A GUARDA NACIONAL

A GUARDA NACIONAL

Flavio MPinto

1. INTRODUÇÃO

Com a criação da Força de Segurança Nacional pelo Governo Federal, através do Decreto 5289, de 28 de novembro de 2004, para “atuar em áreas cuja retomada da autoridade se faz necessário”, de acordo com palavras do atual Ministro da Justiça, superpõe-se sua ação com a do Exército na Garantia da Lei e da Ordem e ainda da esfera de atribuições das Polícias estaduais neste caso.

No entanto, o país já possuíra uma Guarda Nacional nestes moldes criada pelo Regência através do Ministro da Justiça padre Diogo Feijó em 1831.

Relembraremos essa Guarda Nacional.

2. O AMBIENTE POLÍTICO DA ÉPOCA

O processo de independência do Brasil, contrariamente ao fim da colonização espanhola na América, se deu em paz. No entanto, a personalidade do Imperador, a cada momento, arruinava as relações do trono com a sociedade, dando origem á abdicação marcando o fim do processo político de D.Pedro I e do Iº Império.

Após a abdicação de D.Pedro I em 1831 o país ainda se achava em franca ebulição revolucionária.

Liberais exaltados ou farroupilhas ou jurujubas como eram conhecidos e moderados ou chimangos se digladiavam pelo poder. O partido dos restauradores ou caramurus integrado por membros do partido português e alguns moderados , neste caldo político, desejavam o retorno de D.Pedro I.

Com a crescente agitação , particularmente a animosidade contra portugueses, discursos e artigos violentos geraram o fechamento do comércio português e suspensão por parte dos brasileiros dessa atividade.

Os moderados, então no comando , perdem o controle da situação e fazem uma aliança temporária com os outros partidos.

Esse instrumento foi a Sociedade Defensora da Liberdade e da Independência nacional, sob a direção de José Bonifácio, a partir de 28 de abril de 1831 e com representantes dos três grupos, passou a governar o país.

É instalada a Regência Trina Provisória em Abril e logo em Julho substituída pela Permanente tendo o padre Feijó como ministro da Justiça. Este só assume em 6 de julho de 1831 após a assinatura de um documento que lhe dava plenos poderes para reprimir revoltas internas.

O Alto Comando dos Permanentes, no caso Exército, era fiel ao governo, integrado e comandado por portugueses ou brasileiros adotivos, não inspirava confiança nos liberais. A presença de tropas mercenárias no Rio de Janeiro aumentava essa desconfiança.

No comando político, os liberais reduziram drasticamente o efetivo permanente em 31 de maio de 1831.

3. CRIAÇÃO

Com mais essa crise com os militares, a Regência cria em Lei a 18 de agosto a Guarda Nacional, uma das suas medidas consideradas liberalizantes, substituindo parcialmente as tropas do Exército e ainda reorganizando-o, extinguindo os corpos de milícias, guardas municipais e ordenanças. .

4. ATRIBUIÇÕES/COMPOSIÇÃO/CONDIÇÕES DE INGRESSO

A Guarda Nacional era uma força paramilitar que tinha como atribuições “defender a Constituição, a Liberdade, Independência, e Integridade do Império; para manter a obediência ás Leis, conservar, ou restabelecer a ordem, e a tranqüilidade pública; e auxiliar o Exército de Linha na defesa das fronteiras, e costas”. Eram organizadas em todo território nacional por municípios e tinham caráter permanente.

Subordinadas aos Juizes de Paz, aos Juizes Criminais, aos Presidentes de Província, e ao Ministro da Justiça, não poderiam interferir nos negócios públicos, sendo considerado um atentado contra a Liberdade e delito contra a Constituição.

Seriam alistados obrigatoriamente nas cidades do Rio de Janeiro, Bahia(Salvador), Recife, Maranhão, os cidadãos que poderiam ser eleitores, tendo mais de 21 anos e menos de 60. Nos demais municípios os cidadãos com voto nas eleições primárias.

Para tornar-se eleitor o cidadão precisava possuir a seguinte renda:

- eleitor de 1ºgrau-primário- valor anual de 150 alqueires de mandioca ou equivalente a 100$000 réis

- eleitor de 2ºgrau-deputado/senador- valor anual de 250, 500 ou 1000 alqueires de mandioca ou equivalente a um mínimo de 200$000 réis.

* o valor de um cavalo xucro em 1865 era de 150$000 e seus arreios 600$000.

