FORMAÇÃO DE QUADRILHAS

Não posso me posicionar contra as leis já aprovadas e regulamentadas. O que posso é questionar sua validade prática e a relação com a cultura popular. Conforme ampla divulgação foi aprovada e sancionada a lei de tolerância zero em álcool para quem dirige. Mesmo sem regulamentação já está sendo aplicada.

Embora a validade da medida para diminuição de acidentes de trânsito, mesmo assim, preciso questionar sobre mais uma lei que abrirá condições para arbitrariedades. É notório que em festas, bailes e quaisquer eventos, se houver algum interesse por lucros, a venda de bebidas alcoólicas, em especial cervejas e chope, é praticamente inevitável. Imagine-se um comandante da polícia militar que queira mostrar serviço com o faturar de multas: basta que mande uma guarnição postar-se na redondeza e abordar os motoristas. Até aqueles que não beberam estarão sujeitos a serem importunados com exames para averiguar seu teor alcoólico no sangue. Isso que basta comer chocolate ou algum outro doce para que o organismo sinalize para a ingestão de álcool. O mesmo acontece quando se ingere saladas temperadas com vinagre.

Certamente haverá quem diga que o bom senso precisa imperar. Todavia, qual o limite para o esse bom senso? Onde está escrito o que o regerá?

Se todos aqueles que dirigirem com vestígios de álcool no sangue tiverem de ser presos, onde haverá presídios suficientes? Outra vez argumentarão os eufemistas de plantão: “pagando fiança não vai à cadeia”. Entendo: terá de pagar quase mil reais de multa e mais a fiança e percebo o verdadeiro motivo da lei: arrecadar. Terá ainda a liberação do carro lá do guincho e o custo para revalidar a carteira de motorista após um ano, além das despesas com táxi ou outros transportes durante um ano.

Não sou alguém que vai a festas e freqüenta bares sistematicamente. Quase sempre quando participo de algum evento é com a finalidade de colaborar com uma boa causa. Nessas ocasiões eu preciso tomar cerveja senão é impossível que haja um bom retorno para a festa. A partir de agora fico simplesmente em casa, ou, alguém de sã consciência pensa que irei a pé, de noite, ou que solicitarei um táxi que me leve e traga de volta?

Tudo que pondero acima nasceu de uma nova constatação: a cultura começa a ser radicalmente mudada. Até algum tempo atrás nas festas de São João havia a tradicional fogueira. Por causa dos problemas de poluição que causava, queimava-se lenha e pneus, aos poucos, o bom senso fez as pessoas entenderem que ela devia ser deixada de lado, mesmo sem uma lei ditando a norma. Diferente é a cultura de soltar balões que, mesmo havendo a proibição, recentes notícias deram conta de que balões continuam causando incêndios, problemas e mortes. Estamos na época das festas juninas nas escolas. Pois houve promotor de justiça que entendeu dever investir contra o quentão feito com vinho – é um mau exemplo para os alunos a escola usar uma bebida alcoólica para preparar o quentão. Como falar algo contra, ainda mais sendo professor?

Para encerrar advirto: logo, talvez já no próximo ano, é melhor deixar as danças caipiras também de lado. Imaginem que as crianças e adolescentes dançam a quadrilha.

Pelo que me consta a formação de quadrilha é crime. E se os adultos: professores e pais forem responsabilizados por ensinarem na escola esta malfadada prática? Não irei mais colaborar nas festas juninas. Acaba de ser publicado um artigo sobre o assunto, “Festas”, na revista “Nova Escola”. O debate deve prosseguir.

Parece-me que estamos enveredando definitivamente na ditadura das leis. Se mais leis resolvessem, todas as anteriores deveriam mesmo ser respeitadas.

O que está errado precisa ser mudado. Nossa cultura está errada? Ou não consegue mais se adequar, apenas?