OLHAR

Olhar

Somos prisioneiros de nossas percepções visuais?

Por Soane Guerreiro

“Não vês que o olho abraça a beleza do mundo inteiro? [...] É janela do corpo humano, por onde a alma especula e frui a beleza do mundo, aceitando a prisão do corpo que, sem esse poder, seria um tormento[...] Ó admirável necessidade! Quem acreditaria que um espaço tão reduzido seria capaz de absorver as imagens do universo? [...]”

(Leonardo da Vinci)

Até onde somos capazes de enxergar o mundo e inferir uma situação? Quais os limites da visão do homem e as mudanças na forma de percepção dos fenômenos sofridos nos últimos tempos?

Apesar do olho ser um órgão sensorial da visão, esta não tem só a capacidade de detectar a luz e as imagens, mas também de interpretá-las, pois existem aspectos que vão muito além do que a ciência poderia explicar, embora seja importante que conheçamos suas características gerais para que, dessa forma, possamos entender como funciona esse universo.

A visão é considerada um dos cinco sentidos que permitem com que os seres humanos aprimorem as suas percepções sobre o mundo e, recentemente um dos sentidos que têm mais apelo perante a sociedade e as mídias existentes. Corresponde a todo conjunto de mecanismos fisiológicos e principalmente psicológicos que determinam impressões sensoriais das mais variadas naturezas. Ela engloba duas células responsáveis pela recepção de cores e luminosidade, lugar que se realizam as primeiras etapas de transmissão de dados visuais e do processo perceptivo para o cérebro, onde através da análise e da interpretação nos é permitido (des)reconstruir as distâncias, cores, movimentos e formas dos objetos que nos rodeiam. Cada olho vê uma imagem mais ou menos circular do mundo. Mas essas imagens não são bem as mesmas, porque cada olho vê as coisas de um ângulo ligeiramente diferente. A maioria dos animais vêem tudo em “preto e branco”. É importante atentar para esse detalhe e também para a perspectiva que só os nossos olhos vêem, como a forma que analisamos esse mundo, influenciado pelos meios de comunicação, as experiências e concepções acerca dos fenômenos que se apresentam no cotidiano.

“Se Romeu tivesse os olhos de um falcão não se apaixonaria por Julieta, porque os olhos dele veriam uma pele que provavelmente não seria agradável de ver, porque a acuidade do falcão não mostra a pele humana como nós vemos”, afirma o escritor José Saramago, prêmio Nobel de literatura.

Cada experiência de olhar é um limite, a forma com que as coisas são apresentadas para nós é diferente do que os animais vêem, por isso não existe uma realidade absoluta, e sim, somos condicionados e mediados pelo repertório de vida e influenciado por meios externos.

Olhar receptivo

A tese da onipresença dos meios de comunicação, que o “meio é a mensagem”, proposta pelo filósofo e educador norte americano Marshall McLuhan, ainda nos anos 60, se intensifica com a multiplicação e massificação das informações, que condicionam de tal forma o conteúdo da mensagem e das imagens que elas se confundem, prevalecendo o formato da mídia e relegando o sentido da mensagem a um segundo plano, apenas produzindo um sentido para que seja absorvido. Há um “ver-por-ver”, sem o ato intencional de olhar, fazendo com que fiquemos cada vez mais mergulhados em um mundo visual e ao mesmo tempo com freqüentes acessos de cegueira.

“A televisão nos propõe imagens prontas e não sabemos mais vê-las, porque perdemos o olhar anterior, perdemos o distanciamento”, afirma Eugen Bavcar, fotógrafo e filósofo. Ficou cego devido a dois acidentes de guerra. O primeiro atingiu o olho esquerdo. Depois, um detonador de minas atingiu o olho direito. As suas primeiras experiências com fotografia foram no colégio, tirando fotos de colegas. Na ocasião, ele já era cego. Mas isso não o impediu de tentar e superar os seus limites. Decidiu seguir esse caminho após constatar que mesmo sem ver as imagens era capaz de fazê-las. Para isso, ele analisa a distância, a altura e a direção do fotografado. As pessoas se surpreendem com a história dele. “Já me apaixonei por mulheres que agradavam aos meus amigos e não a mim. Olhar através dos outros é existir através dos outros, é preciso tentar existir por si mesmo”. Bavcar sempre anda com um espelho no casaco, como se fosse um “terceiro olho”, caso as pessoas se sintam incomodadas pela sua ausência de visão.

Olhar ativo

O olhar é muito mais do que uma função fisiológica. É uma linguagem forte, pretensa e carregada de sentido. Provoca alterações significantes na vida. O olho é uma fronteira móvel e aberta entre o mundo externo e o sujeito, tanto recebe estímulos nervosos, quanto se move em direção a ele, à procura de algo atrativo, que irá distinguir, conhecer, recortar, definir, interpretar, caracterizar, enfim, pensar. Esse olhar, de certa forma aprimorado, abrange não só o superficial, não se limita a olhar pra fora, enxerga não só o visível, mas também o invisível das idéias e suposições. Transfigura aquilo que é visto através da imaginação, que é um complemento das palavras, e que dá vida aos anseios da alma, reflete o que sentimos, pensamos e queremos construir.

Mas a questão é: a que “olhar” estamos mais condicionados?

Soane Guerreiro
Enviado por Soane Guerreiro em 11/06/2008
Reeditado em 11/06/2008
Código do texto: T1028822