VOU ENCOSTAR MEU VIOLÃO

Eu deveria estar chorando e não sei porque estou rindo. Estou assistindo o ocaso da liberdade para diversão e estou rindo.

Estou aqui ouvindo Noite Ilustrada cantando um velho samba, de autoria não sei de quem: “Vou encostar meu violão/ meu tempo passou/ adeus noitada/ adeus batucada/ o boêmio cansou.”

Se fosse emplacar a portaria da Secretaria de Segurança Pública, a profecia que era individual se tornaria pública. A boemia que nunca cansa, está sendo ceifada por mais um atentado- entre milhares – à liberdade de diversão. Uma lei esdrúxula e mal copiada agora recebe a cancela da Seseg para ser executada por qualquer guardinha truculento e corrupto e assim atazanar a vida daquele que insiste em permanecer num bar depois das 23 horas.

Que bom seria se pudéssemos simplesmente fechar tudo para que os órgãos de segurança não tivessem trabalho!

Que bom seria se todos os bêbados, prostituas, policiais, juizes, vereadores fossem virtuosos!

Que bom seria ver transformados todos os bares, restaurantes, lanchonetes e pizzarias em igrejas! De quebra, as barulhentas caixas de som que emitem forrós, boleros, bregas, toadas e os demoníacos rocks tocassem apenas louvores!

Que bom seria se a chuva apenas caísse à noite e somente quando estivéssemos no abrigo de nossas casas!

Que bom seria se o vento fosse sempre uma brisa que minimizasse o calor e jamais destelhasse uma casa!

Que bom seria se os carros fossem apenas meios de transporte confortáveis e jamais causa de acidentes e de tristezas!

Que bom seria se histórias de ditaduras fossem apenas parte de livros escolares e não coisas do dia a dia de nosso cotidiano!

Que bom seria se o Distrito Industrial trabalhasse apenas à noite para assim tirar das ruas os marginais desocupados e os pusesse no trabalho!

Eu estou no abrigo do meu lar. Já passa da meia noite. Continuo ouvindo Noite Ilustrada: “As cadeiras do bar/ me parecem mais duras/ o tira-gosto já é não igual/ as madrugadas são bem mais escuras/ umas e outras já me fazem mal...”

Abro a geladeira. Uma cerveja “véu de noiva” se convida a ser aberta. Eu reflito: “Quanto tempo ainda resta até proibirem a cerveja no aconchego do lar?“ Pego ou não pego? Abro ou não abro? Amanhã vou dirigir, será que vou cair no bafômetro? A cerveja continua lá. Mais parece com canela de pedreiro do que com véu de noiva.

Lá fora ouço a sirene de carros de polícia. Estão levando preso mais um empresário que teve a ousadia de vender cerveja a uma alma necessitada depois das 23 horas. Meu cachorro late forte. Também ele já sabe que a polícia está mais perigosa que o ladrão.

Então? Afinal, do que estou rindo?

Luiz Lauschner – Escritor e empresário

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Luiz Lauschner
Enviado por Luiz Lauschner em 02/11/2008
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