Apenas um grande escritor brasileiro?

Uma estátua do Bruxo do Cosme Velho repousa diante do opulento prédio de uma instituição que o mesmo ajudou a fundar. Grande homenagem que serve para fazerem-nos compreender a magnitude da obra e a riqueza do legado do ser que está representado naquela estátua de bronze.

Todos sabem que Machado de Assis foi um dos maiores gênios da literatura brasileira. Mas saber somente isso é pouco. É preciso compreender esse termo em toda a sua profundidade e não somente na sua superficialidade de clichê.

Muitas pessoas já o leram ou o lêem nas escolas como livro paradidático, alguns o lêem por conta própria, outras nunca o leram, mas pelo menos sabem quem foi o escritor. Porém poucos são aqueles que o compreendem em toda a sua amplitude. Um conhecimento mais aprofundado sobre o que representa Machado de Assis fica restrito às faculdades e instituições especializadas ou aos pesquisadores e estudiosos do autor.

Muitos neste país sabem quem foi Capitu, Bentinho e Quincas Borba. Em menor quantidade são aqueles que conhecem a Rita e o Camilo, o Inácio e a Dona Severina.

São bastante conhecidos os romances de Machado, portanto poucos sabem que ele escreveu poesias, peças, críticas e contos. Ainda menos pessoas sabem que ele foi tradutor, crítico, cronista, caixeiro de livraria, tipógrafo, revisor e funcionário público. E raríssimos são aqueles que sabem que Machado foi um excelente jogador de xadrez.

E o que importa saber tudo isso? O que importa saber todas as profissões que Machado teve e todos os personagens que ele criou? Importa muito para toda a população de um país pleno de desigualdades sociais e raciais.

E por quê? Porque o eminente romancista brasileiro foi tudo isso e fez todas essas coisas sendo mulato, pobre e pouco tendo freqüentado a escola. Fez tudo isso mesmo tendo uma saúde ruim e mesmo sendo epilético e gago. Além de tudo, perdeu a mãe e a irmã ainda criança.

Em suma, Machado foi privado de todos os componentes fundamentais para uma existência considerada normal. Não teve privilégios e facilidades que justificassem sua qualidade artística. A genialidade brotou, por autodidatismo, numa vida que tinha tudo para ser um fracasso: a raça desfavorecida, os recursos escassos, a natureza debilitada e a família desfeita.

Não que Machado tenha sido considerado um ótimo escritor pela sua biografia impressionante. Sua obra é de relevância internacional, tendo sido até considerado um dos cem maiores gênios da literatura ocidental por um famoso crítico norte-americano. O ineditismo das suas mais notáveis obras de ficção leva a uma dificuldade de enquadrá-las em um estilo literário. Sua obra não é moralista, nem maniqueísta. Os desdobramentos de suas histórias são imprevisíveis e quebram as expectativas dos leitores. Seus recursos estilísticos são singulares, o que eleva Machado de Assis a uma condição de autor que não pode ser enquadrado em nenhuma escola ou estilo literário. Seus temas versam sobre algo que não se desatualiza e não se limita a uma época ou região específicas. Foi por isto que ele se destacou: ao retratar questionamentos inerentes ao ser humano, sua obra se tornou atemporal e universal.

A problemática das questões sociais do Brasil eleva a vida do autor a um patamar de importância tão grande quanto o de sua obra, pois quando se traça uma analogia entre a vida e a obra pode-se perceber que ambas se compõem de elementos presentes até hoje na vida do brasileiro e no da humanidade.

Pela enormidade de sua produção e pela pequenez de seus privilégios, mesmo após cem anos de sua morte, pode-se dizer que Machado de Assis é muito mais que um nome para a literatura brasileira. Ele é um exemplo para a atualidade e uma fonte permanente de saber para o mundo.

Sua estátua pede reverência.