A DESIDEOLOGIZAÇÃO: UMA NOVA JUVENTUDE, PARA UM NOVO PRESENTE

Prof. Clóvis Luz – Membro do PSDB, Ananideua

E hoje eu sei que quem me deu a idéia de uma nova consciência e juventude está em casa guardado por Deus contando os seus (vis) metais.

Belchior, em “Como nossos pais”

A história recente do Brasil, principalmente a partir da ditadura militar instaurada em 1964, tem sido marcada pela presença direta dos jovens na luta e na intervenção pelos direitos individuais e coletivos, cerceados, diminuídos ou suprimidos de forma violenta pelos que detêm o poder. Nesses mais de 40 anos da presença dos jovens na vida política do Brasil, é possível perceber um movimento que vai da extrema ideologização das ações à total ausência de ideologia, exteriorizados, esses dois pólos, em alguns momentos bem nítidos.

No caso da extrema ideologização, movimentos revolucionários como o MR8 e principalmente a guerrilha do Araguaia, revelam que os jovens, quando são motivados ideologicamente, decidem agir, decidem lutar, às vezes de modo inconseqüente, romanticamente, impulsionados tão somente por aquilo em que acreditam e por que se dispõem a sacrificar a própria vida.

Durante os anos mais duros do regime militar, a União Nacional dos Estudantes, UNE, foi a principal representante e porta-voz dos anseios e das lutas da juventude brasileira; nela surgiram os mais expressivos líderes políticos da esquerda nacional, muitos dos quais engrossaram a luta guerrilheira no Araguaia, tendo alguns morrido, e outros, sobrevivendo ao regime militar, foram exilados, e hoje continuam na política, muitos deles presentes no atual governo.

Um outro momento marcante da participação dos jovens na vida política nacional foram os protestos dos “caras pintadas”, em 1991, cujas manifestações maciças contra a corrupção patrocinada por Fernando Collor de Mello foram o auge de um movimento amplo na sociedade pela defesa dos princípios éticos, morais e pelo respeito ao patrimônio público, culminando no impeachment do primeiro presidente eleito democraticamente após 25 anos de regime militar.

Essa mesma juventude, agora consolidada e politicamente definida em favor das teses marxistas, em sua maioria filiada aos partidos da esquerda nacional, como PT, PC do B e PCB, foi determinante para que o seu maior representante, Luiz Inácio Lula da Silva, chegasse em 2002 à Presidência da República, após três campanhas mal sucedidas. Finalmente, o discurso ideológico havia contribuído para que um líder esquerdista chegasse ao poder. Antes dele, o presidente da república, Fernando Henrique Cardoso, considerado por muitos analistas políticos como sendo da chamada social-democracia, implantou programas econômicos e sociais, dentre os quais o Plano Real, que estabilizou a economia, principalmente no controle da inflação. Considerado pela juventude militante petista como representante no chamado neo-liberalismo, FHC foi acusado de promover a dilapidação do patrimônio público, a partir da privatização de grandes empresas estatais, pesando sobre ele a acusação de entreguista, traidor da nação, por aqueles que lutavam pelo poder. Todavia, no poder, as ações de Luis Inácio Lula da Silva revelaram que discurso ideológico e prática de governo são incompatíveis, quando aquilo que se afirma no discurso não se apóia na coação e na violência para sua aplicação prática. Ou seja, na presidência, Lula manteve os programas econômicos e ampliou muitos dos programas sociais, mormente as bolsas de auxílio financeiro à população miserável do país, presentes na gestão anterior.

O que aqui está sendo afirmado, de forma bem simples, é que o discurso ideológico é limitador da consciência e da ação políticas, por duas razões: a primeira é que toda ideologia estabelece paradigmas, ou, inversamente, é determinada de modo paradigmático, sem qualquer possibilidade de desvios, por menores que sejam, daquilo que os paradigmas impõem à consciência pela ideologia. Se a ideologia marxista prega que somente através da luta armada o proletariado, os trabalhadores, chegarão ao poder, e, nessa condição, haveria a extinção das classes sociais e dos conflitos entre elas, então somente pela revolução armada é que haverá uma sociedade socialista, e depois, o comunismo puro, como preconizava Karl Marx, com o fim da exploração do homem pelo homem.

O Partido dos Trabalhadores, que até chegada de Lula ao poder, se dizia porta-voz dos anseios populares, dos trabalhadores brasileiros, e defensor intransigente da ética e da moralidade na vida pública, depois de seis anos de governo revelou-se exatamente como qualquer agremiação política, composto de pessoas realmente éticas e de outras cujas atividades revelaram a negação do discurso ético do partido a que pertencem. E, na prática de governo, todos os discursos ideológicos que fundamentaram a pregação política do PT em seus anos de oposição, deram vez a uma assimilação plena de todos os modelos governamentais implantados por Fernando Henrique Cardoso.

