melhor investimento. Se ela precisasse de mais, não importava. O futuro sempre foi brilhante’ (Pressler, 2022).

Sobre a prisão: ‘Este lugar não é tão ruim, na verdade. As pessoas acham que é horrível, mas eu vejo como um experimento sociológico. Há meninas que também estão aqui por crimes financeiros.Meus pais tinham grandes expectativas. Eles sempre confiaram em mim para tomar decisões. Acho que eles se arrependem agora’. Contudo, ela nunca admitiu qualquer culpa. ‘Estou muito chateada porque as coisas aconteceram dessa maneira [com Rachel] e eu não queria que acontecesse. Mas eu não posso fazer nada, estando aqui. Se eles estavam duvidando, por que não me pagar a fiança e ver? [] Eram jantares de trabalho. Eu queria ser levada a sério. Se eu realmente quisesse o dinheiro, teria maneiras melhores e mais rápidas de conseguir algum. É difícil conseguir resiliência, mas não capital. Meus planos de criar a Fundação Anna Delvey eram reais, eu acreditava que iam acontecer. ‘Eu tinha [] uma grande equipe e estava me divertindo. Claro, posso ter feito algumas coisas erradas. Mas isso não diminui as centenas de coisas que fiz certo’. Quanto às fraudes: ‘Por que você está dando tanta importância a isso? Dê-me cinco minutos e posso pedir a um amigo que pague’ (Pressler, 2022).

Anna conseguiu convencer uma enorme quantidade de pessoas bem-sucedidas de que ela era algo que não era. Ela não era supergostosa, supercharmosa, nem era superlegal. Todavia, Anna olhou para a alma de Nova York e reconheceu que se você distrair as pessoas com objetos brilhantes, com grandes maços de dinheiro, com indícios de riqueza, se lhes mostrar o dinheiro, elas serão incapazes de ver algo além. ‘Dinheiro, há uma quantidade ilimitada de capital no mundo, sabia? Mas há uma quantidade limitada de pessoas talentosas’ (Pressler, 2022).

Entrevistas para jornais e revistas

Complementando os dados sobre Anna, suas entrevistas em jornais e revistas online são citadas em ordem cronológica. Numa clave diferenciada das sessões de análise, as entrevistas revelam representações limitadas e parciais de seu mundo mental.

As aspas evidenciam as citações textuais presentes no discurso de Anna. Os itálicos ressaltam as representações mentais de seu universo mental. Os colchetes suprimem trechos das entrevistas desnecessários para esse estudo.

Quanto ao limite que ela não cruzaria para conseguir o que quer: ‘Bem, assassinato... Bem, há muitos limites que eu não cruzaria, mas eu cresci com até você conseguir, muito importante no início de 2000. [] Para mim, agora, é longe demais quando é ilegal. [] foi estressante, mas continuei ocupada tentando consertar. [] Aprendi muito sobre empatia e consideração pelas pessoas - mais do que quando eu era mais jovem - na prisão []. Muitos empreendedores são egoístas por natureza. É como se você tivesse que ser egoísta e não vou negar isso. [] Certamente não é o aspecto mais bonito disso, mas é apenas a realidade. [] Eu sei quais eram as minhas intenções e nenhuma delas era fraudar ninguém. Cometi alguns erros, mas estou tentando corrigi-los. Então eu sabia que não era completamente ruim. Meu objetivo nunca foi privar ninguém de seus fundos, eu ia devolver. Eu apenas escolhi uma maneira pouco ortodoxa de fazer isso (Mamona, 2022).

‘Todos esses famosos capitalistas de risco e CEOs cometem algum tipo de pequena fraude. [] Se tiverem sucesso, serão elogiados e admirados. Eu sabia que era eticamente questionável, mas não me via como criminosa. Sinto que o fato de ser mulher desempenhou um grande papel no resultado []. Sinto que não se espera que as mulheres sejam astutas ou ambiciosas []. Espero que eu consiga superar toda a história do crime e ser capaz de mostrar ao mundo que há mais para mim. Eu tive uma ideia e estava trabalhando duro para tentar concretizá-la. Infelizmente, escolhi maneiras não convencionais de fazer isso. Espero corrigir a narrativa []. A sociedade é tão implacável que rotula você de criminoso para sempre. Quase torna impossível que você se realinhe num caminho de redenção. Eu quero uma segunda chance de verdade’ (Mamona, 2022).