As eleições de 2º grau eram nas cidades maiores( Rio de Janeiro, Bahia( Salvador) , Recife, Maranhão, São Paulo e as de 1º nos demais municípios.

Para ter-se uma idéia da quantidade de eleitores naquela época, para eleger-se Regente na Regência Una em 1835, votaram pouco mais de 5000 eleitores( Feijó teve 2828 votos e Holanda Cavalcanti 2251) e as populações das principais cidades eram em 1822 : Natal-7.000, Recife-30.000, São Paulo- 20.000, Salvador- 60.000 e Rio de Janeiro- 300.000 habitantes. Era poço mais em 1831/1835.

Todos admitidos para o serviço , após ter sido verificada a idoneidade por um Conselho de Qualificação nomeado pelo Juiz de Paz da Freguesia ou Curato, seriam relacionados em uma Lista de Matrícula, subscritado pela Câmara a cada uma das Paróquias e Curatos do seu município. Finda a matrícula geral, o Conselho procederia a lista do serviço ordinário e da reserva.

As Guardas Nacionais eram constituídas por seções, companhias, batalhões e legiões, da seguinte forma:

- a força ordinária das companhias de infantaria seria de 60 a 140 homens por Município, contudo aquele que não possuísse de 50 a 60 poderia formar uma companhia;

. cada batalhão constava de 4 a 8 companhias;

- caso o efetivo excedesse a 400 guardas, se formará um batalhão no Município, Paróquia ou Curato;

- os batalhões formados pelos Guardas nacionais de um mesmo município poderiam ter duas companhias de caçadores;

- as companhias de cavalaria conterão de 70 a 100 praças, cada esquadrão duas companhias e cada corpo 2 a 4 esquadrões; cada 1000 guardas de cavalaria comporiam 1(uma) legião.

Guardas do Município, Paróquia ou Curato, seriam reunidos sem armas e mediante votação organizada pelo Juiz de Paz nomeariam os oficiais a começar pelo mais graduado.

A Lei previa um Regime Disciplinar próprio.

E ainda que, no caso das Guardas concorrerem com tropas de linha, tomariam os lugares mais distintos.

5. DISTRIBUIÇÃO NA SOCIEDADE/IMPORTÂNCIA/INFLUÊNCIA

A Guarda Nacional era integrada e comandada por políticos, sendo que a maioria possuía títulos de nobiliárquicos de Barão e eram influentes nos municípios e províncias.

Os títulos de oficiais eram comprados. Considerar ainda, os valores necessários para integrá-la( a Guarda).

Era a oligarquia em peso em armas e á disposição do governo. A fidelidade política garantia a confiança no seu emprego contra revoltas consideradas afrontatórias ao governo. Uma guarda pretoriana fiel.

Com isto, podemos considerá-la um poderoso instrumento a favor de quem estava no poder para sufocar revoltas, assim como sua significante capacidade de dissuasão, desde o nível municipal.

Seu efetivo era muito controverso. Mesmo a legislação dispondo sobre efetivos que poderiam ter cada Freguezia, Paróquia, Curato ou Município, dependia da capacidade econômica dos políticos influentes.

Para a campanha de 51/52, a Guarda Nacional poderia dispor de 4.000 mobilizáveis.

Em 1858, na região do Vale do Paraíba, abrangendo Resende, Vassouras, Piraí, Iguaçu, Valença, São João do Príncipe e Paraíba do Sul, área muito populosa no período imperial e rica em extensas fazendas de grandes proprietários plantadores de café, chegou a ter 8257 homens na ativa e aproximadamente 1700 na reserva conforme o Relatório Provincial do Rio de Janeiro/1858.

Embora alguns autores já tenham “levantado” números de aproximadamente mais de 500 mil integrantes em 1864( Wikipedia), podemos, então, deduzir que o Império do Brasil era uma nação armada e poderosa(?), considerando que os gastos com pessoal eram da alçada do governo Imperial. E ainda que possuía uma massa de eleitores invejável(o universo para seleção dos integrantes da Guarda Nacional) dada a população de pouco mais de 9 milhões de habitantes! No entanto, podemos colocar em dúvida tal dado “levantado” considerando que o efetivo da tropa na Guerra do Paraguai chegou a aproximadamente 123.000 soldados no seu máximo( Voluntários- 54.992, Guarda Nacional-59.669, e recrutamento de 8489 homens) e que as finanças públicas foram á bancarrota com tal intento( a guerra) , se bem, neste caso, os gastos não eram só com pessoal. De acordo com a lei que a criou, os gastos da Guarda eram ás expensas do governo, tais como “ fornecimento de armas, papel para registros, soldo para trombetas,cornetas ou tambores e vencimentos dos instrutores”. Um mês de soldo dos Guardas Nacionais designados /ou Voluntários para a Guerra do Paraguai em 1867 era de 300$000.

