Por uma Humanidade mais espiritualizada

POR UMA HUMANIDADE MAIS ESPIRITUALIZADA

Aline Cristina C. Oliveira²

RESUMO

O presente estudo tem como meta elucidar um breve diálogo entre autores que abordam o tema do cuidado humano e do cuidado de enfermagem, a ecosofia, bem como o processo do ensinar e do aprender. A metodologia é um estudo reflexivo, de análise qualitativa, desenvolvido através da pesquisa bibliográfica e análises/discussões realizadas no decorrer da disciplina “Ecologia Virtual Criativa” do Programa do Doutorado em Educação Ambiental da Fundação Universidade Federal do Rio Grande, durante o segundo semestre de 2008.

Palavras-chave: cuidado de enfermagem, humanização, ensinar e aprender

I- Introdução

Este trabalho se propõe a fazer uma breve reflexão sobre o cuidado humano voltado para o cuidado de enfermagem. Dentro desse panorama buscarei a humanização como ponto de partida, já que norteia ou deveria nortear todas as ações de enfermagem.

Como professora do Curso Técnico preocupa-me com a formação destes alunos.E essa preocupação permeia um movimento de auto- reflexão sobre o que é o ensinar, o aprender e o instigar dos discentes valores que os orientem em sua trajetória profissional.

Assim dialogarei com os autores como Boff, Gattari, Waldow e Kohan por entender que em seus diferentes contextos convergem numa mesma temática: os valores humanos devem ser a pedra filosofal de toda e qualquer relação. Educação se faz com amor, com consciência e com diálogo, buscando uma constante ressignificação do ser.

Contudo o que é preocupante na construção de valores humanos, é que o que são esses valores? Como o mundo moderno traz esse tema aos nossos jovens? Como a sociedade percebe esse processo? Entendo que esta ocorrendo uma profunda crise de percepção e o mundo caminha por trajetórias que levam a um vazio existencial. As pessoas reproduzem em suas relações sociais a opressão, o egoísmo, a busca desenfreada pelo ter e se esquecem de quem são e qual o sentido de suas existências.

A desconexão do ser humano com sua essência se faz sentir em todos os seguimentos sociais, inclusive na área de saúde. Talvez aí fique mais explícito pelo fato das pessoas estarem em circunstâncias de extrema fragilidade, ou seja, doentes e com medo do desconhecido, passando por grande sofrimento. E no outro extremo, o dos cuidadores, que também não se encontram em situação diferente, também sendo vítimas de um sistema vicioso do paliativo do cuidar, do tratar o ser humano em partes, como uma máquina, descolado de sua natureza.

Então percebo que a tarefa do educar vai muito além do passar conhecimentos e ela precisa encontrar terra fértil para germinar. O desafio dos educadores é justamente sensibilizar o outro para que crie seus próprios mecanismos do saber preparar a terra, cultivá-la, escolher as sementes para cada circunstância e então lança-las com coragem e determinação. Entretanto falo em desafio, justamente porque o nosso mundo instiga para o oposto e diz: você não precisa plantar, já temos o que você precisa consumir. Assim não pense, apenas conforme-se em ter o que sustentará o mundo do consumo e passe uma vida toda sendo escravo das coisas prontas.

Então, precisamos superar esse paradigma do conformismo e buscar dentro de nós respostas para superar nossas angústias. E esse movimento passa pela ecosofia¹ do saber cuidar, colocando um pouco de filosofia no ensinar e no aprender, (Boff, 2008; Gattari, 2008; Waldow, 2007; Kohan, 2002).

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Ecosofia¹: é o conhecimento do ambiente (gr. oikos=casa+sophia=conhecimento).

II- Objetivos

• Refletir sobre minha prática pedagógica no Curso Técnico de Enfermagem, no processo do ensinar e do aprender;

• Buscar, através, de revisão de literatura, o conceito de Cuidado de Enfermagem e sua prática.

III- Revisão de literatura

Tenho me questionado sobre minha prática de ensino no Curso Técnico de Enfermagem. No ambiente de sala de aula, buscamos ensinar aos alunos conceitos e técnicas que os capacitem para uma profissão. Mas como aperfeiçoar esse processo já que nos deparamos com diferentes contextos e realidades diferentes?

Trabalho na modalidade de Curriculum por competências o que significa que a avaliação não é quantitativa e sim qualitativa já que tem por embasamento conhecimentos, habilidades e atitudes. Assim, a avaliação torna-se um processo complexo em que requer maior comprometimento e acompanhamento ao longo da trajetória escolar.

Por outro lado, deparo-me com alunos vindos em sua grande maioria de supletivos, muitas vezes, semi-alfabetizados, com diferentes culturas e histórias. Todos provenientes de ensino mecanicista que não instiga a pensar. Talvez sejam frutos de um ensino que há muito se petrificou, laminado por sistema capitalista que coloca num mesmo patamar bens materiais e bens culturais. (Gatarri, 2008 ).

