STF e Células-tronco embrionárias

O julgamento histórico realizado pelos ministros do STF iniciado no último dia 28(quarta-feira) e concluído na quinta, repercutiu e repercutirá bastante em vários setores da sociedade. A Ação Direta de Inconstitucionalidade(ADIn) n°3510, movida pelo ex-procurador geral da república Cláudio Fonteles, versava sobre a possibilidade jurídica, ou não, do uso de células-tronco embrionárias para fins de pesquisa e terapia. Ellen Gracie, Joaquim Barbosa, Celso de Mello, Ayres Brito, Cármen Lúcia e Marco Aurélio, votaram pela total constitucionalidade do artigo 5° da lei de Biossegurança, e conseqüente improcedência da ação. Enquanto, Menezes Direito, Ricardo Lewandowski, Cezar Peluso, Gilmar Mendes e Eros Grau, votaram pela procedência em parte da referida ADIn. Resultado que, toscamente quantificado, poderia totalizar 6 votos a favor e 5 contra.

Apesar da decisão já ter sido tomada pelos ministros do STF, essa questão rendeu pano pra muita manga. O que aparentemente parecia simples, mostrou-se complexo e peculiar. Num resumo, bastaria responder a duas perguntas básicas:

1- A linha de pesquisa que utiliza embriões humanos é ética?

2- Essa mesma linha, está de acordo com o ordenamento jurídico do Brasil?

Vamos recapitular rapidamente num painel explicativo esse assunto. As células-tronco têm capacidade de produzir outras células de várias partes do corpo e podem ser usadas para recuperar órgãos danificados por acidentes ou doenças. As células-tronco adultas encontram-se no corpo de organismos adultos, e as embrionárias apenas no embrião(ser humano no estágio inicial de desenvolvimento). As adultas não podem formar todos os tecidos do corpo, mas já são usadas em vários tratamentos que deram resultados positivos para a ciência. As embrionárias podem formar todos os tecidos do corpo, mas apesar do desenvolvimento das pesquisas com células-tronco embrionárias em outros países, até hoje nunca se conseguiu um resultado positivo, já que todas resultaram em câncer. Vale lembrar que os testes foram feitos em camundongos que, apesar de não significarem mudança de comportamento em relação ao teste com humanos, são organismos bem mais simples. Esse tipo de comportamento, aliado ao desenvolvimento da nanotecnologia pelo cientista japonês Yamanaka que, nas palavras da estudiosa e professora da UNIFESP Alice Teixeira, adicionaria uma vírgula ao assunto, possibilitando com seus estudos o desenvolvimento da totipotência das embrionárias nas adultas:

"Em vez de utilizar retrovirus para introduzir nas células os quatro genes, PrimeGen usou pequenas partículas de carbono (nanotecnologia que já se encontra em domínio público) cobertas com DNA que codifica os mesmos quatro genes usados por Yamanaka – incluindo Oct3/4 e o quinto gene Nanog.

Juntaram estas partículas à células da pele, do rim e da retina. Estas

partículas foram rapidamente incorporadas pelas células adultas, que foram reprogramadas em células iPS, informou o presidente da PrimeGen, John Sundsmo.

Cobrindo-se estas partículas transportadoras com as proteínas codificadas pelos cinco genes produziram o mesmo efeito, de acordo com Dr. Sundsmo. Sundsmo afirma que as colônias de células iPS surgem em cerca de uma semana. A técnica de Yamanaka por outro lado leva mais de um mês para tais colônias de células iPS se formarem. Mais importante ainda diz Sundsmo: o método da

PrimeGen é mais eficiente, formando 1000 vezes mais colônias destas células reprogramadas."

Desse modo, os valores e as implicações teológicas, religiosas, filosóficas e científicas envolvidas, tendem a multiplicar-se a cada oportunidade de discussão e a cada descoberta científica nesse campo. E de fato, cabe agora ressaltar num breve retrospecto o aspecto reflexivo do tema.

O que normalmente a mídia põe na balança dos valores envolvidos é, de um lado os doentes na esperança de cura, e do outro, um amontoado de células que serão destinadas ao lixo. Creio que a questão seja mais complexa. A começar pelas implicações jurídicas, talvez as mais levadas em conta pela maioria dos ministros. Estas se estendem por artigos e leis, tendo como finalidade definitiva, atestar a lealdade à nossa carta magna, a constituição brasileira. E, assim sendo, trago a transcrição do artigo 5° da constituição.