Sobre a série: [] decidi fazer algo para assumir o controle da narrativa. Agora, mais do que no passado, gostaria de fazer a diferença. Encaro esses últimos anos como uma experiência de aprendizagem. []. Você sempre pode criar algo positivo a partir de algo negativo. Você sabe, não desista e continue tentando’. Ela foi envolvente, educada, direta, engraçada na entrevista, qualidades que fazem dela alguém que se deseja ter por perto. São razões pelas quais ela conseguiu ser uma golpista de sucesso (Theis, 2022).

‘Não sou culpada da narrativa que a promotoria divulgou. [] Sinto que não sou culpada dos crimes de que a mídia me acusou, nunca tive a intenção de cometer fraude. [] Eu sei como eu esperava que isso acontecesse e simplesmente não aconteceu dessa maneira. Fiz algo errado, mas isso não me torna universalmente, cem por cento, uma pessoa horrível’. Para uma galeria, ela desenhou uma mulher com um vestido Gucci, com os dizeres: Sem arrependimentos. Tentei aprender com meus erros, corrigi-los e tirar proveito disso. Arrependimentos não são a maneira como eu lido com as coisas que acontecem comigo’. A entrevistadora acha que a mídia a retratou como uma pessoa muito mais calculista do que é - dada sua impressão de que ela não percebia no estava se metendo e as implicações de suas ações (Kratofil, 2022).

‘Eu não fui altruísta, mas não calculava em termos de ganho pessoal. Eu nunca quis apenas ser vista como alguém, queria ser julgada por um projeto de sucesso. Não [] era ser famosa pra chamar atenção, eu queria deixar minha marca. [] tentei construir um projeto. [] Eu estava tentando criar minhas oportunidades. Comecei pequena, mas depois quis ter mais controle, controlar o que faço []. Ainda sinto que estou no controle da minha história. Tento me concentrar no que posso controlar e criar a partir desta situação’ (Helmore, 2022).

A série Inventing Anna consolidou seu lugar entre os jovens vigaristas da lista A de Nova York. Os US$ 320.000, que ela ganhou ao vender os direitos de sua história à Netflix, pagaram sua fiança e os honorários advocatícios. Ao ser banida das redes sociais como condição para a prisão domiciliar, seu acesso a elas ficou reduzido. Porém, ela ressurgiu numa nova plataforma para criadores de conteúdo: Passes. Ela permite aos criadores compartilhar conteúdos, explorar sua base de fãs, compreender quem eles são e monetizar os conteúdos. Ela planeja postar entradas de diário semelhantes a vlogs. Segundo o idealizador da Passes: Anna está tentando se tornar legítima. Ela tem uma reputação, mas está se esforçando muito para esclarecer isso. Ela é inteligente, com certeza - ela enganou um monte de gente. Não há dúvida de que ela é inteligente. Coloquei uma história no Instagram e muitas jovens disseram: Ela é meu ídolo. Ela é um ícone. Anna pode contar sua história e seguir em frente [] (Sloman, 2022).

Anna: ‘Eu deveria ter a chance de contar a minha versão. Eu sinto que é justo. [] Estou tentando fazer com que minha história seja: Oh, cometi um erro. Mas estou tentando reverter isso, sem glamourizar o erro’. Ela está vendendo gravuras e pinturas por meio do Founders Art Club. Ela vendeu mais de US$ 250 mil nos últimos seis meses, para fãs do Reino Unido à Tanzânia. O dinheiro a ajudou a pagar seu apartamento e sua equipe: gerente, publicitário, cabeleireiro, maquiador, estilista e advogados. ‘Estou muito mais cuidadosa agora, porque muitas pessoas mal podem esperar para dizer: Anna me deve US$ 50’. Ela quer trabalhar com uma produtora numa série de jantares para celebridades: ‘Elon Musk seria um participante dos sonhos; tenho uma grande equipe trabalhando nisso’. Como seu apartamento atual é pequeno para isso, ela precisa de um upgrade - de preferência, um apartamento de luxo. Ela tem outros projetos: um podcast, um livro, uma linha de roupas e o direito (Sloman, 2022).

