ARTISTAS DE RUA - NO CENTRO DAS ATENÇÕES

Donos de habilidades especiais, os artistas de rua

atraem dezenas de espectadores na maior metrópole do país

Quem percorre diariamente as ruas da região central da capital paulista, já deve ter notado aglomerados de pessoas observando determinada apresentação. No centro desses círculos, sempre tem alguém exibindo suas habilidades especiais. Retratistas, cantores, repentistas, tatuadores e até mesmo artesãos – conhecidos genericamente como artistas de rua – atraem a atenção de centenas de transeuntes.

Para o sociólogo Silvio Pinto Ferreira Junior – mestre pela PUC-SP e Universidade Dante Alighieri, na Itália –, esse tipo de apresentação é uma maneira de expressar a arte com liberdade. “A maior satisfação do artista é estar no meio da multidão e ter contato com diversos tipos de pessoas”, afirma.

A qualidade do produto pode estar, inclusive, condicionada ao próprio tempo de confecção, como ocorre com retratistas e pintores. Alguns preferem, se possível, levar a imagem a ser produzida para casa, trabalhar com calma e devolver após alguns dias. Dessa maneira, podem aperfeiçoar o trabalho.

Na opinião de Silvio Ferreira, “há preconceito e desvalorização da arte de rua, que poucas vezes é lembrada”. Mesmo sendo uma atividade considerada marginal, muito desses artistas afirmam que não pretendem mudar de atividade enquanto tiverem condições para esse trabalho.

Antonio Nascimento é o caso emblemático de talento e falta de reconhecimento no país. Ele já tocou ao lado de grandes nomes da música brasileira como Flávio Venturini e João Nogueira. Também foi reverenciado pelo exímio guitarrista norte-americano Stanley Jordan e elogiado pela crítica estrangeira. “Há muita gente de talento espalhada pelas ruas e o artista acredita muito no dom especial que tem. Essa é a principal motivação para que ele não desista”, atesta Silvio Ferreira.

Arte na tela e no corpo

Aos domingos, a Praça da República se transforma. A feira, que reúne os chamados artistas de rua e traz um pouco de alegria e descontração ao Centro de São Paulo, pode ser considerada um grande museu a céu aberto. A diferença é que as obras não são para serem apenas contempladas, mas adquiridas. E os artistas não fazem parte dos livros de história. Eles estão ali em carne e osso, falando dos trabalhos e interagindo com os clientes. Há obras para todos os gostos, e público para todas as obras. Além disso, a feira se tornou referência de encontros num ambiente que, em dias normais, serve apenas de passagem para os apressados pedestres da paulicéia.

Chen Jianquan, 39 anos, nasceu na China e, apesar de morar no Brasil há nove anos, mal fala o português. Nem precisa, pois consegue se comunicar claramente por meio das pinturas e retratos que expõe na feira. Ricardo Chen, como é conhecido, conta que tomou gosto pela pintura na infância, por influência de um professor de artes. Foi o único da família a se interessar pela pintura e, ao que parece, também será o último. Ele confessa que os filhos não têm técnica nem interesse pelo trabalho do pai.

Chen possui uma clientela fiel, e se engana quem pensa que o artista trabalha somente aos domingos. Diariamente, ele pode ser encontrado na esquina da Rua Xavier de Toledo com a Sete de Abril, próximo ao metrô Anhangabaú.

Mesmo com a intenção de agradar a todos os clientes, o chinês deixa clara as preferências. “Gosto mais de pintar pessoas. Faço retratos com modelos vivos, mas por fotografia fica melhor”, explica.

Os trabalhos levam, em média, uma semana para ficarem prontos e o preço varia de R$ 100 a R$ 350, dependendo do grau de dificuldade e do número de pessoas a serem retratadas.