ART 5° " Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à VIDA, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade nos termos seguintes:

IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, CIENTÍFICA e de comunicação, independente de censura ou licença."

Desse modo, a constituição traz no caput do artigo 5° dos direitos e garantias fundamentais, o direito à vida; e em seu inciso 9°, a liberdade constitucional de expressão científica. Em se tratando de matéria constitucional, os ministros que compuseram a frente defensora das pesquisas no julgamento, salientaram que a lei está posta e é clara. Então, qual a grande questão? Os ministros que foram contra as pesquisas, julgaram que a lei deveria ser mais clara e propuseram uma série de modificações e adições à redação da lei de biossegurança. Ou seja, os ministros Cezar Peluso, Menezes Direito, Ricardo Lewandowski, Eros Grau e Gilmar Mendes, propuseram a modificação da lei tendo em vista que na opinião deles, havia pontos a serem elucidados em relação ao alcance das pesquisas e ao respectivo controle ético mediante órgão público. Novamente, em função da necessidade de esclarecimentos, vamos fazer uma explanação sobre o desenvolvimento embrionário humano.

No primeiro dia, a fertilização recém-realizada, dá frutos e gera na concepção um indivíduo com programação genética própria, diferente da dos pais. No segundo dia, o chamado zigoto, divide-se em duas células. No terceiro, o processo natural corre e já passam a existir várias células que são chamadas de mórula. No quarto, a divisão celular alcança um estágio em que o embrião prepara-se para ser implantado no útero. No quinto, o embrião agora chamado de blastocisto, está em plenas condições de ser implantado no útero materno.

A questão em pauta explora o assunto científico até esse ponto, anterior ao processo de nidação, em que o embrião aconchega-se no útero e passa a receber alimento da mãe. Até aí tudo bem, sem maiores complicações de entendimento. Mas vamos às condições a que os embriões são submetidos para que sirvam como matéria de pesquisa para os cientistas.

Lei de Biossegurança

Art. 5° " É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições:

I - sejam embriões inviáveis; ou

II - sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento.

§ 1 Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.

§ 2 Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa.

§ 3 É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei n 9.434, de 4 de fevereiro de 1997."

Assim discorre a lei 11.105 de 24 de março de 2005 de biossegurança nacional. Ou seja, embriões in vitro, gerados por fertilização artificial e mantidos em placas de petri(vidro), congelados a mais de três anos da data da publicação da lei e tidos portanto como inviáveis. Contudo, o ministro Carlos Alberto Menezes Direito ressaltou um ponto curioso desta lei. Como saber a definição exata de inviável? A hermenêutica, ou, interpretação jurisprudencial(dos juízes), encarregou-se de definir. Como a interpretação varia de juiz para juiz, alguns acham que inviável é aquele impossibilitado de continuar seu desenvolvimento e que fatalmente serão jogados no lixo. Porém é preciso destacar que esses embriões só estão nessa situação pois forma submetidos a ela, pelas mãos dos cientistas, não por força natural. Além do mais, houve falha no controle do processo de fertilização artificial. Mas o que é essa tal fertilização artificial?

Pois bem, fertilização artificial é um processo de fertilização em que se recolhe o esperma masculino, e, mediante estímulo de droga, se obtém num único ciclo menstrual dezenas de óvulos em vez de apenas 1 que seria o natural. Assim, em cultivo, os espermatozóides e os óvulos são postos sob processo de fecundação, gerando cerca de 20 embriões, dos quais 4 são implantados na mulher. Desses, geralmente 1 sobrevive e passa pelo processo da gravidez.

Ou seja, porque eu julgo que houve falha? Porque é um absurdo não haver controle e serem descartados 20 embriões. Mas, diante desse fato, o STF julgou ser legal o uso desses embriões que seriam descartados para objetivo de pesquisas científicas, alegando que dariam um fim digno para o embrião.

