A emergência de um “novo” trabalhador?

É difícil acreditar que boa parte dos trabalhadores assalariados brasileiros tenha a mínima noção das profundas mudanças porque passou a sociedade do trabalho, seja em sua estrutura produtiva, seja nas relações sociais entre os trabalhadores e os sindicatos.

Em primeiro, já se tornou visível a intensa exploração oriunda do modelo de produção baseado no taylorismo/fordismo e a introdução do modelo da especialização flexível, chamada por aqui de “toyotismo” ou “modelo japonês”. Esse “novo” perfil de trabalho se caracteriza por uma face laboral na qual os trabalhadores são entendidos por multifuncionais, qualificados, participantes dos lucros das empresas e “colaboradores” nas “novidades” próprias das relações de trabalho e gerenciamento. Mais que isso, ao trabalhador/colaborador cumpre a manutenção da qualidade dos produtos, o cuidado com o meio ambiente e o zelo pela empresa, agora enxuta e com cargos delimitados tanto no espaço, como no tempo de trabalho. Esse modelo, obviamente, forjou novas formas de mobilização ou mesmo - especialmente no caso do Brasil - decretou o fim das grandes bases operárias e das greves que garantiam, em larga medida, limites à ganância dos donos do capital.

Associado a esta questão é perceptível a roupagem que no momento se reveste o Estado. Desde a década de 30 assistimos a um Estado extremamente interventor o qual tratava, aqui e acolá, de organizar o que chamamos de capitalismo desorganizado. Este Estado, de bem-estar nos países avançados, garantiu por um bom tempo alguns direitos e vários privilégios. No caso brasileiro chegou, inclusive, a incorporar os sindicatos e interferir na economia, principalmente, na manutenção da força de trabalho e na repressão aos movimentos dos trabalhadores. Este Estado esteve em xeque no final dos anos 80 e início dos 90, quando os atores passaram a vangloriar as vantagens da sociedade de mercado e do consumo. Em vários países o mercado ganhou notoriedade e a nova ordem mundial traçou um duro caminho para os trabalhadores, os sindicatos e suas mobilizações.

É desta conjuntura que nasce o “novo” trabalhador: diferentemente da década de 80, notadamente no Brasil, ele é manso, por vezes cordial e apático. Assistiu a chegada dos “trabalhadores” ao poder e nada faz quando nas telas da TV são reveladas inúmeras faces da corrupção. Esse trabalhador abandonou os movimentos sociais; abriu mão de importantes reivindicações e da liberdade sindical tão almejada nos anos 70 e 80. Esse novo trabalhador é um ser que cultua o medo, navega no temor da possibilidade do desemprego e, além de colaborador, tornou-se um verdadeiro capataz do patrão. Ele exagera quando afirma que participa dos lucros, mas sabe que a escola do filho não é a melhor que a do filho do patrão. Esse novo perfil do trabalhador é desencantado de novidades no campo das mudanças estruturais. Ele é resignado e não se arrisca em espaços públicos de reivindicação sob pena de perder o seu emprego. O trabalhador é a nova marionete do capitalismo global. Ele deseja e almeja ser reconhecido, mesmo que esse reconhecimento venha da desgraça da maioria dos trabalhadores que não são qualificados. Ele opta pela divisão, a diferenciação e a distinção da humanidade entre aqueles que podem ser incluídos e os que não devem ser. Este trabalhador apático perdeu a identidade. Não sabe o que quer e vegeta na esteira de acontecimentos que pouco modifica sua pobre vida. Não sabemos como vai se desabrochar a conjuntura em apreço. Todavia, é certo que já não se pode mais confiar em uma potente e consciente base operária. Os trabalhadores da década de 80 não mais se identificam com os ideais dos “colaboradores” da década de 90 e dos dias atuais. Se aqueles lutaram e conseguiram, a duras penas, a emergência da democracia, estes desejam deixar as coisas como estão e lutam não por conquistas abrangentes. Apegando-se ao próprio ideal, eles dão força ao individualismo moderno e desejam, conscientes e/ou inconscientes, se transformar na “velha” e “boa” burguesia.