SOSSEGO PÚBLICO

Todos gostamos de privacidade em certos momentos. Embora sejamos animais sociais, almejamos momentos de isolamento. Invasão de privacidade não significa apenas flagrar alguém sem roupa na intimidade do banho. Significa, antes de mais nada, respeito por aquilo que outros gostam de fazer e de ouvir.

Quando eu trabalhava à noite necessitava dormir durante uma boa parte do dia. Invariavelmente, às 7 horas da manhã era arrancado do meu sossego por uma boca de som rachada, anunciando: “Compre agora, amiga dona de casa. Compre agora Jaraqui fresquinho, banana pacovã, laranja....” Depois repetia tudo, detalhando preços, cores e amores a todo volume. Chegava a sentir a vibração do som na janela do meu quarto. Ainda bem que não tinha arma, porque a vontade de usar uma era muito grande.

Ao andar por feiras da periferia, e mesmo praças de alimentação, deparamos com um competição de aparelhos de som, cada um querendo demonstrar mais volume. O resultado é um barulho onde nem se entende a música e nem se pode conversar. Lamentavelmente isto ainda acontece em muitos lugares. Nos lugares onde tem o “som ao vivo” os músicos não se contentam a ser pano de fundo. Querem ser o atrativo principal. Querem enfiar a música pelo ouvido adentro, pelo volume, e ainda pedir aplauso.

Os bares estão cada vez mais atendendo as exigências legais que determinam que devem ter isolamento acústico. Mas ainda há muitos que acreditam que a música em volume absurdo atraia e mantenha clientes. O resultado é previsível: ineficiência dos serviços porque os trabalhadores não conseguem entender as ordens dos clientes; reclamações de vizinhos; pedidos de bis por parte de uma minoria que adora ouvir lixo musical como “Créu” e outras.

Para mudar isso, deveríamos fazer uma campanha de conscientização que começasse pelos donos de estabelecimentos. No momento que a casa começa a dosar o som em volume e qualidade seleciona também o seu público. Afinal, as pessoas saem para conversar e se divertir. Todas têm um conceito próprio para o que seja lazer. Os que gostam de barulho terão de procurar casas noturnas com isolamento acústico para não perturbar os vizinhos.

A Abrasel, em seu festival Bar em Bar, segunda edição, divulga um dos slogans: “A música deve encher os ouvidos dos clientes, não a paciência dos vizinhos”. Com isso, casa que mantém música ambiente, não necessita de isolamento acústico, pelo simples fato de não produzir poluição sonora. A campanha é árdua e encontra barreiras em diversas partes do caminho. Mas é direcionada a uma das causas da atual perseguição ao segmento de alimentação fora do lar. Outros slogans fazem parte da campanha, como a proibição da venda de bebidas a menores, o combate à prostituição infanto-juvenil, o alerta aos perigos do álcool e direção entre outros. Tudo numa demonstração que o bar é um lugar de descontração e de encontros de amigos novos e antigos.

Viver em sociedade também exige mudança de hábito. Afinal, a vida seria monótona e sem graça se todos tivéssemos os mesmos gostos.

Com bom senso, persistência e perseverança, até mesmo o vendedor de “Jaraqui Fresquinho” irá descobrir que o som mais discreto conquista a freguesa, dona de casa, no momento em que ela está despachando seus filhos para a escola onde irão aprender o respeito pelo próximo.

Luiz Lauschner – Escritor e empresário.

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Luiz Lauschner
Enviado por Luiz Lauschner em 10/11/2008
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