Legislação Eleitoral brasileira: votos brancos e nulos

Quebrando mitos e exercendo a democracia

Por André Raboni

Vou votar nulo nestas eleições, tanto para vereador, quanto para prefeito. Minha opção se deve ao fato de simplesmente não enxergar projetos de sociedade nas propostas de nenhum candidato.

O que vejo são apenas projetos de poder, e não me sinto obrigado a corroborar com nenhum deles. Muito menos advogo a tese do “votarei no menos ruim”, ou ainda (o que é pior), “votarei no que estiver liderando as pesquisas, para não jogar meu voto fora.”

Tanto uma tese quanto a outra, considero indignas para um cidadão que tem todo direito de decidir quem irá representá-lo, e, mais ainda, o direito de não escolher nenhum - o que não constitue de forma alguma o que andam chamando por aí de “analfabetismo político”.

Não faço campanhas pelo voto nulo. Embora ache a melhor opção. Basicamente, sou movido nessa escolha por três motivos: 1 - a ausência de projetos de sociedade nas candidaturas em questão; 2 - a obrigatoriedade do voto; 3 - a proporcionalidade para os cargos legislativos (seu voto em tal candidato pode, em verdade, levar um vereador que você nunca nem ouviu falar à Câmara Municipal).

São esses os motivos que me farão realizar meu protesto silencioso e solitário no próximo domingo. Como disse, estamos nos últimos dias antes das urnas, e cabe fazer alguns esclarecimentos sobre os votos brancos e nulos.

Votos brancos e nulos não são votos válidos:

Existem alguns mitos que pairam sobre os votos brancos e nulos. É bom quebrá-los. Em primeiro lugar, conheço muita gente que pensa que os votos brancos são considerados válidos e que serão destinados, no cômputo final, ao candidato que obtiver maior quantidade de votos. Isso não é verdade.

Os votos brancos e nulos não são considerados válidos pela Legislação Eleitoral brasileira, para o cálculo do quociente eleitoral, desde a Lei Nº 9.504, de 1997, que alterou a Lei Nº 4.737, de 1965.

Poe exemplo, essa Lei Nº 9.504/97, sobre a eleição para Presidente da República, diz que:

“Art. 2º - Será considerado eleito o candidato a Presidente ou a governador que obtiver a maioria absoluta de votos, não computados os em branco e os nulos.” (grifo nosso)

Já para Prefeito, o mesmo princípio:

“Art. 3º - Será considerado eleito prefeito o candidato que obtiver a maioria dos votos, não computados os em branco e os nulos.” (grifo nosso)

Para Vereadores, a Legislação também não prevê o cômputo dos votos brancos e nulos. O Art. 57 diz o seguinte:

Art. 57 -

(…)

b) nas Assembléias Legislativas e nas Câmaras de Vereadores, toda vez que, atendida a exigência do inciso anterior, eleger representante para a respectiva Casa e obtiver um total de um por cento dos votos apurados na circunscrição, não computados os brancos e os nulos;” (grifo nosso)

O que anula uma eleição?

Outro grande equívoco de interpretação diz respeito ao Art. 224, da Legislação Eleitoral. Esse artigo diz o seguinte:

Art. 224. Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do país nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações.

Acontece que uma interpretação descontextualizada desse artigo nos leva a acreditar que, caso os votos nulos somem mais de 50% no cômputo final da votação, uma eleição deverá ser anulada pela Justiça Eleitoral. Isso não está correto. Não se pode interpretar uma lei isolando-a do seu contexto.

O que ocorre é que a anulação dos votos não se dá mediante o somatório total de mais de 50% de votos nulos em uma eleição. O Art. 220, diz o seguinte:

Art. 220. É nula a votação:

I - quando feita perante mesa não nomeada pelo juiz eleitoral, ou

constituída com ofensa à letra da lei;

II - quando efetuada em folhas de votação falsas;

III - quando realizada em dia, hora, ou local diferentes do

designado ou encerrada antes das dezessete horas;

IV - quando preterida formalidade essencial do sigilo dos

sufrágios;

116V - quando a seção eleitoral tiver sido localizada com infração

do disposto nos §§ 4o e 5o do art. 135.

Para além do Art. 220, mais outros 3 artigos versam sobre a anulação dos pleitos. Os artigos a seguir mostram que quando se tratou da questão da nulidade, o legislador estava, em verdade, referindo-se aos votos anulados em decorrência de atos ilícitos, como fraudes em documentos, abusos em relação a Lei eleitoral, como coerção e demais fraudes. Não trata do voto nulo dado pelo próprio eleitor. Leiam os artigos:

Art. 221. É anulável a votação:

I - quando houver extravio de documento reputado essencial;

II - quando for negado ou sofrer restrição o direito de fiscalizar,

e o fato constar da ata ou de protesto interposto, por escrito, no

momento;

III - quando votar, sem as cautelas do art. 147, § 2o :

a) eleitor excluído por sentença não cumprida por ocasião da

remessa das folhas individuais de votação à mesa, desde que haja

oportuna reclamação de partido;

b) eleitor de outra seção, salvo a hipótese do art. 145;

c) alguém com falsa identidade em lugar do eleitor chamado.

Art. 222. É também anulável a votação, quando viciada de falsidade, fraude, coação, uso de meios de que trata o art. 237, ou emprego de processo de propaganda ou captação de sufrágios vedado por lei.

Art. 223. A nulidade de qualquer ato, não decretada de ofício pela junta, só poderá ser argüida quando de sua prática, não mais podendo ser alegada, salvo se a argüição se basear em motivo superveniente ou de ordem constitucional.