Lembremos que no Art 3º da Lei que a criou, determina que “ As Guardas Nacionais serão organizadas...Nos municípios porém , em que o número de Guardas Nacionais alistados não chegarem a formar uma Companhia, ou Batalhão, o Governo e os Presidentes , em Conselho; poderão mandar reunir os Guardas Nacionais dele aos de outro, ou outros Municípios para com eles formarem Companhia, ou Batalhão”. Reconhecia-se que nem todos os municípios possuíam efetivos de 60 a 140 eleitores, no mínimo.

Em 1865, o Decreto nº 3383, de 21 de janeiro, fixava os seguintes contingentes a serem disponibilizados pela Corte e as Províncias para a defesa do Império: Corte- 300, Rio de Janeiro—1384, Bahia-2440, Pernambuco-2424, Maranhão- 1060, Sergipe-644, Piauí-1160, Paraíba-624, Ceará-1060, Rio Grande do Norte-624, Alagoas-484, Espirito Santo-208, Pará-1040, Amazonas-230, Paraná-416, Goiás-490, Santa Catarina- 208, perfazendo um total de 14.796 homens. Tudo a despeito do efetivo de voluntários da Guarda Nacional para o esforço da Guerra do Paraguai.

6. AÇÕES PRINCIPAIS

- Intervenção junto com os Permanentes no incidente em 28 de Setembro de 1831 com o fechamento do Teatro São Pedro no Rio de Janeiro e prisão de oficiais;

- Intervenção na revolta do Corpo de Artilharia da Marinha em 06 de outubro de 1831 na Ilha das Cobras;

- participação na Revolta dos Liberais tanto em São Paulo como em Minas, sendo nesta, como destaque, o confronto entre Caxias e Teófilo Otoni;

- participação na campanha de 51/52 contra Oribe/Rosas;

- operações constituindo Coluna Expedicionária no Sul do Mato Grosso contra tropas paraguaias em 1865, contando com efetivos convocados por decretos de 3000 e 6000 homens , respectivamente de São Paulo e Minas Gerais;

- participação na Guerra do Paraguai completando o efetivo do Exército de Linha, no caso, pela transformação dos Batalhões da Guarda Nacional em Corpos e Batalhões de Voluntários em inúmeras Províncias.

7. VULTOS DE DESTAQUE

- General Argolo- comandante do 2º Corpo de Exército na Guerra do Paraguai e responsável pela construção da estrada do Chaco;

- General( Brigadeiro honorário) Andrade Neves, Barão do Triunfo, herói da Revolução Farroupilha e da Guerra do Paraguai;

- Brigadeiro honorário Antônio de Souza Neto, herói da Revolução Farroupilha;

- Coronel João Niederauer Sobrinho lutou na Guerra da Tríplice Aliança, comandando a 3ª Brigada de Cavalaria Imperial. Foi ferido mortalmente após a Batalha de Avaí;

- Major João Batista da Silva, prior da Igreja do Rosário-Porto Alegre;

- Barão de Castro Lima, vice-presidente da Província de São Paulo em 1889;

8. EXTINÇÃO

A Guarda nacional com o advento da República começa rapidamente a perder espaço para o Exército, tendo sua última aparição no desfile militar de 7 de Setembro de 1922, sendo desmobilizada.

Mesmo assim, o presidente da República continuou a assinar cartas-patentes de oficiais até 1924. Estas eram simbólicas e apenas atestavam o poder político de quem a recebia perante a sua comunidade.

Bibliografia - Lei de 18 de agosto de 1831

- História do Brasil – de Boris Fausto

- Período das Regências – de Marco Morel

- História do Brasil – de Luis Koshiba

- Relatório Provincial do Rio de Janeiro-1858

- Caxias- de Affonso de Carvalho/BIBLIEX

- Os Voluntários da Pátria na Guerra do Paraguai - de general Paulo de Queiroz Duarte/BIBLIEX