A MULHER CRISÁLIDA NA POESIA MACHADIANA

O Doutor Mário Chamie, em conferência pronunciada na ABL (Academia Brasileira de Letras), declarou que a genialidade de Machado ensina que “a literatura de um autor é uma unidade escrita”. Chamie provavelmente remete ao desprezo que se deu à poesia machadiana por longos anos, colocando-a abaixo até de um segundo plano.

De forma específica, a respeito da poesia de Machado de Assis, Chamie se reporta aos poemas centrais e os classifica como “poética narrativa”, como em Crisálida. A respeito de À Corina, percebe que ela “(...) não é necessariamente uma musa. É o 'emblema da escrita', porque é a escrita que, segundo Machado, ‘vai reunir o céu ao mar’. E é assim que Machado fala de Corina. Corina une o céu ao mar.”

Cláudio Murilo Leal, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, também conferenciou na ABL tratando do tema A vocação narrativa da poesia de Machado de Assis. Considerou que a obra poética machadiana compõe o perfil cultural e literário desse autor de contos, crônicas, teatro e crítica e, assim, não teria nos versos uma obra menor.

Cláudio chegou à conclusão que a vocação de Machado era a de uma poesia do tipo narrativo onde o poeta se superou, tendo, inclusive, escrito “poemas leves, alados, líricos, românticos também, sentimentais, confessionais como Corina e outros; e o último da vida dele, À Carolina.

Sílvio Romero foi o crítico mais impiedoso da poesia de Machado e, o citado conferencista inclui que a índole do talento de Machado de Assis

“(...) é inteiramente alheia à verdadeira poesia. Nem lírico e nem épico poderá jamais ele ser. Para lírico, falta-lhe, por um lado, imaginação vivaz, alada, rápida, apreensora, capaz de reproduzir as cenas da natureza ou da sociedade, e daí a sua incapacidade descritiva e seu desprazer pela paisagem”.

Neste ano do centenário de morte do poeta, a obra Toda Poesia de Machado de Assis, organizada por Cláudio Murilo Leal, (Record, 2008) está entre os mais importantes lançamentos.

Josué Montello, jornalista, professor, romancista, cronista, ensaísta, historiador, orador, teatrólogo, Cadeira n. 29 da Academia Brasileira de Letras, estudioso da obra machadiana prestou o seguinte depoimento sobre Carolina:

"Dona de si mesma, tinha os seus namorados, e desses namoros ficaram várias denúncias ou pelo menos vários textos de namorados dela, de pessoas com as quais ela conviveu. E o Massa, francês, que fez um levantamento da vida do Machado e dela, teve a imprudência de contar esses pequenos episódios. Mas ainda bem que, quando se lê o Machado de Assis, sobretudo o Machado de Assis do Dom Casmurro, chega-se a um ponto em que tudo aquilo que ocorreu com a personagem podia ter acontecido, imaginariamente, com a Carolina, porque o nosso Machado de Assis, de quem não se conhece outros romances a não ser aquele que viveu com a Carolina, teve sempre um comportamento austero, que o torna - e as mulheres não sabem disso - um grande exemplo para as mulheres ciumentas".

Ubiratan D’Ambrósio, referindo-se aos trabalhos de Josué Montello, comenta que a crítica de Sílvio Romero a Machado corre por conta de que o sergipano não tolerava a supremacia do sucesso do “Bruxo” sobre o conterrâneo, Tobias Barreto de Menezes. Sílvio escreveu o livro: Machado de Assis; Estudo Comparativo de Literatura Brasileira, em 1897,com o objetivo de diminuir o criador de Brás Cubas perante Tobias Barreto.

Ubiratan joga alguma luz sobre a questão do inconformado Sílvio:

"O sereno Machado e o exaltado Romero tinham temperamentos opostos. Este último chegou a escrever do autor de Dom Casmurro: 'Esse pequeno representante do pensamento retórico e velho no Brasil é hoje o mais pernicioso enganador, que vai pervertendo a mocidade (...). O autor de Brás Cubas, bolorento pastel literário, assaz o conhecemos por suas obras, e ele está julgado. '

A desavença começara quando Romero combateu, em maio de 1870, o “lirismo”, o “subjetivismo” e o “humorismo pretensioso” de Falenas, segundo livro de poemas de Machado de Assis. Em seguida, Machado emitiu, no ensaio “A nova geração”, a seguinte opinião sobre os poemas do livro Cantos de Fim do Século, de Romero: '(...) podem ser também documento de aplicação, mas não dão a conhecer um poeta; e para tudo dizer numa só palavra, o Sr. Romero não possui a forma poética".

