Liberdade, ainda que tardia!
Parece que foi há muito tempo que um movimento utilizou esse lema, mas é ainda mais curioso o quanto ele se aplica ainda nos dias de hoje. E essa liberdade tão ansiada não nos pertence porque a democracia se mascara de negro e castra direitos que são inquestionáveis.

No último dia dezesseis de outubro, a cidade de São Paulo assistiu a uma barbárie envolvendo as duas forças policiais que deveriam estar unidas contra os desmandos desse atual governo e não se digladiando como se ainda vivêssemos na Idade Média. Talvez seja interessante as pessoas tomarem ciência de alguns fatos antes de crucificar os policiais civis que estavam na manifestação que culminou naquele espetáculo de horror assistido pelos meios de comunicação do mundo inteiro.

Em primeiro lugar, nós não pretendemos seguir o conselho que nos foi dado que soaria como piada se não tivesse sido veiculado em um jornal: procurar outro emprego. Ao contrário da opinião desse cidadão, nós preferimos lutar para melhorar dentro da profissão que escolhemos e amamos. Essa sugestão nos remete a matar a vaca para acabar com o carrapato ao invés de usar um carrapaticida e matar apenas o que não presta, nesse caso um (des)governo que acabará em breve. Eles passam, nós não!

Os policiais civis são obrigados por decreto a portar armas, algemas, distintivos e funcionais durante as vinte e quatro horas do dia, porque somos regidos por um Regime Especial de Trabalho Policial. Quem trabalha na iniciativa privada, termina seu expediente e vai pra casa tranqüilo; o policial pode ser acionado a qualquer hora porque é para isso que serve esse regime: para nos manter de sobreaviso o tempo todo.

Como não estamos em férias e mesmo em greve, precisamos cumprir a lei, pois a legalidade do nosso movimento é garantida por liminar do Supremo Tribunal Federal mas dentro das condições que exigem inclusive a manutenção de um efetivo de 80% trabalhando nas unidades policiais. Assim como a ferramenta de trabalho do cirurgião é o bisturi, a nossa é a arma de fogo, o que não significa que façamos mau uso dela, assim como não o fazem com um instrumento de corte na mão. Nós respeitamos nossa profissão o suficiente para usá-la com parcimônia e sapiência.

E apesar do caráter pacífico da manifestação, que contava com a presença de policiais aposentados, esposas de policiais militares (eles mesmos!), crianças e jovens, fomos recebidos com projéteis de borracha, gás lacrimogêneo e bombas de efeito moral, que foram lançados indiscriminadamente, vindo em seguida a Tropa de Choque com cassetetes que não escolhiam alvo, alcançando inclusive os próprios colegas que vinham à frente! E as únicas viaturas da Polícia Civil que se encontravam no local eram das especializadas GOE e GARRA, que ali estavam a fim de manter a segurança dos manifestantes e a ordem pública, sendo que o desfecho só não foi mais trágico graças a ação valorosa desses maravilhosos policiais.

A "explicação" do governo foi a de que o Palácio dos Bandeirantes é uma área de segurança e nós não podíamos entrar, mas no dia dezesseis de junho, os agentes fiscais de renda fizeram uma manifestação semelhante no mesmo local e não sofreram qualquer represália. Acaso são eles mais cidadãos do que nós, policiais civis? Porque dois pesos e duas medidas para servidores públicos com os mesmos direitos ao exercício democrático da greve reivindicatória? Não é apenas uma questão salarial, é um resgate da dignidade do servidor que atua como polícia judiciária num estado que arrecada 40% do PIB do país mas trata seus funcionários com ironia e descaso, mascarando fatos e empurrando com a barriga uma questão que vem se arrastando por quatorze anos.

Neste momento, estamos resgatando nossa dignidade, nosso amor-próprio e voltando às nossas origens! Só conseguiremos ser respeitados como deve ser se mantivermos nosso auto-respeito para conosco. Dessa forma, poderemos encarar a comunidade com a cabeça erguida pois quem não exercita seus direitos não merece exercê-lo em benefício de outrem. Mas ainda assim, nós, policiais civis do Estado de São Paulo amamos nossa profissão e por isso não desistimos dela. E foi preciso um tremendo e lamentável equívoco como esse para arraigar mais ainda esse amor que, às vezes, fica latente diante de tantas injustiças a que temos sido submetidos.

Esse é o espírito de cada um dos policiais civis que pleiteiam melhores condições de trabalho. Nós arriscamos a vida por opção e amor ao trabalho mas merecemos ser tratados com mais respeito, somos policiais e não palhaços!


Akasha De Lioncourt
Akasha De Lioncourt
Enviado por Akasha De Lioncourt em 24/10/2008
Reeditado em 18/11/2009
Código do texto: T1245022
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