Intolerância

Intolerância

Armstrong

Ao longo de nossas vidas, quando estamos vestindo qualquer tipo de farda, podemos nos envolver em situações cujas decisões acabam resultando em algum tipo de violência contra seres vivos. A farda nesses casos simboliza o poder que é conferido aos que ocupam os cargos nos vários cenários da vida. Uma pessoa que assim se veste tanto pode ser um padre, policial, professor, prefeito ou um simples segurança de supermercado. As pessoas fardadas que costumam desafiar as leis do bom senso quase sempre são chamadas de intolerantes. Para que não se cometa esse tipo de crime é preciso que, desde cedo, se cultivem valores como solidariedade, sinceridade, amizade, fidelidade, amor ao próximo e, acima de tudo, humildade diante da insignificância e fragilidade da vida humana frente a grandeza do espaço-tempo em que vivemos.

No filme brasileiro “O Pagador de Promessas”, de Anselmo Duarte, um homem humilde, depois de ter percorrido mais de 700 Km carregando uma pesada cruz, tenta entrar com ela em uma igreja católica para que, assim, pagasse uma promessa feita a Iansã em um terreiro de Candomblé, a quem julgava ser a mesma Santa Bárbara, para que seu burro ficasse curado após ter sido atingido por um raio. O Padre dessa igreja interpretou que sua promessa deveria ser paga num terreiro e não em uma igreja, e não o deixou entrar. Após muitas frustadas tentativas o pobre homem, já alcunhado de Zé do Burro, acaba sendo morto pela polícia. Esse caso é um triste exemplo de intolerância e embora seja fictício, pode-se imaginar que em nada mudaria os rumos da igreja católica se o padre fosse mais compreensível com essa situação.

Quase no final do século XX, dezenove pessoas de um movimento de luta pela terra para a agricultura, morreram durante a desobstrução de uma estrada pouco movimentada na Amazônia, em confronto com a polícia estadual, cujas lideranças cumpriam ordens superiores para que a estrada fosse desobstruída. O conflito poderia ter sido evitado se as lideranças, tanto as da polícia quanto as do movimento, fossem mais tolerantes e compreensivas com a situação. Depois desse conflito, centenas de estradas foram bloqueadas pelo mesmo movimento, por muito mais tempo, tendo sido desbloqueadas pela própria polícia estadual, com mais cautela e tolerância.

Um deficiente físico morreu esmagado sob as rodas do ônibus urbano em que tentara embarcar pela porta da frente, minutos antes de sua morte, sem exibir para o motorista um desnecessário documento que provasse sua deficiência, já que usava muletas. O motorista alegou, logo após ser preso em flagrante, que cumpria ordens da empresa de não deixar ninguém entrar pela porta da frente sem a exibição do documento que lhe garantisse a gratuidade da passagem.

Histórias como essas confirmam que o intolerante age sempre em nome da farda que veste. Alega que acima de si estão as leis ou seus superiores; age em nome da ética e, às vezes, até em nome de Deus. No entanto, quando o respeito ao próximo está acima dessas razões, a tolerância é uma atitude quase divina, capaz de mostrar que a verdade pode ser vista de diferentes modos; que o errado de hoje pode ser o certo de amanhã; que como fomos feitos à imagem e semelhança de Deus, nada nos custará agir como ele tem agido ao longo de nossa história, mostrando-se tolerante demais frente aos homens, apesar de toda violência cometida contra tudo o que Ele criou, inclusive ao seu mais ilustre Filho.