Somente em 1905, já após o convívio na ABL, fundada em 1897, Romero elogiou o escritor carioca pela publicação das Poesias Completas. O curioso é que Machado, ao que se sabe, não era culpado do silêncio que recaíra sobre a vida e a obra de Tobias Barreto. Mais significativo ainda é que Machado nunca respondeu aos sucessivos ataques de Romero".

O poeta César Leal foi categórico ao afirmar em conferência na ABL:

"(...) quando falamos em Machado de Assis como poeta, o que eu mais desejaria aqui seria verificar o quanto pode, às vezes, a força de um crítico que ganha um nome, um forte nome e ataca um poeta.

Machado de Assis foi quase afastado da poesia por Sílvio Romero".

Outras críticas, positivas ou negativas, dão conta que:

"Machado reúne os pré-requisitos da genialidade. Possui exuberância, concisão e uma visão irônica ímpar do mundo. Procuro um grande poeta brasileiro vivo. Até agora não encontrei nenhum." Harold Bloom, crítico literário norte-americano, sobre o escritor brasileiro Machado de Assis Fonte: Revista Época Edição 246 - 03/02/2003

"Desde a escola, somos condicionados a acreditar que se trata de um grande escritor. Assim, todo mundo repete isso, mesmo sem ter lido uma linha. Eu nunca disse que não gostava de Machado de Assis, mas o considero um escritor de segunda (...)". Millôr Fernandes, escritor e dramaturgo brasileiro Fonte: Entrevista dado ao Estado de São Paulo em 15/09/2007

Deixando à parte essas considerações iniciais, dirigimo-nos ao tema ao qual fazemos leve visita _ assim como um vôo de borboleta _ à mulher na poesia de Machado de Assis.

Corina foi a primeira musa de Machado, antes de Carolina, a mulher com quem viveu um casamento de 35 anos.

Machado de Assis eliminou 17 poemas de Crisálidas e o posfácio que escreveu, alterou versos, arrependendo-se depois. Cortou o famoso "Esta a glória que fica, eleva, honra e consola", dos Versos a Corina, que passou a ser a divisa da ABL.

De acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa (http://www.dicionariodeportugues.com/?busca-palavra=crisálida), crisálida é:

s.f. Terceiro estado do ciclo de vida da borboleta. &151; Quando a lagarta atinge o seu desenvolvimento completo, solta a pele e produz a dura casca protetora da crisálida. A crisálida fica pendurada numa almofada de seda, presa por uma espécie de gancho ou ainda por uma faixa de seda que envolve o seu corpo. Não possui casulo. O corpo da borboleta se desenvolve sob a casca da crisálida. Finalmente, a casca se rompe e a borboleta sai. / Fig. Coisa latente.

Nossa intenção não é a de fazer um estudo da forma poética, da composição em si, da métrica, do esquema / classificação das rimas. Com essas coisas pequenas da gramática do verso não incomodaremos Machado, dizendo, por exemplo, que não caprichou nas rimas, usando-as pobres e imperfeitas como na primeira estrofe dos Versos à Corina: beijo/desejo; Senhor/amor; entoava/palpitava; ser/viver; fontes/horizontes; região/redenção, etc.

Queremos divisar a figura nos olhos do homem voluptuoso e sensual que coloca a mulher, no sentido figurativo da palavra crisálida (coisa latente), no cenário da natureza, ser supremo, “capaz de unir terra e céu”, “olhar de garça”. Mas, como será o olhar da garça, a não ser nos “olhos mortais” do poeta? Dirá algo de especial o olhar dessa garça cheia de graça cujo colo arfa junto com o da mãe natureza?

Corina, de qualidades vivificadoras, flor aberta e fresca e ardente, “Corpo de fascinar, alma de querubim”, séria como Juno (ou Juno Lucina, também conhecida como Hera na mitologia grega, esposa de Júpiter e rainha dos deuses) e bela como Helena (outra personagem da mitologia grega, filha de Zeus e de Leda), dominadora e extasiante em sua antítese de anjo e carne.

Machado se mostra em total intimidade de amor idealizado e sopra em nossos ouvidos o sussurro apaixonado:

Amemos! diz a flor à brisa peregrina,

Amemos! diz a brisa, arfando em torno à flor;

Cantemos esta lei e vivamos, Corina,

De uma fusão do ser, de uma efusão do amor.