Além dos procedimentos técnicos que problematizo em sala de aula procuro artifícios que levem os alunos a pensar em sua prática. No momento em que estão no campo de estágio abre-se as portas para um admirável mundo novo, oportunizando-os a ressignificar seus conhecimentos, buscando novos questionamentos e maneiras de enxergar a profissão. O cuidado de enfermagem a todo instante se faz presente e (Waldow, 2008) entende que o ato de cuidar já é uma expressão humanizadora. Contudo se faz necessário utilizarmos a sábia trilogia de Jacotot no processo do ensinar: “o que vês, o que pensas disso? E o que fazes com isso?” Com esses três questionamentos articulados em prática, podemos formar um ser humano crítico, reflexivo e que valoriza seu conhecimento dando- lhes um verdadeiro sentido.

Então a que se pensar que o ensinar não deve ser meramente explicativo, com respostas prontas e limitadoras. Pelo contrário, ele cria novos questionamentos numa constante busca de apreensão do mundo. De acordo com Kohan (2002: p.178) “ensinar vem do latim insignare, textualmente colocar um signo, colocar um exemplo”. Em suma, dar um significado, um sentido ao conhecimento para que a partir daí possa propiciar valores e atitudes.

O docente tem uma nobre tarefa que é o de aprender ensinando e vice- versa. Mas para que isso aconteça, antes de tudo, devemos ser disseminadores de sonhos e idéias. E quem sabe nosso ensino hoje, a exemplo de Sócrates do Menon, não ensine o caminho da autonomia e da libertação, mas sim do escravo que aprende a buscar por caminhos já trilhados, fórmulas já prontas? Os discípulos ficam limitados e chegam a lugares comuns, ao passo que os mestres caem num terreno infértil do limite de seu conhecimento não reflexivo.

Será que não devemos primeiro aprender a aprender para que geremos o processo do ensinar? Em outras palavras compartilhar experiências, contextualizando o saber e adequando-o a cada realidade e necessidade.

Finalmente, chegamos na tarefa de cuidar, que muitas vezes é compreendida na enfermagem como a simples execução de tarefas, num fazer repetitivo que não valoriza e enxerga o humano, mas sobretudo não se percebe a si mesmo no seu entorno.

Em decorrência disso, questiono-me? Existe cuidado não humanizado, já que todos somos seres humanos? Então isso significa que o humano é algo a parte, inatingível em nossa visão de relacionamento humano. Talvez não queiramos admitir que não temos mais espaço para o humano e sim para um ser que se descaracterizou em sua essência e está escondido de si mesmo.

Percebo que um dos grandes desafios da humanidade do século XXI é justamente encontrar seu referencial interior. No mundo da ciência e da tecnologia em que o acesso a informação é acessível e fácil, buscamos moldar nossos hábitos e comportamentos de acordo com os valores do consumo. Não estou criticando nosso avanço tecnológico, pelo contrário, eles são instrumentos que dispomos para nos sensibilizarmos. Pelo menos, deveriam ser. O fato é, que valores trocamos através deles?

Sinto uma humanidade perdida, que se esconde de sua verdadeira essência, buscando a todo custo mascarar sua constituição. Nos perdemos dentro do arlequim em vez de percebê-lo como um todo em movimento.Recorremos aos extremos (efeito Moebius) e não chegamos a um ponto de equilíbrio, perdendo as preciosidades do caminhar. Para satisfazer os desejos instantâneos e egoístas, instigados para o consumo, assamos porcos queimando florestas e destruímos a continuação de nossa espécie.

Limitar um ser humano é matar a esperança e beleza do mundo e acima de tudo limitar seu potencial cuidador. Boff (2008: p.34) cita Martin Heidegger ao abordar o cuidado como fenômeno embasador que nos possibilita a existência enquanto humana. Acrescenta ainda o cuidado deve ser reconhecido como modo de ser essencial. Na mesma linha de pensamento podemos citar Waldow (2007: p. 117) que entende o processo do cuidar o estar-com (presente de corpo e alma), o ser-com-outro-ser. Então se o cuidado é um modo de ser, o colocar-se no lugar do outro é um sentimento de reconhecimento do humano que somos, de nossos medos, angústias e fragilidades, o que é essencial na arte do cuidar.

Dessa forma, busco no ambiente pedagógico, quer na sala de aula ou mesmo nos campos de estágio demonstrar para o aluno que a humanização do cuidado não é uma instância fora de si, a qual necessita de um tempo extra para acontecer. Ela parte de dentro do indivíduo, do ser cuidador em direção ao todo.

