ENTRE O PACIFICADOR E O ANTI-CRISTO

"Se tocarmos na comida que está dentro de uma panela fervente, queimaremos os dedos. Porém o calor não provém da panela, mas sim do fogo que a esquenta. Da mesma forma, a energia conhecida como Deus, faz o homem sentir, pensar, e ser. Essas capacidades não pertencem aos homens, embora sejam atribuídas a eles."- Sri Ramakrishna.

"As grandes árvores crescem no silêncio e na penumbra da floresta. A maior de todas as árvores nasce de uma pequena semente. No início da vida, ainda não nos expressamos com palavras, mas em um dado momento, porém, todas as palavras já não conseguem nos expressar”. Sidarta Gautama - o Buda.

INTRODUÇÃO.

A dicotomia dos dias atuais mais se parece com um roteiro saído das mentes criativas dos roteiristas cinematográficos americanos, em especial no que se refere ao cerne puramente maniqueísta das histórias, bem como no excesso de efeitos especiais, deixando de lado preocupações de caráter mais profundo ou que exija do espectador uma meditação mais detida sobre qualquer tema abordado.

Em que pese eventos notórios como o surgimento repentino da filosofia “MATRIX”, cujos fundamentos foram extraídos de uma trilogia de filmes de ficção cientifica onde a discussão girava em torno do questionamento sobre se a realidade que nos cerca é, de fato, algo real e tangível ou apenas o produto de nossas mentes coletivamente conectadas por meio de um programa de computador.

Em princípio, tal afirmação nos pareceria uma brincadeira de mau gosto, posto que sabemos que é real tudo o que nos cerca porque a percebemos, a sentimos através de objetos tangíveis, sensações relativas aos nossos sentidos e percepções que extraímos de tudo que nos cerca. Ou seja, acreditamos que tudo que está a nossa volta é real porque assim nos parece estimulando nossos sentidos e nossa racionalidade. Aliás, o exemplo clássico desta percepção é que, tudo aquilo que desconhecemos nos dá medo, hesitação e insegurança. Estamos no campo do desconhecido que incomoda nossa racionalidade e nosso senso de lógica.

Todavia, ao nos depararmos com o problema apresentado pela série de filmes chamada de “MATRIX”, percebemos que existe naquele universo ficcional algo que nos incomoda, que nos faz pensar sobre a realidade que nos cerca até que, a certa altura, estaremos nos perguntando se tudo que está a nossa volta, tudo que interfere em nossa existência é, de fato, real, ultrapassando o nível da mera sensibilização dos sentidos e chegando ao nosso âmago e causando uma impressão indelével que nos dará a necessária certeza de que tudo que existe é real.

Do mesmo modo, este pensamento poderia ser transposto para o universo maniqueísta de bem e mal, onde tudo não pode ser relativizado, exigindo de cada indivíduo uma consideração especial sobre o que é o bem e o que é o mal. Uma definição bastante clara com o fim único de nos assegurar que assim como o real, bem e mal são perceptíveis de tal maneira que não tenhamos dúvida ao observar o mundo que nos cerca e determinar aquilo que é bom no sentido de nos causar algum bem (bem-estar para corpo, espírito e alma), ou algum mau (maldade, mal-estar).

O desiderato almejado pela alma humana é deixar bem claro o que é bem e mal, pois assim sentir-se-á mais seguro ao enfrentar não apenas o mundo que o cerca como também as expectativas espirituais que rondam sua racionalidade diuturnamente. A intenção é sentir-se o mais seguro possível, posto que desde tempos ancestrais a segurança é a sensação mais importante para o ser humano.

Nos dias atuais temos um quadro devastador que pela sua própria existência ameaça qualquer possibilidade de segurança. Estamos, pois, no palco da insegurança plena, do medo e da temeridade em relação ao que está por vir. Um medo fruto dos tempos modernos, onde a tecnologia e a ciência não conseguiram ser capazes de auferir a necessária estabilidade tão sonhada pela alma humana. O espírito de manada, descrito por economistas e sociólogos trata-se de algo bem mais real do que imaginamos.

Afinal, ciência e tecnologia não tiveram a necessária resolutividade suficiente para nos fornecer segurança, na medida de uma sensação plena e satisfatória que nos demonstrasse às escâncaras que nada nem ninguém seria capazes de inverter esta situação nos conduzindo ao caos e à escuridão.