O poeta sedento, em seu idílio amoroso, demonstra a entrega total a essa reunião de deusas em uma só mulher: Juno, Helena e Hebe, esta, a deusa da juventude, filha de Zeus e Hera e mulher de Héracles/ Hércules:

Ao longo do poema, Machado excita e fica excitado, em transe, move-se do real ao irreal, se levanta do chão da lascívia e se lança ao delírio platônico, mártir da sedução.

Visão de amor infinito,

Visão de perpétuo gozo

Perpassava e me atraía,

Como um sonho voluptuoso

De sequiosa fantasia.

Ergui-me logo do chão,

E pousei meus olhos fundos

Em teus olhos soberanos,

Ardentes, vivos, profundos,

Como os olhos da beleza

Que das escumas nasceu...

Eras tu, maga visão,

Eras tu o ideal sonhado

Que em toda a parte busquei,

E por quem houvera dado

A vida que fatiguei;

Por quem verti tanto pranto,

Por quem nos longos espinhos

Minhas mãos, meus pés sangrei!

Desesperado em sua visão, o vate-Ícaro, em versos que saibam a Dirceu de Marília, sucumbe ao sonho de alcançar a estrela:

A tudo mais, — a minha fantasia

As asas colherá com que algum dia

Quis alcançar os cimos elevados.

És tu a maior glória de minha alma,

Se o meu amor profundo não te alcança,

De que me servirá outra esperança?

Que glória tirarei de alheia palma?

Tu que, como a ilusão, entre névoas deslizas

Aos versos do poeta um desvelado olhar,

Corina, ouve a canção das amorosas brisas,

Do poeta e da luz, das selvas e do mar.

Em Musa Consolatrix, Machado de Assis evoca a figura da mulher, seio de paz acolhedor, beleza clássica de Alcione (filha de Éolo, deus dos ventos, casada com Ceix, rei da Tessália morto em um naufrágio. Alcione jogou-se ao mar e, segundo a lenda, os dois se transformaram em uma ave marinha).

A alma triste do poeta sobrenada

À enchente das angústias,

E, afrontando o rugido da tormenta,

Passa cantando, alcíone divina.

No poema Visio, a mulher surge etérea, convidativa, perfeita. Novamente Machado se aninha antevendo nos páramos celestiais a concretização dos seus sonhos. A realidade cruel, entretanto o coloca outra vez ao solo das decepções. A mulher da visão tem os mesmos traços de personalidade de Corina, sedutora e anjo discreto:

Eras pálida. E os cabelos,

Aéreos, soltos novelos

Sobre as espáduas caíam...

Os olhos meio cerrados

De volúpia e de ternura

Entre lágrimas luziam...

E os braços entrelaçados,

Como cingindo a ventura,

Ao teu seio me cingiam...

Depois, naquele delírio,

Suave, doce martírio

De pouquíssimos instantes

Os teus lábios sequiosos,

Frios, trêmulos, trocavam

Os beijos mais delirantes,

E no supremo dos gozos

Ante os anjos se casavam

Nossas almas palpitantes...

Depois... depois a verdade,

A fria realidade,

A solidão, a tristeza;

Daquele sonho desperto,

Olhei... silêncio de morte

Respirava a natureza, —

Era a terra, era o deserto,

Fora-se o doce transporte,

Restava a fria certeza.

Desfizera-se a mentira:

Tudo aos meus olhos fugira,

Tu e o teu olhar ardente,

Lábios trêmulos e frios,

O abraço longo e apertado,

O beijo doce e veemente;

Restavam meus desvarios,

E o incessante cuidado,

E a fantasia doente.

Há ainda Stella, mulher e estrela. Figura feminina metafórica em cujos seios o apaixonado e sensual poeta vê o dia amanhecer:

Mas tu, que o devaneio

Inspiras do poeta,

Não vês que a vaga inquieta

Abre-te o úmido seio?

Vai. Radioso e ardente,

Em breve o astro do dia,

Rompendo a névoa fria,

Virá do roxo oriente.

Dos íntimos sonhares

Que a noite protegera,

De tanto que eu vertera,

Em lágrimas a pares,

Do amor silencioso,

Místico, doce, puro,

Dos sonhos de futuro,

Da paz, do etéreo gozo,

De tudo nos desperta

Luz de importuno dia;

Do amor que tanto a enchia

Minha alma está deserta.

A virgem da manhã

Já todo o céu domina...