Assim, precisamos cultivar valores de uma medicina holística, que não veja, nem trate o ser humano em partes. Para tratarmos o ser humano como um todo precisamos transformar nossa maneira de enxergar o mundo e conceber a profissão. No dizer de Waldow (2008: p.10) o cuidado não pode ser prescritivo, pois não existem regras a seguir nem manuais de cuidar ou ensinar a cuidar. O cuidado dever ser assim, sentido e vivido. Além disso, ser integrado em nosso dia-a-dia, fazendo parte de nós mesmos, transformando-o em estilo de vida.

IV- Metodologia

Trata-se de um estudo reflexivo, de análise qualitativa, desenvolvido através da pesquisa bibliográfica e análises/discussões realizadas no decorrer da disciplina “Ecologia Virtual Criativa” do Programa do Doutorado em Educação Ambiental da Fundação Universidade Federal do Rio Grande, durante o segundo semestre de 2008.

A temática elucidada é um breve diálogo entre autores que abordam o tema do cuidado humano e do cuidado de enfermagem, a ecosofia, bem como o processo do ensinar e do aprender. A revisão de literatura consiste em uma visão sistemática e crítica das leituras especializadas mais importantes publicadas a respeito de um tópico específico.

Com a revisão de literatura pode-se: criar uma forte base de conhecimento para realizar pesquisa e outras atividades no contexto educacional especializado; identificar lacunas, consistências e inconsistências na literatura, responder perguntas sobre um assunto, conceito ou problema; revelar novas práticas de intervenções, promover criação de protocolos, políticas e projetos/atividades de práticas novas ou revisadas relacionadas com a prática de enfermagem, entre outras. Dada a sua importância justifica-se o uso da mesma para a realização desse estudo.

V- Considerações Finais

Vivenciar a docência é uma verdadeira arte e experiência única. Busco no ambiente pedagógico escolar transcender a barreira mecanicista da aprendizagem e incentivar o aluno a descobrir seus potenciais. É através da problematização, dos debates, dos erros e dos acertos que construímos nosso saber.

As práticas em campo de estágio nos proporciona situações complexas onde oportunizam a relação teoria-prática e o planejamento. Outra questão importante de se pensar é como vai ser constituíndo um profissional. O docente representa um ícone para o discente, educando-o muito mais com sua trajetória de vida e atitudes do que propriamente com palavras.

Assim, educar na saúde, ou melhor, muitas vezes para a doença, tem uma conotação especial, pelo rigor da técnica, da cobrança de não poder errar (pois o mesmo poder significar a morte de outro ser humano) e buscar superação do trabalho em equipe, na compreensão, na postura ética, na paciência e comprometimento com o seu trabalho.

Finalizando, o cuidado humano não se encontra fora das relações humanas, mas sim, entre elas. Onde quer que estejamos levaremos a cada instante essa humanidade, um pequeno gesto, olhar e carinho. Não precisamos de tempo extra, como já elucidado anteriormente, para aprender humanização, visto que é um sentimento, uma atitude que brota do interior.

Aprendemos na enfermagem que os pequenos detalhes fazem toda a diferença ao tratar o outro. A atenção “vale mais do que mil palavras” e a ajuda para melhorar a qualidade de vida do cliente consiste em não somente tratar das enfermidades, mas sensibiliza-lo para o auto-cuidado.

Então, lidar com a morte e as doenças faz parte da vida de todos nós. Mas, para que isso aconteça, é necessário que ao longo do processo evolutivo, o indivíduo desenvolva uma filosofia adequada de vida. Isso significa aprender e tirar lições de nossas dificuldades no decorrer de nossa existência e a observar e a experienciar o que Boff (1999) diz: “Ser pessoa não é simplesmente ter saúde, mas é saber enfrentar saudavelmente a saúde e a doença. A cura integral do ser humano é tão importante que demanda um prolongamento de nossa reflexão anterior”.

Nestes quatro anos que tenho na docência percebo que muito mais aprendi e venho aprendendo, na riqueza de nossa profissão que permite interagir com seres humanos em processo de formação e constante busca pelo novo. Ajudar as pessoas a terem uma vida saudável e criativa deve fazer parte dos cuidados de enfermagem desse novo milênio, em que o processo de cura para os males do corpo e da alma consiste no autoconhecimento.

VI - Referências Bibliográficas:

BOFF, L. Saber cuidar: Ética do humano- compaixão pela terra. 14°ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2008.

GATTARI, F. As Três Ecologias. 19°ed. São Paulo: Papirus, 2008.

KOHAN, W.O. Filosofia e Ensino em Debate.Unijuí: Ijuí, 2002.

WALDOW, V. R. Cuidar Expressão Humainizadora da Enfermagem.2° ed. Petrópolis: Vozes, 2007.

LOBIONDO-WOOD, G e HABER, J. Pesquisa em Enfermagem: Métodos, Avaliação, Crítica e Utilização. Rio de Janeir: Guanabara Koogan: 2001.