Eloá: acontecimento.com.br

O caso da garota Eloá, a qual ficou em cárcere privado por mais de 100 horas em um apartamento em Santo André, na região metropolitana de São Paulo, é sem dúvida, um grande acontecimento midiático. Por dias, a TV, os jornais, os rádios e a internet, vomitaram sobre as mentes humanas uma carga insuportável de informações, análises equivocadas, perfis e entrevistas fora de lugar.

O cárcere, que na verdade não tem nada de bonito e romântico nesta história, se tornou um grande acontecimento porque estas coisas não deixam de causar grande impacto emocional no inconsciente ou mesmo na consciência coletiva. Os meios de comunicação venderam bem a mercadoria do espetáculo e do sensacionalismo nestes dias tornando as coisas mais ou menos interessantes, seguindo, obviamente, os cantos das sereis ignorantes que se apegam em análises vazias, repórteres despreparados e jornalistas irresponsáveis.

Não é preciso muito para saber que em questão está o desejo do "Ibope" e da venda de mercadorias associada ao produto em hora na tela. Depois o acontecimento segue o seu curso normal. Muitas pessoas choram, outras exageram nas opiniões, fazem homenagens e acabam esquecendo e ficando “tudo por isso mesmo”. Os atores que teimam em fazer cinema com os vultosos recursos públicos ainda pensam em fazer um filme sobre tais casos e, infelizmente, muitos intelectuais colaboram para isso, em atitudes sem escrúpulos e sem base científica.

No caso das meninas Eloá Cristina Pimentel e Nayara Rodrigues da Silva, à fase de discussão segue mais ou menos o que apontou casos como do Carandiru, Candelária, do ônibus 174, o da garota Isabella e por aí vai. Explico-me melhor, o processo de trabalho é mais ou menos o de uma linha de montagem: primeiro mostram-se as imagens até o último suspiro do “cansei” (caso não ocorra algo de pior), depois, já que tivemos uma vítima e um lamentável desfecho, procura-se de quem é a culpa. Em terceiro, como tudo indica, existe um mutirão em busca daquele que “deu o primeiro tiro” ou “quem começou a briga”, como diziam os velhos policiais. Após esta fase o assunto é o que pensam os peritos, como foi feita a reconstituição dos fatos e, novamente temos aquele banho de informações analisadas por quem não estava lá e por quem pensa que entende do assunto.

O acontecimento grotesco é para isso: para segurar o povo ignorante pela ação da comunicação perversa e, por vezes, sádica. É óbvio que o fato deva ser analisado com cuidado e, em casos de verificação dos erros, que paguem os que erraram. Por outro lado, é bom lembrar que estamos lidando com seres humanos, passíveis de erros e mais erros. Horas e horas se passaram e não há dúvidas de que policiais e autoridades avançaram nas negociações. Momentos como esses não devem ser fáceis. É necessário muita calma, saúde e sapiência. Não acredito que estávamos lidando com amadores. Se o desfecho tivesse sido o contrário do que foi, certamente a TV já tinha se afastado, os jornais já tinham cessado as linhas e os rádios devidamente silenciados.

Os jornalistas e profissionais dos meios de comunicação sempre têm uma acepção na ponta da língua para tais acontecimentos: apegam eles na famosa e importante idéia da garantia de liberdade de imprensa garantida em um estado de direito e em democracia consolidada. Todavia, esquecem que liberdade não é libertinagem e liberdade negativa não é a positiva. Mais que isso, a nossa democracia não está consolidada e a mídia, por vezes, para não dizer em grande parte de sua história, viveu atrelada aos interesses das elites e aos desmandos de quem teve ou possui o poder estatal em mãos.

No caso de Lindemberg Alves, um garoto de 22 anos, ex namorado da vítima, os jornalistas ainda são mais perversos. Um bom observador verá que estão criando uma imagem de um sujeito anormal, sem escrúpulos, assassino, com problemas psicológicos, um verdadeiro psicopata oriundo de família desestruturada e por aí vai. Existe uma completa construção de um agente que, no caso em questão, somente Deus saberia o que estava se passando na cabeça dele. A psiquiatria forense, os doutos em segurança pública, os advogados do campo penal e os psicólogos de porta de cadeia ainda ajudam na construção deste Leviatã. Tudo isso é mais compelxo e o tempo para processamento das idéias é mais do que necessário. Nem tudo possui respostas. Nos é permitido somente o campo das hipóteses e para isso sugiro a cultura da responsabilidade. Que nos apeguemos às consequências e no que estamos fazendo em tempos de "modernidade recente". O caso do cárcere privado que se alongou por dias mostra uma face oculta da sociedade, na qual as gerações estão em tácito conflito e o hedonismo e a banalidade da vida parecem norma.

A mídia, além de irresponsável, aparentemente, contribui para a ansiedade coletiva. Como se vê, mais casos de sequestros vêm aparecendo. Não é que eles inexistiam, mas é que se trata da mercadoria da moda que está em grande procura no mercado. Eloá, Nayara e Lindemberg tornaram-se atores protagonistas na Globo e outras emissoras justamente porque avançaram no horário nobre. A polícia, o Ministério Público, a comunidade e até os traficantes particiaparam como coadjuvantes do grande drama porque passa a família de Eloá. Penso que todos temos um pouco de culpa. Não duvido que havia, inclusive, o interesse de muitos na continuidade do acontecimento. Em tempos de crise econômica e apatia política, são desses eventos que muitos andam se empanturrando e aproveitando. O espetáculo sujo e nojento dos “outros”, notadamente das famílias pobres que se tornam celebridades, é o circo perfeito para maximizar o grotesco, o bizarro e a falácia do jornalismo ético que a TV, os jornais, o rádio e a internet teimam em mostrar. Como a novela ainda não acabou, esperemos os próximos capítulos, consequentemente os resumos nos jormais, nos rádios e na TV. Para que Eloá não se torne somente uma cena, à família da vítima, meus eternos sentimentos.

23 de outubro de 2008