Um Triste Aniversário

Luciano Fortunato Silveira

fortsilveira@yahoo.com.br

Ao começo deste mês outubro faz um ano do trágico caso dos três rapazes que foram mortos carbonizados, próximos à via férrea por onde trafegam grandes riquezas que passam por nosso município sem que delas desfrutemos. Na ocasião escrevi um texto sobre o ocorrido. O meu texto foi rejeitado por dois órgãos de comunicação regionais. Talvez em face desse ufanismo que nos faz pensar que vivemos em um paraíso, onde reina a paz, a ética e a boa moral. Um deles me propôs até a mudança de uma frase que foi julgada inadequada. E quando ao título que naquele momento dei à matéria “O dia em que a cidade sorriu diante da morte”, eu acrescentaria, hoje, um subtítulo importante, ficando “O dia em que a cidade sorriu diante da morte: ou pelo menos uma parte dela”. Agora o texto está sendo publicado na íntegra, como segue:

“O dia em que a cidade sorriu diante da morte

Foi na nossa querida cidade, Mendes, mas poderia ter sido em qualquer pacata cidade do nosso sul-fluminense, do Brasil ou do mundo.

Mendes sorriu. Três rapazes mortos eletrocutados. Seus corpos carbonizados, e, diante do quadro, uma platéia a comemorar a morte deles. Fotos espalhadas por toda a cidade. A tragédia transformada em espetáculo. Parece que nossos pacatos moradores não são muito diferentes dos de qualquer metrópole: são também insensíveis e cruéis.

Vivemos em um país dito cristão. Todo cristão deve conhecer a passagem bíblica em que Jesus proclama “...aquele que não tiver pecado que atire então a primeira pedra”. No entanto, a multidão de “santos” sentiu-se no direito de rir da desgraça alheia. Como se todos nós vivêssemos rigorosamente dentro da lei. Eu pergunto: quem nunca comprou um CD pirata ou outro produto ilegal? quem nunca se apropriou de absolutamente nada que não era seu? quem nunca praticou sonegação fiscal? quem de nós exige nota fiscal por um cafezinho ou um drops? E é bom que se saiba que quando deixamos de pedir uma simples nota fiscal – e nossos estudantes nem sabem o que é isto –, estamos desviando dinheiro que poderia estar indo para a saúde e para a educação, por exemplo.

Pois bem. Num sistema falho e corrompido – do qual somos coadjuvantes – ainda temos que conviver com a hipocrisia de parte da população que se considera gente 100% honesta, e que acha mesmo que a morte dos rapazes foi justa e oportuna. Alguns chegaram a lamentar o fato de um deles ter sobrevivido. Foram cabos elétricos. Mas se eles tivessem sido assassinados por uma milícia paramilitar – como essas que há nas favelas do Rio – o povo mendense não estaria menos satisfeito. Não me refiro a todo cidadão mendense, obviamente.

Aqueles jovens não nasceram ladrões. Não nasceram delinqüentes. E não tiveram tempo de se redimir. E, minha gente, isso não é engraçado. Não é satisfatório. Nenhuma morte pode ser considerada satisfatória. Se nossos adultos e anciãos fossem mais eficientes e justos (e não me refiro aos pais deles, e sim a toda nossa sociedade), casos como este poderiam ser evitados. Países com alto IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) – como Canadá e Finlândia – possuem baixíssimo índice de criminalidade. Praticamente não há roubos e furtos nas cidades finlandesas. Quanto a nós? Não temos nesse país educação de qualidade, não temos capacitação profissional, não temos empregos disponíveis, não temos distribuição de terra e renda: somos uma sociedade falida em todos os sentidos. Então resolvemos nossa angústia diante desta impotência como cidadãos, comemorando a morte de três rapazes pobres que tentavam furtar cabos. Estamos de parabéns.”

Na época em que o texto foi escrito, eu não havia ainda atentado para o fato de que o crime de Vilipêndio a Cadáver é punível com prisão. Muitos dos aviltadores que estavam no local do acontecimento, onde estavam aqueles corpos, poderiam estar hoje presos.

Penso, de maneira otimista, que Mendes não deve ser um resumo do mundo caótico e cruel em que vivemos, um micro-cosmo numa selva sócio-cultural onde tudo se repete, variando apenas em número e grau. Não, senhoras e senhores. Cabem, sei que sim, muito mais coisas, boas e belas, entre nossas discretas montanhas verdes. Isso depende, claro, da forma como usaremos a nossa tão conhecida paz.