Mas, para quem prefere pintar a pele, as opções no Centro são inúmeras. Se os estudiosos afirmam que o corpo fala, a comunicação se torna ainda mais evidente quando braços, pernas e costas são ornamentados por desenhos. Há quem diga que tatuagem é sinônimo de delinqüência, tanto que há pouco tempo para um tatuado conseguir emprego era um sacrifício. Atualmente, muitos defendem como manifestações artísticas, com um diferencial dos mais inusitados, os desenhos podem se locomover.

O paulista Fernando Coletti, 23 anos, fez curso de artes plásticas no Senac e trabalha como tatuador há três anos na “galeria do rock”, local de grande concentração de jovens da capital paulista.

As tatuagens decoram o corpo das mais variadas tribos e classes sociais, desde skatistas até adolescentes quarentões, passando por punks e roqueiros. Segundo Coletti, os motivos indígenas estão meio fora de moda. “A tendência do momento é o new school”, comenta. Diferente das tribais, que consistem em desenhos de cor única – geralmente o preto – esse novo estilo abusa do psicodelismo que marcou a geração dos anos 70, as cores são bem acentuadas e ganham grande destaque.

Não há tanto tabu como antes, mas a tatuagem continua sendo um privilégio dos maiores de 18 anos. Para decorar o corpo, os interessados desembolsam um bom dinheiro. “Em geral, o preço mínimo é de R$ 50, e se o cliente quiser cobrir grande parte do corpo, pode gastar até R$ 5 mil”.

Apesar do trabalho lhe render mais do que qualquer emprego convencional, principalmente porque também mantém em sociedade um ateliê na cidade de Mar Del Plata, na Argentina, Fernando Coletti garante que trabalha pela satisfação pessoal. “Só penso em parar quando as mãos não estiverem ajudando mais”.

Mãos à obra

A forma de arte mais comum entre os artistas de rua é aquela que brota das próprias mãos, moldando e criando peças únicas que vão servir para decorar e embelezar. Esse é o caso do paulista Edilson José Stramasso, 31 anos, que esbanja talento trabalhando com fios de arame. Capaz de reproduzir pequenas réplicas de motocicletas e instrumentos musicais, Edilson começou a produzir desde a adolescência. “Eu sempre gostei de rock and roll, cultuo a ideologia hippie e comecei fazendo pulseiras e colares de miçangas. Depois passei a confeccionar cinzeiros e porta-canetas com durepox. Finalmente, descobri o arame e nunca mais larguei", conta.

Edilson não fez nenhum curso e o que sabe aprendeu olhando outros artistas. “No início observei os artesãos, principalmente os que trabalhavam com cobre, mas a coisa funciona como um dom natural. Assim que vejo o objeto imagino um modelo em arame e começo fazer as dobras. Só foi complicado no início, quando eu não tinha bem a noção de como fazer peças tridimensionais." O artista prefere usar o arame, pois é mais flexível e barato. Seu sonho é ter uma loja de artesanato e o nome já está decidido: Aramarte.

“O cara dos arames”, como é conhecido na região da Avenida Paulista, onde expõe as obras, tira seu sustento da venda das peças, que custam em média R$ 15. A clientela é das mais variadas e até os gringos que visitam a principal avenida da cidade acabam comprando. “Especializei-me em instrumentos musicais, faço guitarras, violões, baterias e saxofone, por isso tenho muitos clientes da área musical, mas a maioria compra as peças para dar de presente. O coração, com um ou dois nomes no centro, é um dos mais procurados e feito por encomenda. Se a pessoa tiver pressa, faço e entrego em menos de uma hora." Entorta aqui, dobra ali, amassa acolá, entre os trabalhos mais interessantes Edílson tem um saxofone prateado de 40 centímetros de altura e uma bateria miniatura completa com 11 peças.

Sem um ponto fixo, o artista procura ficar próximo das saídas do metrô ou nas imediações do MASP, locais onde o movimento é maior.

