O ENCANTO NAS DIFERENÇAS ENTRE OS IGUAIS.

Em diversas oportunidades e decorrente de inúmeros acontecimentos, me surpreendo em divagações acerca da incrível singularidade que nos cerca. Aliás – aqui vale uma redundância e um paradóxo – a privilegiada singularidade que nos reúne e nos distingue. Sim, nos reúne e nos distingue.

Para tecer considerações sobre esse tema, “o encanto nas diferenças entre os iguais”, com o mínimo de amplitude e aprofundamento, ainda que rudimentar e empiricamente, parece-me imprescindível passar por seu "portal" mais visível, e de certa forma também mais crítico, qual seja, a unidade. A unidade é a perfeita síntese do diferente, assim como o encontro dos iguais é uniformidade. O agrupamento de “iguais” dentro do universo – aqui universo no seu pleno significado – constituem “unidades” que reúnem e distinguem. Daí que a partir das constelações até um formigueiro temos a cristalização das diferenças pela constituição de grupos “unitários” de “iguais”. Entre esses grupos está a humanidade, primeiro plano no foco destas nossas considerações.

Nós, seres pensantes, somos, apesar disso, dotados de impulsos, – como, aliás, o são a maioria das espécies animais – impulsos estes, ligados principalmente á preservação da espécie, que nos impõem vida em comunidade. Existe no ser humano uma tensão inata de se reunir, de estar juntos; a vocação à sociabilidade. Além disso, outros fatores influenciam direta e autonomamente nossa socialização em grupos. São, por assim dizer, os grandes repartidores, alguns por decorrência natural, a nos distinguir e nos reunir: cor da pele, pátria, língua, cultura, religião, etc. E por fim, numa interpretação aberta, podemos dizer que nós – humanos – dispomos de um diferencial, aliás, dois, responsáveis pelo desencadeamento de outras infinitas divisões na unicidade da própria espécie. São eles racionalidade e livre arbítrio. Através deles lidamos com nossas diferenças e “igualdades” como elementos fundamentais na socialização e na gestão dos pressupostos existenciais, provocando, evidentemente, incontáveis estratificações, nos mais diversos graus e níveis dessa nossa fugaz passagem pelo planeta.

Sigamos adiante com uma outra reflexão. A ciência e a tecnologia demonstram que não existem, do ponto de vista biológico, duas pessoas iguais. Exemplo dessa afirmação são as impressões digitais. É público e universalmente notório que não existem duas pessoas com as mesmas impressões digitais. Desnecessário dizer que é só um exemplo inquestionável dentre tantos outros que eventualmente poderíamos citar.

Aqui levanto uma questão: podemos dizer o mesmo (que não se encontram dois absolutamente idênticos) sobre as arvores? Ou sobre suas folhas? Ou sobre suas sementes? Por minha conta e risco, afirmo que sim. Poderíamos dizer o mesmo também sobre as fuinhas, os lagartos, os pardais, os besouros, os hipopótamos. Poderíamos dizer o mesmo sobre as estrelas ou a respeito dos fungos. Aposto que por nenhuma dessas afirmações seriamos condenados a arder no mármore do inferno, como hereges.

Um dos pontos aos quais pode nos conduzir esta reflexão é o seguinte: cada criatura que existe na natureza, cada elemento complexo do universo – cada planeta no espaço ou cada verme na terra – cada ser vivo e principalmente cada ser humano é ÚNICO. Única é sua existência e único seu expressar-se nela.

Peguemos agora um outro atalho nesse nosso sinuoso caminho. Sabe o que eu quero? O mesmo que todas as pessoas querem: viver em harmonia, (com paz, tranqüilidade, etc.) ser aceito, compreendido e amado. Anseios que se atendidos, imaginamos, nos abrem as portas da felicidade. E a maioria de nós ainda quer ser tratada com distinção. Nada mais justo também esse anseio, considerando a nossa “individualidade”, o nosso “ser singular”, o nosso “ser único” conforme concluímos acima. Portanto, a distinção é meritória. Tudo muito justo...

