Teologia da Libertação: visão crítica e contemporânea.

Teologia da Libertação: visão crítica e contemporânea.

Para que o leitor não confunda os objetivos deste texto, esclareço desde já que sou favorável às idéias pregadas pela Teologia da Libertação, inclusive avaliando-as como talvez a última grande chance de inclusão da massa oprimida, entretanto, acho justo manifestar minha visão crítica quanto a “ forma” utilizada no seu emprego junto de algumas comunidades. Aquilo que veio para libertar tem de libertar ou oxalá ser instrumento na tentativa de libertação. Que a demagogia restrinja-se àqueles que apenas falam e tratam de política (o que não é o foco da discussão), que se exclua esta prática entre aqueles que a miscigenam com as oportunidades oriundas da fé espiritual em seu âmbito popular.

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As propostas inicialmente pregadas pela Teologia da Libertação são sem nenhuma dúvida bastante coerentes com as necessidades apresentadas pela massa excluída do terceiro mundo. São idéias que fazem com que o homem, na sua unidade e no coletivo, compreenda-se como ser único, racional, importante e livre. Único sob a ótica da existencialidade – sem par; racional porque pensa, desenvolve-se, almeja, busca; importante porque é isso que queremos todos como finalidade do enaltecimento da auto-estima e finalmente livre porque houve o sacrifício do Nazareno pela nossa libertação, livre porque enquanto indivíduos, somos donos de um livre arbítrio natural e ainda livre pelo simples fato de sermos homens.

Tanto a filosofia, como o direito, como a teologia, incumbiram-se respectivamente e por todas suas existências em decretar, garantir e aspirar a liberdade humana e hoje é mister que o homem na sua grosseira maioria mais aspira à liberdade do que a tem como garantia ou decreto – este foi o ponto de partida para o advento das idéias de Leonardo Boff, Frei Betto e outros. A América Latina oprimida por sistemas neoabsolutistas militares foi então o cenário perfeito; o Vaticano por sua vez, cada vez mais abstido da condição de conciliador do pensamento católico na periferia do mundo, não tinha junto à maioria dos teólogos emergentes, poderio e controle centralizados, tal qual possuía com os corpos eclesiásticos dos países de primeiro mundo. Era aquela a hora ! Nascia então nos anos de 1970 os pensamentos que conciliavam libertação socioeconômica e política com o emprego do cristianismo do Nazareno – um cristianismo pobre, humilhado, crucificado e de libertação.

Em “Civilização Planetária” (Sextante, 2003) , Leonardo Boff conclama simpatizantes de sua teoria para aplicar na própria vida, na do próximo (logo, irmão/irmã) e na das comunidades que freqüentamos, a prática deste cristianismo humanitário (divergente daquele hierárquico pregado desde a Idade Média até hoje pela Igreja ). A conclamação de Boff, segundo ele mesmo, esbarra na utopia, pois talvez, embora aspirante a esta liberdade una, o homem ainda não esteja preparado para assumi-la e exercê-la plenamente.

Ainda há regimes hierárquicos maléficos, profundamente enraizados nas organizações clericais, sejam elas católicas ou evangélicas. Não se tem como perceber – ainda – uma hegemonia libertadora por parte daqueles que pregam o evangelho do Cristo Deus. O que se percebe claro e cada vez mais freqüente, são pregadores interessados em libertar o povo das garras das mazelas políticas e incluí-los em garras novas: a escravização espiritual.

É comum encontrarmos pregadores falando de direitos humanos, de consciência social, de caridade e solidariedade, desde que para fiéis dizimistas, abstidos de opinião própria e cerebralmente induzidos a atender a toda e qualquer solicitação da Igreja. Aqueles que discutem, contrapropõe , desafiam ou não atendem – não as premissas cristãs naturais e ditadas pelos evangelhos, mas as orientadas e ditadas pelos pregadores inescrupulosos que práxis divergem da orientação cristã - geralmente são condenados a uma segunda exclusão, esta talvez mais impiedosa, porque destrói a mais transcendente das aspirações humanas: o princípio da re-ligação, com seus próximos e, consequentemente, com o Criador. Não há então nenhuma libertação.