Iniciando a parte filosófica e reflexiva do assunto, obviamente dizer que o STF julgou uma lei como se estivesse acima da vida e da morte é um absurdo. Os ministros mostraram seus pontos de vista e seus argumentos no sentido de justificar a sua decisão tendo como finalidade promover o bem-comum, tomar a decisão mais justa e corresponder à vontade do povo brasileiro. Logicamente, é impossível afirmar que alguém conhece o estágio de desenvolvimento exata em que se inicia a vida humana. Entretanto, existem indícios que dão sustentação para um apontamento lógico. Os defensores da chamada teoria "nidista", dizem que a vida começa somente a partir do desenvolvimento do sistema nervoso, com o embrião já implantado no útero, obviamente. Já os defensores da teoria "concepcionista", dizem que a vida se inicia com a concepção. Analisando os argumentos dos nidistas, creio que seja um erro supor que a vida comece tendo como base a formação do sitema nervoso, visando apenas o caráter racional do ser humano como característica fundamental para extingui-lo. Do mesmo modo, supor que a vida começa com a formação do cérebro e demais órgãos, somente se baseando no fato da morte ser determinada com a paralisação da atividade mental é pretensiosamente simplista, já que esses órgãos já estão previstos na carga genética do embrião. Os primeiros estágios da vida humana são autônomos. O zigoto se divide independentemente de quem quer que seja. A mórula se desenvolve e transforma-se em blastocisto independente da mãe. Ela sabe que deve se desenvolver, assim como o bebê sabe que precisa se alimentar, e por isso chora. A nidação apenas sustenta o organismo em desenvolvimento, coisa normal para todo ser vivo, afinal, quem não precisa se alimentar? O Girino por exemplo, sai do ovo e tem autonomia, apenas não necessita da proteção materna nos primeiros estágios de seu desenvolvimento, proteção que a cápsula oval dá para o animal. E, assim, é possível concluir que o ser ÚNICO presente ali no embrião humano é dotado da dignidade humana igual a qualquer um de nós. Tomar como base a cura de doenças horríveis para matar embriões é um grave erro. É justificar os fins pelos meios.

É de suma importância ter em vista esses aspectos. E vale lembrar aqui que não defendo interesses, nem sou um católico teimoso. Sou alguém comprometido com o meu país e que de forma humilde mas insistente luto para trazer justiça para o Brasil. Alguns podem me criticar dizendo que minha opinião representa um retrocesso, que devemos apoiar os doentes e liberar as pesquisas. O apoio sem dúvida é necessário, mas não sacrificando crianças. Nos EUA, embriões congelados por até 8 anos já foram doados para casais inférteis e nasceram saudáveis. Classificar os embriões pela sua taxa de possibilidade de nascer saudável é quantificar o valor da vida humana, e isso é brutal. Dizer: Ah, esse tem apenas 13% de chance, vamos jogá-lo no lixo. Até onde vai chegar a pretensão humana? Esse tipo de erro é causado pela fé que se tem na Ciência. É simples. A metafísica jamais progride, não sai do lugar, já que as perguntas feitas hoje como: quem sou eu? para onde eu vou? Foram feitas a mais de 2500 anos pelos gregos, por exemplo. Por outro lado, a Ciência progride sim, e evolui num ritmo contínuo, de Copérnico, Newton, Galileu até Stephen Hawking, dando a entender para o Homem que ela seria a resposta para a Verdade, que ela daria o sentido de sua existência angustiante, como bem descreve o mito de Sísifo de Albert Camus. Estamos chegando ao ápice. A água está acabando, o planeta se enfurecendo, e nós brincando de "Admirável Mundo Novo".

Na Europa, a maioria absoluta dos países tidos como de primeiro mundo já desenvolvem pesquisas com células-tronco embrionárias. A Itália é uma importante exceção. Vamos pegar como exemplo a Alemanha. Esse país desenvolve pesquisas com células-tronco embrionárias humanas porém retirando um número restrito de células, que não mata, ou não destrói a estrutura corporal do embrião. Porque não fazer o mesmo no Brasil?

Numa conclusão final: devemos abraçar a dor dos que sofrem com doenças como o mal de Alzeihmer ou de Parkinson, ou os que sofreram acidentes derradeiros, de maneira madura e responsável. Não devemos fundamentar nossas esperanças em promessas incertas da Ciência. A esperança nasce de uma companhia que transforma a vida. Deixo essa reflexão para os leitores e me abro para críticas e opiniões que possivelmente virão. Um abraço a todos.

Enrico Vizzini
Enviado por Enrico Vizzini em 03/06/2008
Reeditado em 12/06/2008
Código do texto: T1018030