‘Muitas pessoas simplesmente não entendem quais eram minhas intenções’. Ela está ocupada com o podcast The Anna Delvey Show, no qual Paris Hilton aparece: ‘Ela entende o que é ser alvo’. O produtor do podcast esteve nos mesmos círculos sociais que ela e a vê parte vítima, parte criminosa. Muitas pessoas mencionadas nas histórias sobre ela são realmente golpistas. Ela estava tentando fazer coisas que tivessem substância, de maneira confusa. Ela não estava tentando enganar ninguém. Outra defensora, Julia Fox diz que Anna é um bode expiatório para a nobreza de Nova York. [] você vê todas essas pessoas escapando impunes, de coisas semelhantes. [] Ela fez o que todos esses caras ricos fazem. Eles não usam seu próprio dinheiro pra nenhum projeto que realizam. ‘O fato de eu seguir em frente não significa que [] tudo que fiz foi certo. Aprendi com meus erros. Paguei a restituição integralmente. Paguei os honorários advocatícios. Nunca tive defensor público. Nunca recebi dinheiro do governo. [] Então, pessoal, o que mais há? (Siegel, 2023).

No que tange a Church Missions House: ‘Eu só queria ter este prédio. Num mundo ideal, eu teria aberto vários locais e teria conseguido que um artista mudasse todo o espaço de forma rotativa a cada três ou seis meses. Era um plano viável’. Ter enganado alguns titãs do mundo bancário ‘prova a força de meu plano. Tudo teria sido pago mensalmente. Eu nunca teria conseguido o dinheiro, sozinha. Seria: Oh, fizemos essa reforma e então, eles faturariam o banco. No sistema jurídico, ganhar um caso pode ser um exercício lógico interessante, semelhante a resolver um quebra-cabeça’ (Siegel, 2023).

Discussão

Essa discussão reúne as várias fontes de informação acessadas, integrando diversos patamares na construção do raciocínio acerca de Anna.

A classificação de Telfer (2021) sobre as mulheres golpistas posiciona Anna Delvey como uma glitterati focada na ilusão de ser rica, ávida por brilho e glamour, que escolhe vítimas com grande poder aquisitivo. Levando-se em conta os tipos de psicopatas de Schneider, ela se destaca como vaidosa, em busca de reconhecimento. Ela precisava parecer mais do que era, acreditava em suas mentiras; não estabelecia laços íntimos e não conseguia amar. No que se refere à psicopatia e à perversão, a passagem ao ato se manifesta como negação-desafio-delito na psicopatia, enquanto o desafio é substituído pela sedução na perversão (Calheiros, 2013). Pautando-se nisso, a dubiedade entre ambas as patologias parece estar infiltrada no comportamento de Anna. De acordo com o DSM-5, a mitomania pode fazer parte do transtorno de personalidade antissocial (Cardoso, 2019). Ela consta no repertório de Anna junto aos demais.

No capitalismo, Tolentino (2020) denuncia o advento da fraude como ethos. O capitalismo propõe fraudes para a pessoa sobreviver nele. Como afirmação do eu, desperta anti-heróis golpistas que se ama e odeia como Anna Delvey, grande fraudadora. Considerando-se os seis princípios fundamentais que afetam a tomada de decisões (Cialdini, 2006), ela utilizou três deles. A reciprocidade remete a tendência de retribuir favores e gestos positivos. Com suas amigas e com os convidados de seus jantares, ela oferecia algo de valor e depois solicitava algo em troca, criando um senso de obrigação. Com as amigas, ela cultivava relações positivas e demonstrava afeição genuína, aumentando a persuasão e a provável resposta positiva. Ela não era uma figura de autoridade, mas o esmero com sua aparência, seu status de herdeira e sua credibilidade alicerçada na fortuna de seus pais impactaram sua capacidade de persuasão.