Espero-te, divina,

Espero-te, amanhã.

No poema Sinhá, Machado retorna à mulher anjo, como o fez Gregório de Matos Guerra, em versos de sua fase lírica: Anjo no nome,/ Angélica na cara / Isso é ser flor, e Anjo juntamente/ Ser Angélica flor, e Anjo florente/ Em quem, se não em vós se uniformara?

O suave anjo do poeta em êxtase suplanta a natureza que celebra a doçura de seu nome:

Nem o perfume que expira

A flor, pela tarde amena,

Nem a nota que suspira

Canto de saudade e pena

Nas brandas cordas da lira;

Nem o murmúrio da veia

Que abriu sulco pelo chão

Entre margens de alva areia,

Onde se mira e recreia

Rosa fechada em botão;

Nem o arrulho enternecido

Das pombas nem do arvoredo

Esse amoroso arruído

Quando escuta algum segredo

Pela brisa repetido;

Nem esta saudade pura

Do canto do sabiá

Escondido na espessura,

Nada respira doçura

Como o teu nome, Sinhá!

Esta tentativa de buscar o perfil da mulher na poesia e nos sonhos machadianos encontra pedaços de um retrato que tem traços de Marília e de Angélica. A musa de lábios de serafim entoa cantos celestiais, como em Brisas:

Deu-nos a harpa eólia a excelsa melodia

Que a folhagem desperta e torna alegre a flor,

Mas que vale esta voz, ó musa da harmonia,

Ao pé da tua voz, filha da harpa do amor?

Diz-nos tu como houveste as notas do teu canto?

Que alma de serafim volteia aos lábios teus?

Donde houveste o segredo e o poderoso encanto

Que abre a ouvidos mortais a harmonia dos céus?

A magna mater, Cibele, ou A Mãe dos Deuses, que Sófocles chamou de A Mãe de Tudo, é a deusa dos mortos, da fertilidade, da vida selvagem, da agricultura e da Caçada Mística. Era representada como uma mulher madura, com grandes seios, coroada com espigas de trigo, vestida com flores e folhas e carregando várias chaves. Aí estão os seios tão admirados por Machado.

Cibele era também a Rainha da Noite e da Lua, mãe de Átis, um deus lunar que usava a lua crescente como uma coroa, filho e amante da própria mãe. Ocorre que Machado de Assis perdeu ainda muito cedo, a irmã e a mãe. Em Cibele o poeta retorna ao útero materno.

Mas, se derramo vida a Cibele fecunda,

Que sou eu ante a luz dos teus olhos? Melhor,

A tua é mais do céu, mais doce, mais profunda,

Se a vida vem de mim, tu dás a vida e o amor.

No poema As águas, a figura de palavras mostra o busto nu da mãe de Vênus à frente do poeta em adoração, sugando a luz “de uma plaga a outra plaga”, nos dois bicos de seios, alternadamente:

Chamam-te as águas, vem! tu irás sobre a vaga.

A vaga, a tua mãe que te abre os seios nus,

Buscar adorações de uma plaga a outra plaga.

E das regiões da névoa às regiões da luz!

Na composição As Selvas, o poeta ilumina a cena com a figura clássica de Diana (Roma) ou Ártemis (Grécia), também deusa da lua e da caça:

Mas Diana aparece. A floresta palpita,

Uma seiva melhor circula mais veloz;

É vida que renasce, é vida que se agita;

À luz do teu olhar, ao som da tua voz!

Juntando-se as partes na busca de um perfil feminino, o quebra-cabeça mostra ao longe um rosto híbrido, feito a partir de peças de Marília, Angélica, Cibele, Vênus, Diana. São dourados os belos cabelos encimados por uma coroa de flores da inatingível musa do Olimpo machadiano:

Dos teus cabelos de ouro, que beijavam

Na amena tarde as virações perdidas,

Deixa cair ao chão as alvas rosas

E as alvas margaridas.

Além de cantar harmoniosamente, a criatura divina tocava um instrumento musical. Lúcia, de apenas quinze anos, loira e pálida:

Nós estávamos sós; era de noite;

Ela curvara a fronte, e a mão formosa,

Na embriaguez da cisma,

Tênue deixava errar sobre o teclado;

Na embriaguez da cisma a sós estávamos

E tínhamos quinze anos!

