A Graça da indulgência

A Graça da indulgência

Pe. Jean-Miguel Garrigues

Congregação São João

A indulgência é uma face da misericórdia. Não a obtemos como se adquiríssemos alguma coisa, como se fosse um “ter” – não, nós devemos entrar no dom da indulgência. E este dom da indulgência não nos pode ser conferido enquanto persistirmos numa atitude egoísta, mesmo se for aquela que consiste em “fazer nossa salvação”.

Se nós raciocinamos da seguinte maneira: “Pois é, vou fazer tudo muito bem, vou estudar o manual das indulgências para fazer tudo como se deve, depois vou me confessar “super bem”, vou até fazer uma lista exaustiva de todos os meus pecados, fazendo tudo para não esquecer um sequer, e depois vou comungar e irei visitar uma igreja jubilar. Então, obterei a indulgência plenária! Assim, estarei tranqüilo, se morrer neste ano jubilar o contador já terá voltado a zero; e se não morrer por agora, já terei obtido a reparação de muitas das minhas faltas”.

Será que não temos aqui uma espécie de pecado venial, este pecado do qual a Igreja nos diz que ele nos impede de entrarmos na graça da indulgência? Não estamos inteiramente na caridade. A motivação da indulgência não pode vir deste desejo de estarmos quites com Deus.

A reta motivação

A motivação da indulgência é a de se receber a misericórdia de Deus. Dar-se conta de que somos devedores em tudo em relação a Deus e, mesmo quando reparamos nossas faltas, de uma certa maneira, podemos nos tornar ainda devedores. Ser liberado por misericórdia do dever de reparação, a fim de poder melhor cooperar com o Cristo reparando pelos outros. É por isso que nunca poderá haver automatismo na “aquisição” da indulgência. Também, é necessária a atitude de profundo desejo de santidade e de amor a fim de recebê-la verdadeiramente como um dom.

Não é magia, e sim a comunhão universal dentro do mistério da caridade. A Igreja regulamenta a indulgência quanto ao seu exercício: não determina senão suas condições, que são de ordem material. Mas, se a reconciliação com Deus não tiver sido verdadeira, a indulgência não poderá ser dada. A Igreja intervém na aplicação da indulgência, como uma mãe por seus filhos, no entanto, não pode fazê-lo senão sobre a base de uma justificação, que constitui um segredo entre a alma e Deus.

A razão

A finalidade da indulgência não consiste em enviar as pessoas ao céu “seja lá como for”, mas em fazer delas santos, em colocar nelas o desejo, tocados pelo reconhecimento em relação ao Salvador que repara esta dívida, de dar-se por amor ao Cristo e por amor aos irmãos, e não por temor servil, dizendo a si mesmo: “Tenho que reparar o que fiz”.

Através da indulgência, o Senhor quer que nos livremos de uma preocupação demasiadamente grande por nossa reparação: “Ah, se ao invés de te preocupares com o que deves reparar, maravilhado pelo fato de que eu tomei sobre mim a reparação da tua falta, na Cruz, tu quisesses te associar a mim a fim de ser, como diz Elisabeth da Trindade, uma “humanidade de acréscimo” na qual eu prolongo minha reparação até o fim dos tempos, no meu Corpo Místico!”.

Só então entramos profundamente na moção de oferenda sacerdotal do Cristo: “Nisto conhecemos o amor: Ele [Jesus] deu a sua vida por nós. E nós devemos dar a nossa vida pelos irmãos” (1Jo 3,16). É verdadeiramente dentro desta moção do sacerdócio de Cristo que entramos: se eu aceito, na fé, que Ele deu a sua vida por mim, devo dar a minha vida pelos meus irmãos. A indulgência manifesta isso. Ela é uma sorte de alívio para o fardo de pensar que devo reparar minhas faltas, a fim de que eu possa cooperar muito mais com o Cristo, como uma Marthe Robin (mística francesa estigmatizada), na reparação pelos outros.

Existe um realismo na necessidade de reparação exigida pela pena. Tal realismo é, ao mesmo tempo objetivo e subjetivo. Objetivo, pois o mal que eu fiz tem sempre uma repercussão sobre os outros, mesmo o mal o mais secreto. Subjetivo, pois somos as primeiras vítimas dos nossos pecados. É a nós mesmos que eles estragam, em primeiro lugar. Quanto mais cometemos pecado, mais adquirimos hábitos maus, aos quais se deverá corrigir.

Felizmente, podemos partilhar muito mais o bem – sobretudo o bem sobrenatural – que o mal. Na comunhão dos santos, a santidade de um só atinge aos outros muitíssimo mais do que o dano vindo do pecado de um só. A doutrina das indulgências implica a afirmação de que a “Comunhão dos santos” é vitoriosa sobre a engrenagem destrutiva do mal. Ela nos lembra também que o mistério do bem é infinitamente mais poderoso que o mistério do mal. Ela constitui assim um ato de esperança na potência recriadora do amor divino.

Fonte: Revista Shalom Maná

santidadesh
Enviado por santidadesh em 21/02/2006
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