Consoante Rachel: A primeira foto de seu Instagram era um tabuleiro de xadrez preto e branco com peças douradas e prateadas. Seu jogo tinha começado. Portanto, os contrastes entre as cores - talvez entre traços de sua personalidade - compunham seu jogo na vida. Além do mais, ela adorava a música Perca-se, tendo escolhido a primeira alternativa: Se você tivesse uma chance de ter tudo o que você sempre quis, você pegaria ou deixaria escapar? Ela agarrou cada chance com entusiasmo e com largueza. Sua idealização de Anna aparece em: O mundo ficava encantado quando ela estava por perto, com seu materialismo sedutor. Os treinos foram um deleite, pois ela generosamente insistiu que malhar era mais divertido com uma amiga - fazendo Rachel se sentir importante. Sua idealização se fundamenta em sua atração por ela com base em características de personalidade reprimidas em si - reservada, educada, certinha e crítica - e exuberantes em Anna - ambiciosa, audaciosa, irreverente, leve e divertida. Parte de mim queria ser como ela. E, ainda, Anna assumia as despesas da dupla de forma generosa: ‘Rachel, adoraria comprar um [vestido] para você’ (Almeida, 2011).

Na relação com Neff, ser sedutora e ser generosa com dinheiro, comida, vinho e roupas caras fizeram-na ser vista como amiga. Sua estratégia de lhe conceder benefícios, resultou numa dívida alta para Neff. Para seduzi-la, ela comprou uma camiseta vermelho alaranjada/símbolo de seu desejo de lançar sua marca. Seus sonhos/desejos se entrelaçavam, pois Anna desejava criar um centro de artes visuais - com muitos empreendimentos voltados para os ricos. Tendo se aproximado de figuras importantes de Nova York, ela foi falando sobre seu desejo de abrir um clube privado, ao acessar seu fundo fiduciário. Seu desejo de uma vida regida por grandeza envolveu ser grandiosa, ao servir jantares para pessoas importantes de New York. Seu desejo de ser grandiosa embutia a ideia do outro pagar para ela realizar seu desejo: ‘Se os credores estavam duvidando, porque não me pagar a fiança? Esse desejo - presente em suas apresentações para o mundo - incluiu parecer próxima do editor-chefe da Purple, chegar num Tesla novo e alugar um jato particular, impressionando os outros. Ser uma intrusa muito habilidosa ressurge ao se introduzir num jantar privado de W. Buffett. Ser ambiciosa e ser estrategista implicaram ter contato com banqueiros, profissionais de renome e donos de hotéis e prédios em Nova York. Depois, ela passou a trabalhar em seu projeto. ‘Eu queria construir o primeiro prédio sozinha e Eu tinha [] uma grande equipe e estava me divertindo’ contradizem-se, pois ela não podia construí-lo sozinha e negava o princípio da realidade de que sua equipe devia receber pelo trabalho realizado. E, ainda, ser estrategista incluiu iludir os funcionários com vinhos caros, para encobrir ser devedora do hotel - dívida muito mais maior que o preço dos vinhos. Mesmo com dívidas em dois hotéis, ela pede a primeira classe do avião e, sem ter onde morar, quer um vinho caro. Na verdade, seus pais bancavam suas despesas, pois ela garantira a eles ser o melhor investimento que eles poderiam fazer. Sua visão de mundo marcada por um otimismo irrealista resvala para a ausência de culpa, remorso ou vergonha por seus golpes - minimizando-os e acentuando seus acertos. ‘Claro, posso ter feito algumas coisas erradas, mas isso não diminui as centenas de coisas que fiz certo’. Com relação as fraudes e aos logros, ‘por que você dá tanta importância a isso?’. Ela seria uma pessoa talentosa: ‘há uma quantidade ilimitada de capital no mundo, mas há uma quantidade limitada de pessoas talentosas’ (Almeida, 2011).

