Fringe é herdeira direta dos X-Files

Se fosse um capítulo de início de temporada eu já iria achar - no mínimo – estranho. Como sequel de 9 temporadas e um longa-metragem, temo que “extravagante” seja pouco para definir o novo (segundo) filme da franquia “Arquivo X”.

Não por acaso venho acompanhando – da maneira que dá, uma vez que a série ainda não estreou no Brasil – os mistérios de “Fringe”, nova empreitada do “mago” J. J. Abrahams, criador de “Lost”. Hoje por exemplo vi o capítulo 6, aquele da cabeça que explode na lanchonete. E logo a seguir assisti aos X-Files, também repleto de cabeças cortadas. Talvez as comparações sejam inevitáveis.

Conduzido a partir de um fiapo de história (Mulder é chamado para ajudar a entender o papel de um ex-padre pedófilo e “psychic” na busca por uma agente do FBI que desapareceu – o novo “X Files” tem tudo para decepcionar os velhos fãs. Trama chinfrim, sem grandes enigmas – no filão, “Fringe” é menos crível mas mais divertido – ausência total e absoluta de extraterrestres e ou conspirações governamentais. Há sim um beijo - talvez dois, se considerarmos um selinho de mau-grado – e muito, mas não muito mais. Conheceremos o novo escritório de Mulder (dããã!) e passaremos longos minutos confundindo a Dra. Scully com algum personagem do “Gray's Anatomy” em suas andanças pelo Our Lady of Sorrow Hospital. Reveremos o Skinner, na pontinha mais fraca da história do cinema. E ainda teremos que rir para não chorar com a pouco discreta crítica (crítica) ao governo W. Enfim: é pouco.

Lembro-me da sensação vertiginosa de liberdade criativa que a série injetou na televisão em seu início e não consigo gostar do que vejo agora. Chris Carter ousou – ou ab-usou – da quebra de paradigmas na (re)construção dos personagens a tal ponto que eles viraram caricatura de si mesmos, presos a estereótipos que a prórpia série fazia questão de elipsar. Lembro-me da X-mania e na qualidade de antigo “excer” digo, de todo coração, que eu gostaria de acreditar. Mas não dá.

Fica a sensação de que os tempos são outros, a mesma que senti ao rever recentemente o primeiro episódio da série - mas agora, de origem diversa. Antes de assitir ao novo filme, no confronto “X” versus “Fringe”, destacava-se o primeiro - pelos diálogos espertos e bem construídos, pela tranqüilidade com que a edição dava tempo ao desenvolvimento dos personagens, pela profundidade com que abordava cada tema em particular. Mulder e Scully marcaram época porque personalizaram o confronto entre ceticismo e fé, em suas tentativas vãs de separar o que simplesmente não é crível daquilo que é real mas não tem explicação. Ao afirmar que “a verdade está lá fora”, a série deixava suspenso qualquer compromisso com esta mesma verdade, abrindo caminho para a difusão (pelo menos midiática) de conhecimentos outrora considerados periféricos, como extraterrestres, ovnis, monstros diversos e paranormalidades de toda sorte. Somente depois do advento dos X-Files tais temas passaram a ocupar não só o horário nobre da televisão aberta como também a programação de sóbrios canais científicos como NatGeo, THC e Discovery.

E que, não por acaso, voltam à tona em Fringe. Editada com a mão pesada característica da geração videoclipe, Fringe é rápida e certeira, porém recheada de clichês que, de toleráveis na década passada, quando os X Files surgiram, passaram a soar apelativos e indigentes hoje. Apesar da fragilidade do mote inicial, porém, a série começa a se firmar em sua mistura sui generis de ação e mistério. Contribui e muito para isso a excelente quadra de atores protagonistas, com os excelentes Joshua Jackson e Anna Torv (belíssima!) a ladear os fantásticos Lance Reddick (Broyles) e John Noble, sensacional na pele do louco Dr. Bishop.

Algo que se dá também no novo Arquivo X, onde Mulder e Scully são defendidos com galhardia pelos já veteranos David Duchovny e Gillian Anderson. Se suas rugas emprestam credibilidade aos personagens, o mesmo não se pode dizer da história, que envelheceu mal e mais parece uma daquelas (terríveis!) continuações caça-níquel que os estúdios vendem para outro roteirista ou diretor por puro desinteresse do autor original. Apesar de escrita pelo próprio Chris Carter. Mas que venha o próximo, desta feita com orçamento milionário, espaçonaves alienígenas e muita confusão. A melhor série de TV dos anos 90 não pode acabar assim.

E que bom que a “fringe science” ocupa de novo o horário nobre da televisão americana, especialmente se for para contribuir com indagações éticas imprescindíveis para este início de século. Se assim o fizer, poderá, talvez, um dia, ser conhecida como “o X-Files dos anos 2000”.

Renato van Wilpe Bach
Enviado por Renato van Wilpe Bach em 02/11/2008
Código do texto: T1261349
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