JOSÉ DIRCEU E A BENGALA DO MEU PAI.
ANA MARIA RIBAS BERNARDELLI.
 
Ontem publiquei uma crônica falando sobre "A bengala que era do meu Pai." E, para minha surpresa, algumas  pessoas, associaram à bengala do meu pai, as bengaladas que José Dirceu levou do escritor Yves Hublet, chamando-o de Fristão - traidor por tabela.
 
O que pouca gente sabe é que moro numa cidade que é administrada pelo filho de José Dirceu, o Zeca Dirceu. Que foi reeleito pela segunda vez por uma esmagadora maioria de votos. E que esta minha cidade, é a cidade do Paraná em que José Dirceu ficou “exilado” durante o período em que a vida se lhe estava ameaçada por muito mais do que algumas bengaladas de efeito cênico.
 
Há tanto tempo José Dirceu circulou nestas ruas como cidadão comum, nesta terra de gente comum, sob o nome de Carlos -  mas ainda me lembro. E nesse lembrar - que interessante- nesse lembrar, só há lembranças em tom pastel: nada de um vermelho que lembre sangue ou o PT. Nada do cinza que lembre corrupção. As lembranças são as de um cidadão que trabalhava diuturnamente, que tomava cerveja com o amigo  Jorge Camargo, que amava Clara Becker, que jogava futebol ( se a memória não estiver me traindo), que passeava com o filho no colo,  e que, por motivos óbvios, não participava da vida pública da cidade em seu contexto mais amplo. Mas não era uma pessoa isolada:  as pessoas o queriam bem. Sua loja era bem frequentada, na frequência que é possível a um povo empobrecido pela falta de trabalho; sua vida era a medida da vida do cidadão do planeta terra: céu em cima, terra embaixo. Rotina, luta,  amor, sonhos, sacrifícios e as demais coisas que compõem um redondilho quebrado: muito provavelmente lágrimas.
 
Nunca fomos próximos, eu, Ivo e ele, pelos mesmos motivos que hoje não somos próximos: nossos mundos sempre foram  um pouco diferentes. Nem para mais nem para menos: diferentes. Clara Becker, essa sim, é a amiga pela qual tenho uma grande admiração e sei que a admiração me é recíproca.
 
Nesta segunda feira,  após a vitória do filho nas eleições, José Dirceu esteve aqui para agradecer, de público ao povo que votou em Zeca. Não o fez durante a campanha, mas depois. E esse “depois” teve, para mim,  uma ponderação de pai  que  percebe que é hora de sair de cena, quando o filho ganha espaço próprio. Ou de aparecer discretamente, apenas na função de pai. Foi como pai que José Dirceu, subiu ao palanque e  agradeceu os votos que a população de Cruzeiro concedeu ao seu filho, pela segunda vez,  O ponto mais emocionante para mim, que nem estava lá, mas que ouvi dizer, foi quando ele  creditou a Clara o valor de Clara.  Clara é  a mãe que cuidou do ôvo em tempos de escura solidão.
 
Os ovos vingam e nascem piando; e piando ganham penugem; e empenujando viram galos. Desde que não sejam colocados, antes, numa panela. Não há panelas ferventes em Cruzeiro do Oeste, há normalidades. Que de normalidades é feita a vida. Trabalho se recompensa com crédito e crédito gera mais trabalho.
 
Quanto à bengala do meu pai, o texto de ontem me foi um aprendizado. A grande maioria, viu o que eu quis que vissem: uma filha que ama o pai e que se pudesse, lhe seria ainda mais filha, mas que, na impossibilidade de sê-lo, - agora que me é morto o pai,-  ensina aos outros que ainda podem ser filhos, a sê-lo um pouco mais.
 
 Uma única pessoa me foi excessivamente cruel em seu comentário: a sensibilidade não é de todos, mas a insensibilidade foi de apenas um.  

E algumas pessoas, finalmente, viram na bengala do meu pai, as bengaladas na cabeça de José Dirceu. Essas estão atualizadas, e devidamente contextualizadas com os noticiários da televisão, com as notícias dos jornais. Mas a culpa não é delas: é  da mídia que só mostra o Zé mas  não mostra o Carlos que existe dentro do Zé.
 
Essa digressão visual faz de nós seres ecléticos por fora, e díspares por dentro. Essa disgressão visual faz de nós seres comuns à procura de um olhar diferente. Mas a verdade é que cada um encontra, fora de si, muito do que lhe vai por dentro.
 
Eu continuarei mostrando, em temas livres, a vida como ela é. E aceitando todos,  como  todos somos. Menos os insensíveis: esses eu não aceito, e não perdôo.

Pensando bem, depois de escrever isso há 2 meses, e de levar uma bronca do Roberto Pimentel e do Frei Fernando, porque "não perdôo," quero dizer que sim: que perdôo. E que a expressão lá em cima foi usada no calor da emoção.  Como a emoção  já passou, e eu sou a mais indigna dentre todas as mulheres, é claro que perdôo. Perdôo e amo todos os insensíveis que a mim foi-me dado amar sem esperar a menor compreensão. Perdôo então.
 
Ana Maria octb, 2008.