Ocorre que para sentir-me aceito exijo do meu “igual” que aceite toda minha expressão, ou seja, que aceite – que dê o mesmo valor que eu dou – a tudo que faço na relação com quem e com o que me cerca. E essa pretensão parece implicitamente lógica, uma vez que o outro, por ser meu “igual” ouve o que eu ouço, vê o que eu vejo, sente o que eu sinto, interpreta como eu interpreto... Porém, “absurdamente”, isso nunca acontece! Perseguimos então uma utopia. Vejamos o porquê. Minha expressão enquanto individuo, ou seja, aquilo que emana de mim na relação com meu exterior e que pretendo que seja assumido pelo meu “igual” como se próprio fosse, se origina, ou no mínimo recebe interferência, de atributos de um “ser singular” que sou eu. Tenho a minha cultura, meus costumes, minha formação, meu temperamento, meus afetos e desafetos, minhas dores e prazeres, minhas experiências, minha idade, minhas paixões, meus temores, meus traumas, meus dilemas... e por ai vai. E tenho também minhas próprias percepções sensoriais, peculiaridade essa que por si só daria um tratado e é, com certeza, a que menos costumamos considerar. Penso que seria interessante faze-lo e por isso abro um apêndice: – Se a natureza não nos forjou uniformes no visível, no mensurável, como aceitar simplesmente que tenha usado uma receita única, uma fôrma, para nos elaborar o sensitivo. Lembro-me do jargão: se todos gostassem do vermelho o que seria do amarelo!(ou vice versa) Parafraseando, me atrevo a dizer, eu que gosto do azul: o que seria das outras cores se todos enxergassem o azul como eu enxergo! O que estou querendo dizer é o seguinte: cada individuo tem uma percepção própria, por exemplo, das cores. O nome de cada uma é convenção e por isso as distinguimos. Até os daltônicos (podemos apontá-los como vestígio de que estamos no caminho certo) as identificam assim. Fazendo portanto as mesmas considerações para todos os nossos sentidos, que não temos necessariamente as mesmas percepções de tato e de sonoridade, gustativas e olfativas – por minha conta retiraria o “necessariamente” – podemos concluir que é praticamente impossível que existam duas pessoas iguais no conjunto das percepções sensoriais. – Fechemos nosso apêndice.

Considerando todas evidencias, comprovadas ou não, da singularidade pessoal que refletimos, vemos de tal modo reforçada a tese da individualidade de cada espécime humano, que já não nos é permitido a definição de iguais também entre nós. Somos, portanto, só e tão somente mesmo, semelhantes, parecidos.

Chegamos ao ponto central da questão, Não há como eu pendurar minha felicidade no quadrinômio harmonia/compreensão/aceitação/amor, se meu cabide é a falsa idéia de que meu interlocutor é, ou tem que ser como eu em sentimentos, atitudes, ideais e percepções. E ainda, se o suporte do meu cabide é uma atitude utilitarista para com toda realidade circundante.

Esse quadrinômio sustentará minha realização como pessoa, poderá abrir-me aos raios cálidos da felicidade, se eu apostar e investir numa síntese a ser construída com meu interlocutor, com meu semelhante, e também com toda a realidade vital que me cerca. Essa síntese é a UNIDADE.

Voltamos assim ao nosso "portal", àquele que qualificamos de mais visível e também de critico, em nosso preâmbulo. Vejamos o porquê da UNIDADE ser o grande portal pelo qual precisamos passar, para a assimilação das nossas considerações.

Primeiro; quando o atinjo (o portal) consigo enxergar, além dele, a realidade cósmica, com sua unicidade elementar, na qual estou inserido enquanto espécie (animal), grupo (humano) e enquanto individuo (ser singular), co-habitando com todas as espécies e grupos unitários que me cercam e seus respectivos componentes. Apercebendo-me dessa unidade cósmica, consigo com mais facilidade compreender que, ao invés de utilitarista, minha relação com a realidade há que ser de interdependência e de respeito. Com isso já estarei começando a dar boa sustentação ao cabide em que pretendo pendurar minha realização plena, minha felicidade.

Segundo; tendo passado por ele (pelo portal) as “diferenças entre os iguais”, o diferente no meu semelhante, não me será mais motivo de separação e sofrimento, mas de enriquecimento, de consolidação do nosso convívio harmonioso, de fortalecimento da nossa unidade como "espécie" pensante da criação.

Dissemos ser o caminho (portal) mais visível, e o dissemos por que o vemos e sentimos diuturnamente no incessante equilíbrio da natureza, onde os elementos se harmonizam e se refazem num continuo balé de inter-relação e interdependência, onde céu e mar, terra e água, flora e fauna, micro e macro, sólido e volátil, etc., etc., formam em si e entre si tal equilíbrio unitário, tal unidade, que se um faltasse o outro não poderia existir. O dissemos também porque seu viés mais brilhante nos foi mostrado, há mais de 2.000 anos por um “certo personagem” da história, que todos, de um modo ou de outro, já conhecemos: Jesus Cristo. Além de nos mostrar em sua vida conosco, Ele, durante uma existência humana de trinta e três anos, nos falou sobre a cultura de Amor do seu Reino divino, cuja resultante visível é a UNIDADE – Deus Uno e Trino.

Dissemos ser o mais crítico porque árduo, vital, sensível e exigente. Compreendendo-a no seu sentido mais pleno, a UNIDADE é o encontro de duas ou mais “individualidades” que se reconhecem como tal e que, como tal, se relacionam, no irrestrito uso de suas identidades, liberdades e racionalidades, trocando experiências e convicções, e se dispondo à partilha dialogada no amor e por amor, num permanente jogo de dar e receber, de ganhar e perder, de SER e NÃO SER.

Concluindo, a estrada que poderá conduzir-nos, em nossa privilegiada singularidade, a uma existência em harmonia plena com a natureza que nos cerca e principalmente nas nossas relações inter-pessoais, é a UNIDADE. Conquista-la será nosso grande premio!

Assim, as diferenças entre os “iguais” já não serão nosso espanto, mas sim nosso encanto!

Manito O Nato

Em 09/10/2008