De 2002 para cá, temos acompanhado uma descaracterização evidente da antiga juventude militante petista, tendo ocorrido uma migração em massa dos jovens, principalmente os universitários, para alguns partidos da extrema esquerda, como o PSTU e o PSOL, surgidos a partir da decepção face o contraste entre o discurso ideológico e a prática governamental do Partido dos Trabalhadores.

Esse fato, ou seja, a transformação de uma grande massa de jovens embalados por discursos ideológicos em um número cada vez menor, é fruto direto da segunda razão pela qual a ideologia limita não somente a consciência como também a ação política. Por mais que Lula e seus conselheiros ideológicos ainda guardem em seu íntimo sonhos de uma revolução do proletariado, eles estão sendo a cada instante do seu governo esmagados, sufocados e negados por uma realidade que não fornece qualquer instrumento para que venham a se concretizar. A globalização econômica, por anos demonizada e combatida pela esquerda, é de tal modo irreversível, ou seja, a inter-dependência dos países em relação a produção e comercialização de bens, produtos e serviços está de tal maneira consolidada que apenas nos sonhos é possível se pensar em uma revolução socialista em termos globais, como ainda pregam os extremistas da esquerda nacional.

Tais constatações nos permitem, por fim, defender a urgente necessidade de surgir uma nova juventude, que seja fruto da consciência de que, se por um lado, o Partido dos Trabalhadores decepcionou tantos quantos foram às ruas engrossar o coro petista “anti-tudo”, anti-FHC, anti-Globalização, anti-Neoliberalismo, anti-FMI, anti-Privatização, ao simplesmente negar em sua prática política um discurso ideológico que justificou sua chegada ao poder, igualmente nenhuma ideologia é capaz de concretizar sua pregação quando esta ocorre tão somente no plano da utopia. Querer uma sociedade justa, fraterna e solidária de modo algum é uma aspiração utópica. Utópicos, sim, são os instrumentos que as ideologias de viés marxista defendem para se chegar a essa sociedade. Tampouco a defesa da ética, o combate à corrupção, a luta por justiça e igualdade social e a defesa da soberania nacional são patentes da esquerda.

Todo homem e mulher de bem devem lutar por essas bandeiras. E nesse sentido, os jovens são fundamentais.

O PSDB é uma agremiação política com todas as condições de agregar essa nova juventude. Uma juventude que não se aliene, em qualquer sentido da palavra: que não se perca nos caminhos da ideologia, e muito menos, nos caminhos da indiferença política, pelo desprezo àqueles que utilizam a política para mera satisfação pessoal, sem qualquer compromisso com as transformações sociais; uma juventude que tenha, sim, utopias, que queira viver em um país, em um mundo, onde exista o menor número possível de pessoas com fome, sem casa, sem acesso à saúde e à educação, pelo simples fato de não terem um emprego decente que gere renda suficiente para atender as necessidades essenciais a qualquer ser humano.

Precisamos, pois, envidar os maiores esforços para chamar essa juventude à discussão política. Não há congruência entre ideologia e política no confronto com a realidade; assim como não há incongruência entre política e utopia, para a transformação da realidade. Naquilo em que a política mostrou a fragilidade da ideologia, ela precisa fomentar nos jovens a utopia por um país e um mundo melhores. E que venham esses dias melhores, de justiça e igualdade social, a partir das discussões políticas, a partir do questionamento das razões por que os preços sobem sempre que é anunciado o aumento do salário mínimo; por que o salário mínimo é insuficiente para atender minimamente as necessidades daqueles que o recebem e que são a grande maioria dos brasileiros; por que os políticos trabalham apenas dois dias na semana, e folgam cinco e ainda têm poder de aumentar o próprio salário; por que a justiça é ágil e veloz quando há um rico envolvido e lenta quando é um pobre que necessita dela; por que uma consulta em posto de saúde é tão difícil de se conseguir e quando é marcada tantas vezes é para daqui a dois ou três meses; por que as instituições financeiras lucram fabulosamente em cima da cobrança de juros e taxas de serviço extorsivos; essas e tantas outras questões podem ser levadas à discussão com a juventude, que, além, disso, deverá discutir políticas públicas que atendam seus interesses nas áreas da educação, cultura, esporte e emprego.

Os jovens estão dispersos, muitos deles desiludidos, apáticos, apolíticos. É nosso dever trazê-los de volta ao debate, ainda que tantos deles estejam decepcionados com a política pela falência do discurso ideológico, pelo fato de agora saberem “que quem (lhes) deu a idéia de uma nova consciência e juventude está em casa guardado por Deus contando os seus (vis) metais. Nem todos se venderam, nem todos se venderão. Viva essa nova juventude que virá, pois ela já existe!

Clóvis Luz da Silva
Enviado por Clóvis Luz da Silva em 30/08/2008
Código do texto: T1153886