Colecionando outras peças do retrato da inspiradora de Machado de Assis, em Versos a Corina, vamos nos deparar com um exagerado quadro de beleza representada por Leonor, Lídia, Beatriz, Catarina, Cíntia, Lésbia, Delia. A contemplação do Belo, “Esta a glória que fica, eleva, honra e consola”: é o que resta a Machado.

Que valem glórias vãs? A glória, a melhor glória

É esta que nos orna a poesia da história;

É a glória do céu, e a glória do amor.

É Tasso eternizando a princesa Leonor;

É Lídia ornando a lira ao venusino Horácio;

É a doce Beatriz, flor e honra do Lácio,

Seguindo além da vida as viagens do Dante;

É do cantor do Gama o hino triste e amante

Levando à eternidade o amor de Catarina;

É o amor que une Ovídio à formosa Corina;

O de Cíntia a Propércio, o de Lésbia a Catulo;

O da divina Délia ao divino Tibulo.

Esta a glória que fica, eleva, honra e consola;

Outra não há melhor. Se faltar esta esmola,

Corina, ao teu poeta, e se a doce ilusão,

Com que se alenta e vive o amante coração,

Deixar-lhe um dia o céu azul, tão tranqüilo,

Nenhuma glória mais há de nunca atraí-lo.

Irá longe do mundo e dos seus vãos prazeres,

Viver na solidão a vida de outros seres,

Vegetar como o arbusto, e murchar, como a flor,

Como um corpo sem alma ou alma sem amor.

A utilização da mitologia greco-latina, o platonismo que remete à beleza e ao amor inatingíveis (só contempláveis em outro universo), além dos prazeres dos sentidos carnais, são elementos suficientes para desvelar a face de uma musa-deusa, de dupla face, ou talvez uma serpente com sete cabeças.

É de se notar também nos versos examinados as características do subjetivismo, da idealização da mulher, do sentimentalismo, e da natureza em interação com o eu lírico, típicos do Romantismo. Clássica e romântica, anjo e carne é a crisálida de Machado, um ser que experimenta três fases de vida até se transformar e, voando, se libertar.

Sem dúvida, o poeta das Crisálidas foi um verdadeiro romântico no tema e parnasiano na forma, pelo menos no soneto com o qual se despediu de sua musa maior, Carolina Augusta Xavier de Novais, mais lagarta (bicho-da-seda) do que deusa grega.

A CAROLINA

Querida, ao pé do leito derradeiro

Em que descansas dessa longa vida,

Aqui venho e virei, pobre querida,

Trazer-te o coração do companheiro.

Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro

Que, a despeito de toda a humana lida,

Fez a nossa existência apetecida

E num recanto pôs o mundo inteiro.

Trago-te flores, - restos arrancados

Da terra que nos viu passar unidos

E ora mortos nos deixa e separados.

Que eu, se tenho nos olhos malferidos

Pensamentos de vida formulados,

São pensamentos idos e vividos.

REFERÊNCIAS

Chamie, Mário. A poesia de Machado de Assis. 05/12/2000

http://www.academia.org.br/abl_minisites/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?UserActiveTemplate=machadodeassis&infoid=265&sid=37

Leal, Cláudio Murilo. A vocação narrativa da poesia de Machado de Assis 28/11/2000

http://www.academia.org.br/abl_minisites/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?UserActiveTemplate=machadodeassis&infoid=265&sid=37

Leal, César. Machado de Assis poeta e crítico da poesia. 21/11/2000

http://www.academia.org.br/abl_minisites/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?UserActiveTemplate=machadodeassis&infoid=265&sid=37

http://www.clicrbs.com.br/diariocatarinense/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&source=a1809958.xml&template=3898.dwt&edition=9554&section=853

D’Ambrósio, Oscar. Os detratores e desafetos do “Bruxo do Cosme Velho”. In Jornal da Tarde, 24/10/1998

http://www.revista.agulha.nom.br/machado03.html#oscar

www.academia.org.br.

Assis, Machado. Obra completa, vol. II. Nova Aguiar, Rio de Janeiro, 1994

http://www.machadodeassis.org.br/abl_minisites/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=68&sid=21&UserActiveTemplate=machadodeassis

http://portal.mec.gov.br/machado/arquivos/pdf/poesia/maps01.pdf

http://www.dicionariodeportugues.com/?busca-palavra=crisálida

Oliveira, José Osório. História breve da literatura brasileira,

2 ed. São Paulo: Livraria Martins editora, 1954.

Crisálidas

Texto-fonte:

Obra Completa, Machado de Assis, vol. II,

Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1994.