A Lei de Anistia e os arquivos da ditadura

Uns querem silêncio, outros punição. Outros querem a abertura dos arquivos sigilosos

Vocês devem ter acompanhado os noticiários das últimas semanas. As discussões sobre uma possível revisão da Lei de Anistia tem ocupado diariamente as páginas dos jornais brasileiros. Tarso Genro nega que tenha proposto a revisão da Lei durante a audiência sobre crime de tortura, realizada pelos ministérios da Justiça e dos Direitos Humanos, há duas semanas atrás.

Na audiência, Genro e Paulo Vannuchi (Direitos Humanos) defenderam a punição para os agentes públicos que participaram de tortura no período da ditadura militar. O militares, por sua vez, alegam que se trataria de um puro ‘revanchismo de esquerda’, encampado pelo ministro da Justiça.

O clima de tensão que está sendo gerado com a celeuma não está nada bom. Tanto não está, que outros ministros estão intervindo com declarações, inclusive cobrando que Lula mande Tarso Genro ficar quieto. Pelo jeito, Genro andou cutucando a onça com vara curta, defendendo a punição dos responsáveis pelos crimes de tortura no período militar.

Ontem, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, em palestra sobre liberdades individuais e interesse público para um grupo de estudantes de Direito, disse que “é um tema que realmente talvez precise ser encerrado”. Disse ainda: “É fundamental a independência judicial. Mas ela só não basta, é preciso coragem.” Pois é, ministro, é preciso coragem…

Já o ministro da Defesa, Nelson Jobim, acatando ao pedido dos comandantes das Forças Armadas, pediu ao presidente da República para colocar um fim na polêmica. O Presidente irá participar de uma solenidade hoje, onde apresentará os oficiais-generais promovidos, e deverá se pronunciar sobre a polêmica instaurada. Jobim disse, também, que tais fatos devem ser submetidos ao crivo do Judiciário e não do Executivo.

Em argumento extremamente superficial, o general Gilberto Figueiredo, presidente do Clube Militar, deu sugestão para que o ministro se volte para as “feridas mais recentes” - que seriam o assassinato de Celso Daniel (PT) e o mensalão. Por sua vez, o cardeal-arcebispo de São Paulo, D. Odilo Pedro Scherer, disse, semana passada, que “certamente é hora de virar a página.”

As sombras do silêncio parecem estar emergindo novamente na república brasileira. Mas, nem todos querem silêncio. Segundo matéria do Estadão de hoje, 109 “juristas de todo o País assinaram um manifesto público em defesa do debate sobre o alcance da Lei de Anistia. O documento afirma que recompor as injustiças do passado é um “imperativo ético” e pede a desinterdição das discussões sobre o tema. ‘Por que os crimes dos agentes públicos, que nem sequer podem ser caracterizados como crimes políticos, devem receber anistia sem o devido processo?’ ”

O texto assinado pelos juristas brasileiros diz ainda que “Não se pode esquecer o que não foi conhecido, não se pode superar o que não foi enfrentado.”

Está mais do que na hora de quebrar o silêncio que paira sobre os crimes de tortura praticados durante o regime militar no Brasil.

Lembro que em maio deste ano, o Procurador-Geral da República, Antônio Fernando de Souza, impetrou uma ADIn junto ao STF, . A ação do procurador questiona a Lei nº 8159/1991, que foi modificada pela Medida Provisória nº 228 em 2004, e que, posteriormente foi convertida na Lei nº 11.111/2005. Essa modificação permitiu que poder Executivo prorrogasse indefinidamente o prazo de sigilo dos documentos classificados no mais alto grau de confidencialidade. O pedido final da Ação é para que seja declarada juridicamente a inconstitucionalidade formal da Lei nº 11.111/2005, que põe nas mãos do Executivo a responsabilidade em determinar o caráter sigiloso ou não dos arquivos e documentos públicos.

É bom o ministro Gilmar Mendes dar uma olhada no texto da ADIn e parar com essa coisa de dizer que os assuntos referentes ao período militar são temas que devam ser encerrados. É bom que deixe de se esquivar dos temas referentes à punição dos responsáveis pelos crimes de tortura desse período, e tome providências para que as coisas comecem a mudar no Brasil.

O que não justifica, é termos, nós cidadãos e cientistas sociais, nossos direitos à verdade e à informação violados por motivos escusos ou por falta de coragem. já está mais do que na hora de termos acesso a todos os arquivos sigilosos referentes ao período do regime militar.

André Raboni
Enviado por André Raboni em 27/08/2008
Reeditado em 27/08/2008
Código do texto: T1149230
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