Escolhemos quem somos

Não escolhemos onde nascemos.

Não escolhemos como nascemos.

Mas escolhemos como vivemos. Como seremos. O que faremos.

Todos os dias nos deparamos com a desigualdade social que faz do Brasil um dos países com pior distribuição de renda do mundo. Ao passar por qualquer rua, qualquer bairro, em qualquer cidade do país, nos chocamos com essa desigualdade de modo constrangedor. Mesmo em nossos dias mais alegres, ao tomar um sorvete, ao dobrar uma esquina, ao parar em um cruzamento, nos sentimos desafiados por uma situação que, desde o berço, priva boa parte das pessoas do acesso à saúde, à educação, à segurança, à alimentação, à moradia... tantos direitos assegurados pela Constituição Brasileira, pela Declaração dos Direitos Humanos e pela nossa própria consciência, mas que ainda estão tão distantes de se concretizarem...

Sentimo-nos constrangidos por nossa própria boa sorte, e por não saber como agir, nos abstemos. Para livrar nossa consciência da incômoda sensação de culpa, atribuímos a responsabilidade aos govermos todos, à política, aos bancos estrangeiros... E prosseguimos. De vez em quando nos livramos daquilo que nos sobra, de que nos cansamos ou para o que não achamos espaço, e sentimos um alívio momentâneo. Pela insistência de um pedido, ou pelo constrangimento de uma situação, contribuímos semi-compulsoriamente, para nos livrarmos rapidamente do incômodo.

A dinâmica de nossos dias não nos deixa tempo suficiente para pensarmos, para refletirmos sobre questões mais amplas do que nossas próprias necessidades ou interesses imediatos. Ainda que nosso cotidiano tenha sido facilitado com as máquinas que fazem parte do trabalho, o tempo sempre nos falta, nos escapa por entre os dedos, e por isso adiamos a reflexão sobre as 'grandes questões', concentrados na sobrevivência, na satisfação dos desejos e em alcançar metas que nos colocamos.

A humanidade avançou muito, vivemos possibilidades que pareciam impossíveis há poucas décadas. Dominamos o genoma humano, mas ainda não aprendemos a conviver. Podemos nos comunicar com pessoas do outro lado do mundo, mas fingimos que não vemos quem está bem do nosso lado.

Não estamos sós, não inventamos essas estratégias, fomos nelas envolvidos sem perceber. Não somos culpados delas, não criamos a injustiça, nem inventamos a indiferença. Elas estavam aí antes de nascermos, mas nós as aprendemos por imitação, socializados no mundo do qual elas já faziam parte, involuntariamente assumindo comportamentos, idéias e valores sociais que faziam parte de nossa cultura.

Mas estaremos nós condenados a ser como somos, ou como aprendemos a ser? Poderemos nós ser mais do que somos, escolher individualmente quem e como seremos?

Não haveria educação se assim pensássemos. Se acreditássemos que 'somos o que somos' e que não há espaço para mudança, por que aprenderíamos? A educação é irmã da esperança, ela tem fé no ser humano, sabe que a consciência liberta, que o pensamento recria, que a reflexão renova.

Precisamos de educação mais do que tudo.

Precisamos também pensar sobre a educação de que precisamos.

Não vale a pena uma educação que não abra os olhos, que não aumente o campo de visão, que não se debruce sobre o mundo, que não creia na grandeza e na beleza do ser humano.

E de todo ser humano que há no mundo.

Não adianta aprender a fazer sem saber por que o fazemos.

Pensar se aprende. Ser também se aprende.