PIRARUCU UM PRIVILÉGIO RARO

Comer peixe é um hábito de todos os povos que vivem perto de rios ou do mar. O Rio Amazonas, com seus inúmeros afluentes, é um fornecedor permanente de peixes para a população da região. O peixe, como fonte de alimento, é algo tão arraigado que não pode ser chamado de hábito e sim de necessidade. Se não estiver presente todos os dias na mesa do povo ribeirinho a dieta fica prejudicada.

Manaus, a cidade que se multiplicou por seis nos últimos 40 anos e, pelo andar da carruagem não pretende parar, tem dois milhões de bocas que devem ser alimentadas. O Rio Negro que, segundo o poeta, segue seu curso de funcionário público, não consegue ser destruído pela cidade porque é muito mais pujante que ela. O mesmo não se pode dizer dos igarapés do centro e periferias da capital que continuam servindo de esgoto natural para dejetos não só humanos. Os peixes, com isso, estão cada vez mais distantes.

Toda vez que ouço a expressão “o pirarucu é o bacalhau da Amazônia” sinto um certa revolta com essa injustiça. O pirarucu é maior que o bacalhau, é muito mais saboroso é o mais mais. Se os amazonenses têm o raro privilégio de poder saborear o pirarucu com uma certa regularidade não é porque o peixe seja menos importante que o bacalhau. Apenas o mundo não conhece o pirarucu e quem está perdendo com isso é o resto do mundo. A pouca valorização das coisas da terra faz parte da cultura local que prefere torcer por times cariocas e paulistas em detrimento aos clubes locais. Se sente orgulhoso quando dizem que “Manaus é a Paris dos trópicos” quando a capital francesa tem quase tudo criado pela mão do homem e Manaus ainda conserva os traços do Criador.

Quando esta rica terra me acolheu, no início dos anos 80, tive meu primeiro contato com o pirarucu. Um vizinho, que era pescador trouxe-me 4 quilos deste peixe. Achei super gostoso e perguntei se podia obter mais. Ele me prometeu que ao voltar da pescaria me traria. Pode ser uma banda? Pode. Trouxe-me uma banda de 46 quilos. Ainda bem que tinha onde conservar aquele peixe todo. Aprendi a respeitar o pirarucu e a dosar minhas compras.

Causa um certo espanto ouvir falar da extinção do pirarucu quando a oferta do bacalhau só aumenta e ele também é um peixe que tem seu ciclo de reprodução e períodos em que deve ser preservado. Isso nos remete à criação de peixe em cativeiro. A Embrapa já possui uma tecnologia de criação de muitas espécies de peixe em cativeiro. O pirarucu ainda está nas preliminares desta forma de criação. Mas, dado à extensão territorial, à facilidade de formação de barragens na maioria dos municípios, à instalação de tanques rede, ainda sonho com o pirarucu sendo tão popular quanto o frango e consumido com a satisfação de estarmos gerando renda ao produtor, não com o sentimento de culpa de quem está ajudando a extinguir um animal pré-histórico.

Muitos puritanos dirão que o sabor do peixe de cativeiro não é comparável a um peixe criado na natureza. Por um lado, eles têm razão. Por outro, se analisarmos a história do frango, vamos descobrir que num passado não muito distante, era comum ouvir dizer que galinha era comida para doente ou mulher parida. Franguinho de granja? Tem gosto de remédio. Hoje, mesmo vindo do sul distante, o consumo de frango rivaliza com o consumo de peixe na capital amazonense. Motivos? Preço e oferta abundante.

A natureza já está protestando em altos brados para que nos preocupemos com a reposição do que dela tomamos. Um boa política de repovoamento dos rios e igarapés não deve ser tão cara e deve ser adotada. De quebra, poderíamos produzir pirarucu e outros com uma fartura tal, que poderíamos até dividir com muitos esse raro privilégio de degustar um pirarucu preparado das inúmeras maneiras, como só o Amazonas pode proporcionar. Por enquanto.

Luiz Lauschner – Escritor e empresário.

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Luiz Lauschner
Enviado por Luiz Lauschner em 23/11/2008
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