De “Rolé” na Europa
Nada melhor que umas boas férias para apaziguar a mente cansada de guerra. Este ano pude ir bem mais longe, atravessei o Atlântico e fui dar um “rolé” no velho continente.
A convite dos amigos italianos, Devagar e Maluquinho, com intuito de realizar uma série de palestras sobre Capoeira e cultura brasileira, rumei para a terra dos gladiadores, após uma breve passagem pela cidade luz.
Roma, verdadeiramente, é uma das cidades mais lindas que conheci. Arquitetura ímpar, com suas ruas estreitas, suas fontes em puro mármore, suas esquinas cheias de história, seus monumentos repletos de detalhes e sua gente acolhedora. O mundo mostrou-se imenso, num lugar onde a cultura e narrativa são tratadas como algo inegociável. Lembranças que jamais sairão da minha memória.
Roma, Siena, Abbadia San Savatore e a pequena, porém mágica, Comune Di Castiglione D´Orcia... Lugar das pedras, do silêncio e da reflexão. Passeando por sobre as vielas centenárias, fui apresentado ao bem maior de uma nação: seu legado cultural, a essência maior de um povo.
Minhas andanças seguiram pelas terras “calientes” da Espanha, tendo Barcelona como portal de chegada. Novamente um velho/novo mundo se estendeu pelos meus pés. Tal qual pude conferir na Itália, o antigo e o contemporâneo vivem sem conflitos maiores. Chamou-me atenção o moderno sistema de transporte. A cidade não para nenhum segundo, sob o solo de “Barça”, outra urbe se movimenta seguindo o nosso vai e vem. Incrível!
Passei de raspão por Málaga para, enfim, encontrar um garoto franzino que há um ano saíra do Parque das Mangabas para viver o novo, na terra velha. Estava em Lucena, com o meu querido discípulo Danilo Nascimento, 18 anos, o ‘Camisa 7’. Nos seus olhos ainda brilhava o mesmo desejo de vitória. Em sua fala, a firmeza na afirmativa de que ali, sim, havia encontrado uma possibilidade de construir um caminho bem melhor. Pura emoção esse reencontro...
Realmente dias memoráveis, de muitas andanças: a pé mesmo! Lembrei que quando estava no Charles de Gaulle, em Paris, caminhava por seus enormes salões ouvindo Bule Bule e quando estava subindo no avião o Gonzagão me aconselhava: “vai oiando coisa a grané, coisas qui pra mode vê, o cristão tem que andá a pé.” Córdoba, La Rambla, Sevilla... Andei! E pelas estradas pude ver de perto os efeitos negativos dessa tal de crise européia, mas também vislumbrei a alegria de ser livre (Salve, Maluquinho, guardião do paraíso nas colinas Di Castiglione D´Orcia).
Por lá é uníssono: “o Brasil é o país do futuro”. Nossa! Ouço essa frase desde que era criança! Mas ouvindo isso do outro lado do Atlântico me soou como algo novo. É como se nós ainda não tivéssemos nos dado conta disso. Logo percebi o quanto é longa a nossa estrada rumo a este futuro. Precisamos mudar imediatamente, pensei, não dá mais pra segurar. Esse futuro é hoje, agora mesmo!
Em Siena, ministrei aulas de Capoeira dentro de uma escola pública – Como pode ser isto? O paralelo com o Hidelbrando Lima Filho foi logo traçado em minha mente. Lá, na antiga Itália, a mitologia deles é tão respeitada e valorizada, que até a nossa se arte-luta se beneficia. Camisa 7, já muito apaixonado pela cultura espanhola, havia me alertado sobre essa incoerência. Ele me ensinou que Camarón é o “Mestre Bimba” deles. Foi ele o grande responsável por tirar o flamenco da marginalidade e o colocar nos grandes palcos, tal qual fez o Manoel dos Reis Machado, com a Capoeira. Todavia, continuou, com voz de decepção e “zapiando” os canais: “veja esse canal de TV, é totalmente dedicado à cultura flamenca”. Também na Espanha, bem como toda Europa, nossa cultura brasileira é cultuada como um manjar dos deuses, mas ficou claríssimo que não damos a menor importância para as nossas manifestações culturais. Santo de casa, no Brasil, não faz milagre mesmo.
É... – novamente pensei –, precisamos de uma revolução cultural e educacional em nosso país. Quero começar por minha Camaçari!
Foi bom ter visto o pulmão do mundo por outra ótica. É obvio que ainda nos falta muito para chegarmos ao nível educacional e de consciência sócio-política que existe nesses países europeus, mas é bom que se diga que temos muitas outras qualidades ímpares, mesmo com todas as nossas dificuldades.
No retorno dei uma passada rápida na Holanda, de lá só me lembro do frio <risos>. A chegada em minha terra foi também um momento especial. Estou mais convicto de que o meu discurso nunca foi vazio. Sei das minhas responsabilidades para com a comunidade, meus filhos e meu país.
Fui lá, vi, ouvi e vivi o velho mundo, para não mais fazer parte de um velho ser. O novo, com a ajuda do velho, me tomou o espírito, renovando-o.
Continuo “caminhando e cantando e seguindo a canção”...
Salve,
Caio Marcel admcaio@gmail.com é administrador de empresas e formado em capoeira regional, pelo Grupo de Capoeira Regional Porto da Barra. Também é responsável e mantenedor do Projeto Social Crianças Cabeludas, no bairro do Parque das Mangabas, Monte Gordo e Machadinho, em Camaçari.
Artigo publicado no Portal Eletrônico Camaçari Agora: http://www.camacariagora.com.br/colunista.php?cod_colunista=17&cod_coluna=147