Para se fazer Teologia da Libertação hoje, seria necessário que nossos sacerdotes fossem uniformemente orientados, pelas suas consciências em primeiro lugar, posteriormente pelo próprio práxis cristão original: conduzir o povo de Deus rumo a esta liberdade, aliando aos preceitos bíblicos e evangélicos à prática das reais caridade, fraternidade e solidariedade humanas, aquela cuja melhor tradução encontramos na oração ecumênica de São Francisco; nela Francisco de Assis traduz pedagogicamente o que é ser cristão, imprime à resignação uma importância próxima da santidade e nos convoca subliminarmente a fazermos a nossa parte, principalmente quando nos diz para antes dar do que receber, amar do que ser amado, etc., pois é dando que se recebe..., e é verdade, apliquemos o conceito franciscano na esfera social e teremos sociedades mais solidárias, caridosas, equalizadas no coletivo graças ao esforço do indivíduo, teremos o decréscimo da exclusão e por conseguinte pessoas mais felizes, agraciadas pelo conceito pregado por Cristo, tudo isso sem a menor intervenção do Estado ou da iniciativa privada. Chamemos esta efetiva obra de “iniciativa humana”.

Mas parece notório que a iniciativa humana ainda oferece risco àqueles que não a congregam. Entidades sociais fortes e iluminadas intelectualmente, fortalecem-se contra domínios de todo tipo, inclusive à escravidão espiritual tão comum nas nossas periferias, oriundas da “apologia da última chance”¹ . Seria preciso uma readequação das lideranças eclesiásticas ou um número muito significante de populares imbuídos da mesma proposta para a consolidação da Teologia da Libertação de forma gratuita e gratificante. Somente quando o retorno divino (e só divino) pregado por São Francisco for aceito incondicionalmente pelos inclusive pregadores de sua proposta, somente quando os benefícios materiais e as contrapartidas ligadas ao proveito forem sendo gradativamente substituídas pelo atingimento das metas coletivas verdadeiramente democráticas e cristãs, poderá ser glorificada a Teologia da Libertação.

Finalizando, é também desagradável para nós, crentes nesta proposta, verificá-la como ferramenta fundamentalista nas mãos de minorias que a usam para exercer outro tipo de massificação. Podemos captá-la como ferramenta fundamentalista quando percebemos fatias da Igreja utilizando-se dela para acirrar os espíritos de sociedades já politicamente organizadas e fortes, que desviam sua práxis original para o embate político muitas vezes violento e irredutível, quase sempre inegociável e freqüentemente tão tirano quanto foram sempre todos aqueles que condenamos historicamente – falo de fatias do Movimento dos Sem Terra, dos Sem Teto e de organizações sindicais diversas, que não tem no diálogo e nem tampouco exercitam a capacidade sapiens humana em suas lutas, deixando a contrapartida demens tomar frente consequentemente cavando derrotas, sofrimento coletivo, mais exclusão e morte - não é João Batista a quem seguimos, mas a Jesus de Nazaré. Esperamos então que, em tempos de globalização, numa época em que ou o homem vive e aplica sua solidariedade natural ou tende a deixar de ser o centro do mundo, padres, pastores, líderes comunitários, simpatizantes de idéias como esta e diversos outros bem intencionados, comecem a tomar iniciativas realmente solidárias (que não sejam para defender apenas como que numa cruzada medieval, grupos pré organizados e infelizmente com tendências fundamentalistas) em prol de toda massa excluída, partindo do uno para o todo, reformando assim suas comunidades e definitivamente preparando-as para a verdadeira aspiração que ainda nos faz falta, seja como homem-homem ou como homem-criatura: a liberdade.

Rodrigo Augusto Prado

16 de dezembro de 2004

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N. do A. ¹ - Apologia da última chance é como o autor define a maneira conformista com que muitos pregadores – evangélicos ou católicos – revelam o mistério da fé, apaziguando corações carentes com promessas de vida e conforto eternos quando da absolvição no juízo final, não trazendo nem propondo princípios de inclusão sociointelectual para seu público ouvinte e fiel. A apologia da última chance foi um dos temas abordados no artigo “Religião e Ópio: uma discussão ainda viva” in www.leialivro.sp.gov.br.

Rodrigo Augusto Fiedler
Enviado por Rodrigo Augusto Fiedler em 27/06/2008
Código do texto: T1053371