Anna relaciona os limites para seus atos ao espírito do tempo e às demandas de ser empreendedora: ‘Bem, há muitos limites que eu não cruzaria, mas eu cresci com até você conseguir, muito importante no início de 2000. [] Para mim, agora, é ir longe demais quando é ilegal’. Ela enfatiza seu desejo de reparar seus erros e melhorar como pessoa: ‘continuei ocupada tentando consertar. Aprendi muito sobre empatia e consideração pelas pessoas na prisão. Muitos empreendedores são egoístas por natureza. É como se você tivesse que ser egoísta e não vou negar isso. [] Nesse ponto, ainda que suas intenções não fossem fraudar alguém de modo deliberado, ser irrealista e ser otimista quanto as consequências de suas ações parecem estar na raiz de suas fraudes. ‘Eu sei quais eram as minhas intenções e nenhuma delas era fraudar ninguém. Cometi alguns erros, mas estou tentando corrigi-los. Então, eu sabia que não era completamente ruim. Sempre tive um plano e meu objetivo nunca foi privar ninguém de seus fundos, eu ia devolver. Apenas escolhi uma maneira pouco ortodoxa de fazer isso (Almeida, 2011).

‘Todos esses famosos capitalistas de risco e CEOs cometem algum tipo de pequena fraude. [] Se tiverem sucesso, serão elogiados e admirados. Eu sabia que era eticamente questionável, mas não me via como criminosa. O fato de ser mulher desempenhou um grande papel no resultado. Não se espera que as mulheres sejam astutas ou ambiciosas []. Espero conseguir superar a história do crime e ser capaz de mostrar ao mundo que há mais para mim. Tive uma ideia e estava trabalhando duro para concretizá-la. Escolhi maneiras não convencionais de fazer isso. []. A sociedade é tão implacável que rotula você de criminoso pra sempre. Quase torna impossível que você se realinhe num caminho de redenção. Quero uma segunda chance de verdade’.

Sobre a série: [] decidi fazer algo para assumir o controle da narrativa. Agora, mais do que no passado, gostaria de fazer a diferença. Encaro esses últimos anos como uma experiência de aprendizagem. []. Você sempre pode criar algo positivo a partir de algo negativo. Você sabe, não desista e continue tentando. Não sou culpada dos crimes de que a mídia me acusou, nunca tive a intenção de cometer fraude. Sei como eu esperava que isso acontecesse e não aconteceu dessa maneira. Fiz algo errado, mas isso não me torna universalmente, cem por cento, uma pessoa horrível’. ‘Tentei aprender com meus erros, corrigi-los e tirar proveito disso’(Almeida, 2011).

Ser egoísta e ser realizadora se articulam a ser ganhadora como pessoa, fato negado por ela. ‘Eu não fui altruísta, mas não calculava em termos de ganho pessoal. Ser bem sucedida, ser oportunista, ser criativa, ser resiliente e ser empreendedora permeiam suas ações. Contudo, seu desejo de ser controladora foi desconsiderado em sua trajetória: ela não controlou receita e despesa, desejo e realidade, efeitos de suas ações: Eu nunca quis apenas ser vista como alguém, queria ser julgada por um projeto de sucesso. Não era ser famosa pra chamar atenção, eu queria deixar minha marca. construir um projeto. [] Eu estava tentando criar minhas oportunidades. [] quis ter mais controle, controlar o que faço []. Ainda sinto que estou no controle da minha história. me concentrar no que posso controlar e no que posso criar a partir desta situação’. Ser notável, ser capaz de autossuperação e ser empreendedora estão entrelaçadas. Ser grandiosa, ser capitalista e ser inteligente ao monetizar seus logros infiltram-se em: vender sua história à Netflix, usar uma plataforma para fazer contato com seus fãs. Sua capacidade de ser parceira de empresas, que monetizam a atração pública por celebridades, está em: para o idealizador da plataforma, Anna definitivamente é inteligente - ela enganou um monte de gente (Almeida, 2011).