Alegria e boa música de graça

Foi nos bailes da vida, ou num bar em troca de pão, que muita gente boa pôs o pé na profissão... Assim o paulistano Antônio Durval do Nascimento ou simplesmente Toninho Nascimento, 41 anos, abre os shows e encanta a todos que passam pela praça D. José Gaspar, no Centro de São Paulo. Dono de uma belíssima voz, falsetes afinados e com a graça tranqüila de um estilo próprio, o artista canta para diminuir o estresse de quem passa por ali.

O “cantor da praça” tem vinte e dois anos de carreira e já cantou com grandes nomes da música popular brasileira como Mario Lago, Cláudio Nucci, Flávio Venturini, João Nogueira e Cauby Peixoto. Ao completar a maioridade decidiu sobreviver da música, apresentando-se em conceituadas casas noturnas de São Paulo, praças públicas e estações de metrô.

Toninho, que também já se apresentou no exterior, tem no currículo sete trabalhos independentes, e recentemente participou do programa Usina de Talentos, do apresentador Raul Gil.

Seu trabalho também chamou a atenção de artistas internacionais. O guitarrista americano Stanley Jordan, que esteve no Brasil para o Free Jazz Festival, apreciou e aplaudiu em pé a música de Nascimento. Já o crítico canadense Kurt Weil, não poupou elogios ao cantor e compositor. “Ele compõe com uma explícita interpretação melódica, principalmente na base de ritmos singulares e contagiantes, a marca registrada de sua música."

O artista encontrou no violão a porta de entrada para o mundo musical. Autodidata, diz que começou a cantar por necessidade. “Desde criança meu sonho era ser violonista clássico, mas não tinha condições de pagar os estudos. Fui tocando sozinho e só depois de muito tempo estudei canto, música e violão".

Apesar de toda a bagagem, Toninho ainda não conseguiu espaço junto as grandes gravadoras do Brasil e enquanto isso vai levando sua boa música onde o povo estiver.

Confira os principais trechos da entrevista:

Marcio J. Diniz – Você é conhecido como o “cantor da praça”. De onde surgiu esse apelido?

Toninho Nascimento – Surgiu porque me apresentava na praça D. José Gaspar, atrás da biblioteca Mário de Andrade, às quintas-feiras no horário do almoço. Fiquei lá por cinco anos.

MJD – Você disse que se apresentou. Os shows da praça não vão mais acontecer?

TN – Os shows aconteceram na praça D. José Gaspar até novembro do ano passado. Estamos aguardando a autorização da Secretaria de Cultura para uma nova temporada, e a previsão é que voltem a acontecer em maio.

MJD – E o público? Como reage nos shows?

TN – A interação é maravilhosa. As pessoas cantam junto com a gente ,e é por isso que temos força para continuar nessa luta. Sem a proximidade com o público acho que não haveria razão para continuar com o trabalho. É gratificante ver que contribuímos para alegrar um pouco o dia das pessoas e, além disso, acho que o artista tem de estar sempre onde seu público estiver.

MJD – Para quem quiser conhecer ou acompanhar seu trabalho, onde serão as próximas apresentações?

TN – Estamos levando nosso show aos shoppings de São Paulo. Todas as terças no Ibirapuera a partir das 12h30, e no Plaza Sul a partir das 19h30. E, em breve, estaremos de volta na Praça D. José Gaspar, às quintas-feiras no horário do almoço.

Colaboradores:

Ademar Kespers Junior

Ronny Marinoto

Márcio José Diniz

COPYRIGHT © TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

Para a aquisição desse texto para fins de qualquer natureza – inclusive para reprodução, trabalhos profissionais ou acadêmicos –, favor entrar em contato pelo e-mail jdmorbidelli@estadao.com.br.

Agradeço se puder deixar um comentário.

JDM

José Donizetti Morbidelli
Enviado por José Donizetti Morbidelli em 30/01/2006
Reeditado em 30/10/2009
Código do texto: T106011
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2006. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.