§ 1º Se a nulidade ocorrer em fase na qual não possa ser alegada no ato, poderá ser argüida na primeira oportunidade que para tanto se apresente.

§ 2º Se se basear em motivo superveniente deverá ser alegada imediatamente, assim que se tornar conhecida, podendo as razões do recurso ser aditadas no prazo de dois dias.

§ 3º A nulidade de qualquer ato, baseada em motivo de ordem constitucional, não poderá ser conhecida em recurso interposto fora de prazo. Perdido o prazo numa fase própria, só em outra que se apresentar poderá ser argüida.

Em nenhum momento está escrito que o cômputo de mais de 50% de votos nulos poderão anular uma eleição. E, isso, pelo fato de que votos brancos e nulos não são considerados válidos. A única possibilidade de se anular uma eleição se dará quando for comprovado algum tipo de fraude eleitoral. Dessa forma, não passa de um mito esse enunciado de que os votos nulos podem cancelar uma eleição.

Seria bastante proveitoso que todos lessem a própria Legislação Eleitoral.

Por que o voto nulo?

Todo ano eleitoral emerge no Brasil uma gama de campanhas pelo voto nulo. Não sou adepto dessas campanhas, mesmo votando nulo também. Acredito que cada cidadão deva ter seu poder de escolha do voto como bem entender. Sou adepto da divulgação de informações, e não de “campanhas de convencimento”. Isso porque acredito que o “convencimento” muitas vezes pode vir expresso de forma distorcida. É sempre um risco. Não é à toa que pairam tantos mitos sobre o voto nulo.

Esses mitos são sempre criados por motivações que não estão ditas nos discursos. Para cidadãos que não têm conhecimento sobre as legislações, esses ‘convencimentos’ são sempre mais factíveis, quando embebidos em ideais de transformação do mundo via colapsos sociais. A anulação de uma eleição seria um desses “colapsos”, ou, “crise”. Sem dúvida a anulação de um processo eleitoral seria um acontecimento sem igual na vida política do país.

Acontece que muita gente “torce contra”, ou, em outras palavras, torce “para o barco afundar”. Não é o meu caso. Minha opção pelo voto nulo tem outras finalidades - até porque é um devaneio desvairado acreditar que os votos nulos somariam mais de 50% em uma eleição. É apenas uma possibilidade. Remota. Muito remota, por sinal.

Minha opção pelo voto nulo, como já disse no início do texto, deve-se ao fato de que não advogo a tese do “voto no menos ruim”, ou ainda, “voto no que estiver liderando as pesquisas, para não jogar meu voto fora.” Ademais, não vejo sérios projetos de sociedade (apenas de poder) nos candidatos que estão disponíveis à elegibilidade dos próximos pleitos, nem dos candidatos pretensamente de esquerda, nem de direita, nem do centro.

Minha escolha também se deve ao fato de que sou frontalmente contrário à obrigatoriedade do voto, e, por fim, não confio em nosso sistema de proporcionalidade, no qual não está garantida a majoritariedade para a vereança, ou seja, corre-se sempre o risco de eleger um candidato que nem mesmo se sabe quem é.

Esse é o resultado do princípio das “sobras”. Após atingido o quociente eleitoral, o candidato redistribuirá suas “sobras” entre os demais de seu partido/coligação. Isso mesmo, seu voto pode virar sobra…

Alguns enunciados apregoam que o voto nulo demonstra pleno “analfabetismo político”. Ou, ainda, que a democracia se faz com o voto, e que votar nulo é um gesto anti-democrático. Este enunciado é uma falácia, um ledo engano, mas, não um engano sem propósito. Tem sim o objetivo bastante claro de ludibriar os mais desavisados.

Não acredito que democracia se resuma a apertar alguns botões de tempos em tempos. Acredito que uma democracia é uma construção política que se faz no dia a dia da vida de uma sociedade e de seus cidadãos. Democrático é respeitar as opiniões alheias, por mais que batam de frente com as nossas. Por mais que refutem todos os nossos argumentos.

Não vou citar Voltaire para não cair em clichês óbvios e tagaleras. Prefiro dizer que democrático seria ter nas urnas eletrônica uma tecla para Voto Nulo. Pois, como todos sabem, para votar nulo é preciso “votar errado”. Democrático seria o voto opcional e não o voto obrigatório - que apenas macula nossa democracia, dando margem a toda sorte de manipulação dos anseios e dos desejos de uma sociedade. A luta pela democracia é também uma luta contra a tecnocracia do desejo. É uma luta contra os pequenos fascismos a que estamos submetidos em nosso cotidiano, em nossa vida prática.

Assim, uma democracia se constrói com não com consensos inescrupulosos e imposições de pontos de vistas. Mas, com acordos sociais, provenientes de uma relação de respeito às diversidades étnicas, políticas, religiosas e filosóficas, entre outras.

Destarte, acredito que o voto nulo é uma decisão individual. Trata-se de um protesto solitário, com fins políticos bastante definidos. Visa demonstrar uma insatisfação com nossas instituições e com a fauna política que povoa nossa sociedade. Essa é a minha opção, e acredito bastante válida. Votar nulo não é se omitir, não é um voto “apolítico”, como dizem por aí. Pelo contrário, é uma forma de sugerir a necessidade de maiores aprofundamentos nas discussões políticas e sociais de um País.

André Raboni
Enviado por André Raboni em 27/08/2008
Reeditado em 08/10/2008
Código do texto: T1149222
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