Futebol Feminino - Por que nossas meninas não conseguem vencer?

Aconteceu de novo.

O melhor time do mundo, da melhor jogadora do mundo, do melhor futebol do mundo, morrendo na praia para onze "branquelas" (ou quase isso). Aliás, perdoem-me o termo. Longe de mim qualquer alegação racista contra nossas oponentes, que, de algum modo, mereceram seu ouro ou título cada vez que o conquistaram.

Por que, perguntamos, nossas moças não conseguem vencer? Por que uma geração tão prodigiosa, tão constante na presença em finais e superior às adversárias em iniciativa erra trocentas chances e é surpreendida numa jogada corriqueira, um contra-ataque ou uma bola que sobrou? Haverá explicação plausível ou seria só um capricho do destino?

Na TV, ouvimos o locutor lamentando uma repetida injustiça contra nossas "guerreiras", nosso talento superior e merecimento. "A bola insiste em não entrar", ele grita. "Essa prata vale ouro", ele diz. Acho justo que se reconheça o mérito do esforço, da garra, da perseverança e superação: alicerces do princípio esportivo, recompensáveis no triunfo e na derrota desde tempos imemoriais, quando a primeira competição foi inventada. Igualmente justo reconhecermos o talento mais elevado, a melhor jogada, jogador, atuação, e nisso o Brasil sobrou neste futebol olímpico feminino, como também em Atenas há quatro anos e no último mundial. Jogou, brigou, galgou bem cada passo na trajetória rumo ao título até perecer na grande final, desmerecidamente, ao menos em duas ocasiões.

Então é isso? Trapaça do destino? Mérito irreconhecido pelos Deuses dos esportes?

Não creio.

Nosso merecimento é louvável, mas num jogo como o futebol, questões como superioridade técnica e garra podem ser essenciais, mas insuficientes na construção de um campeão. A categoria masculina amargou 24 anos de jejum proclamando-se campeã moral a cada copa perdida, a cada semi ou quarta de final onde nosso "melhor futebol" desvanecia ante um oponente teoricamente mais fraco que sabia aproveitar uma chance e segurar-se na defesa. Levamos 24 anos para entender ou reaprender que um campeão também é forjado em detalhes; que erros ou acertos de segundos podem ser mais relevantes numa decisão do que uma partida inteira bem realizada. A "geração Dunga" tinha talento em Romário e Bebeto, mas não era melhor que a de 82, por exemplo, que perdeu duas copas seguidas. Os tetra-campeões venceriam pela garra, pelo talento, sorte, mas também porque foram bem preparados para detalhes que diferenciam grandes equipes de campeões do mundo, nem sempre tão excepcionais. Defenderam-se bem, erraram pouco, não deram contra-ataques, prezaram em não perder gols, ainda que os desperdiçassem em alguns jogos; treinaram situações adversas e souberam aliar talento individual à interação coletiva, com e sem a bola nos pés, coisa que, a meu ver, sempre faltou a essa seleção feminina, ainda que conseguisse compensar isso na qualidade excepcional de algumas atletas e por isso chegar longe.

Nosso brasil de saias ainda é um time individualista, e no futebol, o jogo não se faz apenas onde a bola está, mas onde ela não está. Quantas vezes vimos Marta ou Cristiane ou Daniela tentando resolver um lance sozinha enquanto as companheiras, carentes de noções básicas de colocação sem bola, mal se movimentavam, ou o faziam para o lado errado? Alguém se lembra de Ronaldo e Rivaldo na final de 2002? De Romário e Bebeto? Do "toca daqui que eu deixo de lá"? De 2, 3, 4 ou 5 jogadores, um entendendo o outro, um facilitando o trabalho do outro, um deslocando a marcação para o outro em séries de dribles, fintas e triangulações de caráter coletivo, como se juntos formassem um organismo fluido chamado "ataque"? Alguém recorda o gol do Carlos Alberto na final de 70, uma das maiores obras do gênio coletivo na história das copas? Nosso futebol não foi o melhor do mundo tantas vezes só pelo talento de indivíduos, mas também na capacidade desses gênios em unir seus dons, tornando-os complementares, coisa que não fizemos em 2006 e que sempre faltou à essa seleção feminina, ainda que ela seja, a meu ver, a melhor do planeta há anos. Não conseguiu transpor a fase ingênua do futebol, pura, "peladeira" e passível de erros bobos. É mais ou menos como uma Nigéria ou Camarões nos anos noventa, mas com adversárias talvez menos infalíveis e por isso chegaram tão longe e até poderiam vencer, apesar dos defeitos.

Lembremos também que as americanas tiveram oportunidades claras de gol e uma bola na trave. Feitos pouco mencionados por Galvão Bueno em sua avaliação do jogo. Souberam usar a inteligência, a tradição e a experiência para dificultar a troca de passes do Brasil em sua defesa, tornado nossas jogadoras dependentes de sobras em "bate-rebate" e de lances individuais, cansando-as, já que "se moviam mais que a bola" para atacar. Nossa escassez de bons passes longos e curtos ou cruzamentos também colaborou para a derrota.

Não digo que isso explique sumariamente porque um time ganha e outro perde, já que o futebol também é feito de imprevistos, injustiças e lances inusitados de caráter decisivo. É importante, todavia, que se procure entender e raciocinar sobre os possíveis fatores que repetidamente impedem uma geração talentosa de fazer valer sua superioridade na obtenção de títulos. Lamentar a falta de sorte ou exaltar o espírito olímpico e a habilidade de nossas atletas pouco agraciadas pela balança da fortuna é menos importante do que desconstruir vícios entranhados em nossa mentalidade e modo de jogar. Devemos lapidar estes talentos sob o ponto de vista coletivo, aprimorar fundamentos e jogadas básicas, às vezes não tão belas, mas essenciais em se compor um leque de opções para jogos decisivos quando o "prato principal" não funcionar. Lembremos que gols de cabeça, de barriga e gols contra valem tanto quanto os de bicicleta.

(Luiz Mendes Junior é escritor, cronista e roteirista. Seus textos também podem ser encontrados no blog http://www.noticiasdofront3.blogspot.com e http://www.dominiocultural.com)

Luiz Mendes Junior
Enviado por Luiz Mendes Junior em 21/08/2008
Reeditado em 20/12/2008
Código do texto: T1139976
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