Sua falta de culpa permite-lhe ser defensora de si mesma: ‘Eu deveria ter a chance de contar minha versão. Eu sinto que é justo. Estou tentando fazer com que minha história seja: Oh, cometi um erro. Mas estou tentando reverter isso []’. Ser capitalista ao alçar seu desejo a patamares de grandeza e lucrar de forma fácil e realista na atualidade surgem em: vendendo gravuras e pinturas por [] mais de US$ 250 mil, conseguindo pagar seu apartamento e sua equipe: ‘Estou muito mais cuidadosa, porque muitas pessoas mal podem esperar pra dizer: Anna me deve US$ 50’. Nesse final, ela minimiza os rombos financeiros, que acarretou na vida de muita gente. Ser empreendedora, ser grandiosa, ser criativa e ser multitalentosa aparecem em: trabalhar com jantares para celebridades como Elon Musk e Paris Hilton; realizar outros projetos: um podcast, um livro, uma linha de roupas (Almeida, 2011).

Contudo, ela sente ser incompreendida: ‘Muitas pessoas não entendem quais eram minhas intenções’. Ser competente para transformar ser ambiciosa em ser realizadora acha-se em: Ela está ocupada com o podcast The Anna Delvey Show. Também sua capacidade de ser parceira de pessoas, que se identificam com ela, surge em: ‘[Paris Hilton] entende o que é ser alvo’. Para o produtor de seu podcast, ela estava tentando fazer coisas que tivessem substância, de maneira confusa. Ela não estava tentando enganar ninguém. Segundo Julia Fox, Anna é um bode expiatório para a nobreza de Nova York. [] você vê todas essas pessoas escapando impunes, de coisas semelhantes. [] Ela fez o que todos esses caras ricos fazem. Eles não usam seu próprio dinheiro pra nenhum projeto que realizam (Almeida, 2011).

Ser honesta na atualidade e estar livre da justiça para superar suas fraudes despontam em: ‘Aprendi com meus erros. Paguei a restituição. Paguei os honorários advocatícios. Nunca tive defensor público. Nunca recebi dinheiro do governo. Então, pessoal, o que mais há? Todavia, seu desejo de ser grandiosa está desconectado de ser realista: ‘Eu só queria ter este prédio. Num mundo ideal [] teria aberto vários locais e um artista mudaria todo o espaço []. Era um plano viável. Tudo teria sido pago mensalmente. Eu nunca teria conseguido o dinheiro, sozinha. Seria: Oh, fizemos essa reforma e eles faturariam o banco’. Na primeira entrevista, ela assevera que ‘ia devolver o dinheiro’, mas na última entrevista em ‘Tudo teria sido pago mensalmente, falta o sujeito da ação de pagar. Porém, em ‘Oh, fizemos essa reforma e eles faturariam o banco’, o sujeito indeterminado – colocado no plural - dispondo de uma solução mágica e surpreendente, pagaria para realizar o desejo de Anna (Almeida, 2011).

Por um lado, Anna percebeu a alma de Nova York: as pessoas ficam deslumbradas com símbolos de poder, sendo incapazes de ver a realidade. Logo, ela jogou - com grande talento e pequeno esforço - os lances para realizar seu desejo de ter uma vida glamourosa. Por outro, a despeito de suas capacidades, a força da fantasia e da negação da realidade em sua psique impediram-na de realizar o desejo de ser grandiosa.

Considerações finais

Do ponto de vista teórico, Anna pode ser encaixada nas diversas categorias patológicas selecionadas. Entretanto, ao se acompanhar seu discurso, verifica-se a força da fantasia, do pensamento mágico e da negação da realidade em seu comportamento.

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Maria Emilia Sousa Almeida
Enviado por Maria Emilia Sousa Almeida em 27/10/2023
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