Refugiados, desempregados e repatriados

Costumo dar gargalhada toda a vez que escuto alguém dizer que diminuiu o índice de desemprego no país ou apenas aqui no meu Estado. Sim, diminuiu o desemprego e muitas pessoas estão trabalhando e estão felizes porque estão sustentando suas famílias com os seus estupendos salários de 400, 500, ou 600 reais. Sim, diminuiu o desemprego e então vamos comemorar! Vamos comemorar o poder de compra do brasileiro! Vamos comemorar porque o comércio só tem a lucrar. Claro, o desemprego está diminuindo e é fabuloso que todos possam receber ao final do mês os seus quinhentos reais! Maravilha!

Com aquela famosa invasão norte-americana ao Afeganistão, chegaram a Porto Alegre alguns refugiados de guerra. Os coitados dos afegãos chegaram aqui sonhando, loucos por aprender logo a língua portuguesa e se integrarem de vez ao povo brasileiro. Eles eram um grupo de 23 afegãos, formados por cinco famílias que estavam refugiadas na Índia. Foram instalados em apartamentos que tiveram seus aluguéis pagos pela ONG gaúcha, Sociedade de Defesa da Cidadania (SDC) e, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), encarregou-se de provê-los com 260 reais mensais por um período de seis meses. Como vemos, organizações não governamentais se encarregaram de assistir aos refugiados e não o governo brasileiro. Foi amplamente divulgado que eles teriam aulas de português através de um convênio feito com a UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul); receberiam ajuda para conseguir empregos e os jovens seriam inseridos em programas profissionalizantes do SESI e do SENAI. Alguns desses afegãos tinham curso superior, havia entre eles um engenheiro, um professor de História e uma Doutora em Literatura e, pelo o que foi divulgado na imprensa, outros eram operários, artesãos e um era pastor. Havia entre eles cinco crianças.

Antes de chegarem a Porto Alegre, dois deles concederam entrevista a um jornal da Capital gaúcha e disseram: “O Brasil é um país onde a democracia está funcionando, com direitos humanos, respeito ao ser humano e garantia do direito de trabalho para as pessoas que vivem lá. Se as condições no Brasil forem adequadas, de maneira que possamos viver, consideraremos aquela cidade como nosso país e viveremos lá para sempre.”

Que maravilha, um país incrível como o nosso, “com oportunidades de emprego para todos,” recebendo refugiados de guerra. Nada mais justo.

Depois de dois anos em Porto Alegre, os 23 refugiados afegãos começaram a deixar o país. Não é estranho isso? Um país com tantas ofertas de emprego; sem guerras e, um povo tão alegre e acolhedor e, esses 23 afegãos simplesmente resolvem partir?

Assim que pararam de receber a ajuda de 260 reais mensais, três famílias voltaram para o Afeganistão. As outras famílias ainda permaneceram um pouco mais por aqui, em virtude de algum parente ter conseguido emprego e, com a esperança de os outros também conseguir, resolveram insistir um pouco mais.

Logo que decidiu deixar o Brasil, uma das afegãs que, aliás, havia conseguido um emprego onde recebia o salário de 400 reais, concedeu uma entrevista, onde disse: “Achei que o Brasil fosse do nível dos Estados Unidos ou do Canadá. Pensei que aqui conseguiríamos ganhar dinheiro.” Esta mulher sozinha, sustentava o seu marido desempregado e os três filhos.

Muita gente questionou a partida das famílias afegãs do Brasil, vi gente dizendo:

- Mas com todas as mordomias que eles tiveram ainda foram embora? Queria ver se eles não tivessem a ajuda financeira que receberam!

- Reclamaram de barriga cheia! Conheço gente pobre que estaria muito feliz se recebesse a ajuda que eles tiveram!

Vi inúmeros comentários deste tipo aos afegãos que deixaram o Brasil. Lembro-me bem de ter assistido na televisão, a entrevista de um desses afegãos antes de partir. Ele disse:

“O Brasil é um país muito bom, mas é um país muito bom para os homens de negócio, porque aqui não existe emprego. No Afeganistão, jamais me faltou emprego.”

Um jornalista e apresentador de televisão aqui no Rio Grande do Sul, que atualmente apresenta um programa que leva o seu próprio nome, Clóvis Duarte; proferiu na época o seguinte comentário: “Os imigrantes italianos, entre outras nacionalidades, que chegaram ao Rio Grande do Sul no século retrasado, chegaram aqui sem nada e sem receber ajuda qualquer; no entanto aqui ficaram e, trabalharam e prosperaram. Esses afegãos, tendo todo o auxílio que tiveram, não conseguiram emprego... Faltou vontade.”

Esse foi o comentário mais imbecil que já vi, visto que foi proferido por alguém que se esforça por ostentar um mínimo aceitável de quociente intelectual. Acho de uma burrice absurda fazer comparações entre imigrantes do nosso século com os do século passado e retrasado. Considero uma imensa burrice comparar o Brasil de hoje com o Brasil de há mais de cem anos. Como pode alguém acreditar que vivemos a mesma situação política e econômica do século retrasado? Principalmente alguém que se diz jornalista e professor e que apresenta um programa de televisão? É bom lembrar, que os imigrantes que aqui chegavam, não chegavam sem nada como disse esse senhor. Esses imigrantes chegavam aqui por meio de projetos do império que incentivavam a imigração. Cada família que aqui chegava recebia pelo menos 15 hectares de terra, além de animais e sementes para iniciar o plantio. Outros artifícios foram utilizados para atrair imigrantes e é claro que sabemos que a vida deles aqui não foi fácil de forma alguma! E se você leitor, por acaso concorda com o comentário do senhor Clóvis Duarte; eu simplesmente o desafio a sustentar a sua família com 260 reais por um mês. Aliás, desafio o próprio Clóvis Duarte e, ainda dou a ele a barbada de sustentar a família dele com 1.500,00 reais e garanto que ele não consegue. É tão curioso isso, um homem rico, que quando jovem estudou numa das escolas mais caras e tradicionais de Porto Alegre, insinuar que os refugiados que sustentavam suas famílias com 260 reais, não conseguiram emprego por falta de determinação. Tão determinado deve ser esse senhor, que nasceu numa família rica, que estudou numa escola onde os 260 reais não pagam nem parte da mensalidade. Que grande experiência de vida ele deve ter para fazer tal comentário sobre os refugiados! Que coisa interessante isso, na visão do senhor Clóvis Duarte, eles deviam estar tão felizes com esses 260 reais que nem tiveram vontade para procurar emprego! Estavam tão felizes por não poderem dar uma vida decente aos filhos no país que os acolheu, que acabaram indo embora! Sim, o Brasil é realmente um país maravilhoso, não é mesmo? Aqui tem emprego, riqueza; tudo! O que se planta nesse chão se colhe! Só se fode quem quiser. E pelo jeito, na opinião de todos os senhores Clóvis Duarte que existem nesse país, há muita gente querendo se ferrar.

Provocador
Enviado por Provocador em 31/05/2008
Reeditado em 04/07/2008
Código do texto: T1013569
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