Pela simplicidade da vida

Se existe algum sentimento que me parece universal é aquele que as pessoas chamam de culpa. Por vezes é notório homens e mulheres falando sobre "o aqui se faz, aqui se paga". Não deixa de ser rancorosa e vingativa a frase. É possível até lembrar a “Lei de Talião” (“olho por olho, dente por dente”) e a eterna vontade de ver o outro pagando pelo que fez. Apesar da existência do perdão e do trabalho árduo dos homens de fé para falar do amor ao próximo, o fato é que as pessoas desejam por aqui mesmo ver as coisas resolvidas: pagar pelo que se fez, pagar pelo que pensou, pagar pelo que conseguiu, pelo que não fez, pelo que fizeram, pelo que roubou, pelo que entregou e assim por diante. É uma sociedade litigiosa, cheia de culpados e, por conseqüência, de santos.

De todo modo, a questão é ostensiva, principalmente nos seres humanos mais sensíveis que sustentam mágoas que, somatizadas, rendem algumas doenças ao longo da vida. O sentimento, a despeito de todos não desejarem sentir, também é normal, pois além de fazer parte da famigerada “condição humana”, faz eco às relações escusas, ao mundo privado que escondemos cheio de pecados, arrependimentos, ressentimentos e muita dor. É bem verdade que muitos não sentem tais sentimentos. Na realidade é bom, inclusive, reverenciar os que sentem, pois é perigoso lidar com aqueles que sequer têm a capacidade de senti-los. Acreditem, estas pessoas existem e estão próximas. A psiquiatria forense tende a chamá-las de psicopatas, aqueles que não medem forças, por exemplo, para ganhar o jogo, passar por cima dos mais simples, humilhar o próximo e gozar com a capacidade sádica que lhe é inerente.

Todavia não parece ser boa idéia de esperar "o aqui se faz, aqui se paga". Creio ser prudente seguir o próprio estilo de vida, viver a própria vida, cuidar da possibilidade do perdão e apostar na paz. Somos muito vulneráveis. A vida é curta demais e perdemos muito tempo com pequenas coisas. Os seres humanos conseguiram levar às últimas conseqüências a possibilidade de maximizar rendimentos e capitais ao arrepio dos limites do corpo ou dos próprios recursos disponíveis. Não é possível que seja este o caminho. Não estamos por aqui para nos vingar do passado ou mesmo revidar no futuro. É óbvio que temos aqueles que já estão com a receita pronta esperando a hora exata de dar o troco. Cuidar da própria vida é mesmo difícil nos dias atuais e, quanto mais avança a sociedade excludente e de mercado a coisa parece mais feia e nojenta. Contudo, tudo me parece uma perda de tempo. Esquecemos de viver, de perceber a simplicidade da vida, de saborear uma boa conversa ou mesmo de nos relacionar e entender os filhos, as plantas e as flores. A vida não pode ser um complexo arquitetônico de muito trabalho, dinheiro, paranóia e ostentação. Não é possível que a vida, tal como apregoou Cristo, e ainda apregoa a maioria dos hipócritas cristãos, não possa ser alicerçada em um pouco mais de respeito, dignidade e cuidado com o outro.

A questão colocada pode parecer sonho para os dias atuais, ou mesmo nos faz lembrar importantes pensadores que há muito já jogaram essa idéia por terra, justamente porque as evidências estão manifestas e, de uma forma ou de outra, ainda labutamos em um aberto campo de guerra. Contudo, sem escolhas ou com escolhas, tudo é muito fútil, efêmero, passageiro e sem sentido quando perto estão a envelhescência, a doença ou a morte. Em tais casos, pode ser tarde para muita coisa, principalmente porque demoramos a perceber os acontecimentos que, no limite, têm pouca valia e de certo ficarão pelo caminho, esquecidos, jogados ao vento e limitados a um número reduzido de pessoas que machucamos ou amamos no curto período que é a vida.