O CHAMADO...

O chamado...

De Poet Ha, Abilio Machado.

Saindo atrasado, quase correndo com os passos largos pelo anti-pó, resquícios de uma época que ainda nosso bairro chamava a atenção política, enquanto funcionários públicos moravam no lugar, como primeiros moradores acabaram por venderem seus lotes e construções, pois se sabe que é assim que acontece na maioria dos projetos habitacionais que envolvem o município, mas hão de jurar que jamais isto ocorreu, uma boa cota é para os funcionários, a segunda para os amigos dos funcionários e a terceira para os amigos dos amigos, quando não o são parentes...

Mas o assunto é outro, desci a grande colina detrás de nosso conjunto, os minutos contados para pegar o lotação, minha mochila verde e feita à mão levada a tira-colo estava pesada com material aos alunos, textos, CDs, e um monte de idéias, ao dobrar a segunda curva, um monte de roupa sobre o capim já alto pelo descaso, resolvi passar próximo já que a cada dia que passa aquele lado está a transformar-se em lixão, o morador do novo bairro pinta a casa e os restos jogou lá, a mãe diz ao filho para que jogue a sacolinha por que enfeia sua casa durante o dia , então ao sair para a escola os meninos levam além da mochila pesada uma ou duas sacolinhas com o entulhos do dia anterior para onde? Para a beirada do matinho.

Bom, avistei um senhor dobrado, parecia com frio ou até mesmo encolhido com dor, usava uma calça escura que poderia ser qualquer coisa entre um brim e um tergal, tinha ainda uma jaqueta de jeans azul muito desbotada e um boné branco com alguma propaganda... Como vacinado por tantos casos policiais e burrices de samaritanos, não toquei no corpo apenas gritei, gritei, visinhos chegaram a olhar que era o louco que gritava para o homem perguntando se ele estava bem.

Nada, nem um gemido, ou respiração mais forte, dizendo ou demonstrando que havia ainda um ser com espírito ali, já me veio ao pensamento os frios que estão fazendo aqui no sul, seria mais uma vítima da temperatura depois do álcool?

Apanhei o celular e 190, atendeu-me um policial acredito, identificou-se como sendo da polícia militar:

__Alô?! Queria informar que há um senhor caído na beira de um matagal aqui na saída do Céu Azul, próximo à garagem da Prefeitura...

__O senhor ligou errado, deve ligar para a ambulância, aqui é da polícia...

__Mas o número que liguei é de vocês, estou indo trabalhar, meu ônibus já vai passar, é um senhor está de jaqueta jeans, logo depois da esquina saindo da expedicionário. Alô? Alô?

Havia desligado. Liguei para o 192, central de ambulâncias, o telefone tocava, olhei no meu relógio 13h06min., nenhuma alma viva também lá... Deveriam estar em alguma ocorrência ou almoçando ou como já se tornou comum levando as compras de supermercado para casa ou transladando parentes e militantes a outros destinos, teve um fato curioso no ano passado, dia de concurso para a Companhia Elétrica do Município, aqui de casa o casal participaria do mesmo, estávamos esperando o ônibus na frente de casa, a ambulância chegou toda louca como a ir a socorro de alguém, parou na frente da oitava casa, logo saiu um garoto de pijama gritando, ouvimos a resposta do motorista: se não for assim vocês não acordam... Este ficou por quase meia hora esperando os dois garotos se arrumarem e saíram...Quando chegamos no endereço onde aconteceria a prova de seleção, depois de dois ônibus em baldeação, entrávamos e novamente o veículo público estaciona ao lado e lá estavam saindo os garotos do veículo com mais algumas pessoas, todos filhos e filhas de funcionários do Pronto Socorro ou Centro Médico como gostam de falar.

E o pior descem com ares de autoridade e de quem vai passar apenas em colocar o nome no papel, não importando se tenha ou não a média requerida.

Retornando ao caso do homem, voltei a ligar ao 190:

__Olá?! Sou eu de novo, no 192 ninguém atende.

__Então fazer o que, bem na hora do jornal, conta aí, qual teu nome?

__Abilio.

__Quantos metros da rua está a vítima?

__Nem sei se é vítima, mas está digamos a um metro.

__Que saco então é a gente. Vai ter alguém aí quando a viatura chegar?

__Acredito que não, a não ser eu, ninguém que passou parou para olhar, é mato, todo mundo tem medo.

__Vai suce que a gente dá uma olhada. Me conta mais, havia alguma garrafa jogada por perto?

__ Não vi não. Algumas sacolas de supermercado com chuchu e outras coisas.

__Deve ser andarilho, se forem atender peguem aquela que não foi lavada ainda.

__Ei garoto, meu ônibus chegou, espero que venham.

__ Pra onde está indo...

__Trabalhar... Boa tarde.

À noite retornei, parei no mesmo lugar, a rua escura, e sabemos que o escuro acaba nos mostrando nossos fantasmas, arrepios me percorriam o corpo, as dores no peito estão mais fortes, carrego uma caixa pesada com um sax tenor, depois de velho resolvi aprender música neste instrumento... Meu dó ao sair faz-me sentir dó de mim.