E como definiríamos esta sensação, ou melhor, esta insegurança que invade nossa alma, toma nosso espírito e inverte nossa racionalidade de tal modo que a final de todo um processo estamos no mesmo estágio em que nos encontrávamos quando ainda morávamos em cavernas e nos alimentávamos do produto de nossa capacidade de caçar, pescar e semear?

I – OS PRIMÓRDIOS DO ANTICRISTO.

Desde tempos imemoriais fomos forçados e conduzidos na direção do incerto, do desconhecido, e este desconhecido, esta bruma do inconsciente individual e coletivo, tal qual uma lenda urbana, insere-se em nosso consciente e, a partir de então, constrói um edifício mental pelo qual acreditamos em algo e tememos (ou destruímos) aquilo que não acreditamos, ou ainda, nem mesmo não nos damos ao trabalho de conhecer com mais profundidade.

Deste modo, este edifício construído em nossas mentes – por nossa própria vontade – nos faz ver o que nos cerca com certas características demonstrando que a partir desta visão confrontamos cada evento, cada acontecimento, e extraímos um resultado classificado de uma forma maniqueísta (nunca eqüidistante entre o bem o mal). Trata-se de um valor absoluto, considerado em si mesmo que nos aproxima ou nos afasta de outros seres humanos e de eventos que podemos considerar danosos ou mesmo mortais para nós, criando-se uma atmosfera de auto-preservação que nos protege (inclusive, muitas vezes, de nós mesmos).

Acreditamos piamente na teoria de que nenhum ser humano é absolutamente bom ou mal, mas relativamente adota comportamentos específicos diante de situações especiais, nas quais ele deve valer-se do pressuposto maniqueísta para aceitar como bom ou rejeitar como mal aquela situação ou evento ante a qual encontra-se, sendo certo que, sendo mal, deve ser evitado, contornado, mas também destruído, independentemente de eventual possibilidade de não vir a causar qualquer mal.

E é desta forma que se constrói a questão do Anticristo, aquele mal latente, permanente e arraigado à alma humana que sempre está pronto para enlevar-se e demonstrar a sua capacidade destrutiva. Porém, observe-se que cada um de nós pode ser um destruidor, do mesmo modo que é construtor.

Não se trata, pois, de um universo paralelo onde as coisas simplesmente acontecem porque deveriam acontecer. Versa sobre a realidade em que vivemos, onde homens matam homens por ouro, poder e cobiça, onde homens destroem aquilo que foi construído apenas para que outros não possam dele ocupar-se.

Comentamos sobre esta capacidade de apoderar-se, de impor-se e de demonstrar força perante os demais – isto faz de cada um de nós um Anticristo – porque precisamos demonstrar que podemos ser sempre mais e melhor que aqueles que estão à nossa volta.

É algo vil e desprezível, mesquinho que tornamos parte de nós próprios, auxiliados pelo universo científico que construímos apenas e tão somente para justificar as medidas que tomamos para dominar, usurpar, submeter e escravizar nossos semelhantes. E veja que fazemos isto com uma freqüência da qual nem mesmo nos apercebemos. Vamos comentar brevemente alguns deles.

II – DO DESPREZO PELOS NOSSOS SEMELHANTES MAIS PRÓXIMOS.

Como agimos perante a miséria, a dor, o abandono, o ódio e o desprezo? Via de regra a resposta sempre é a mesma: com indiferença. E não é uma simples indiferença, trata-se de algo desmedido e irônico quando não sarcástico. Veja-se bem: nos condoemos à beira das lágrimas quando assistimos cenas chocantes, ou mesmo quando as cenas são tocantes ao espírito e à alma. A tristeza nos invade e pensamos o que podemos fazer para mudar isso. Parece que, efetivamente, uma semente de esperança brota em nossos corações, brilhando inicialmente de forma tênue, mas que, pouco a pouco, vai crescendo e iluminando todo o nosso ser.

Todavia isto é apenas uma encenação, uma misteriosa forma de nos esquivar de intenções mais profundas, até mesmo porque basta uma pequena doação material, uma ação isolada nas datas representativas e tudo será esquecido, pois nossas preocupações fraternais e que encerravam promessas de muito mais por muito menos, faleceram antes mesmo de terem nascido. Tudo, em breve, serão apenas lembranças, memórias e preocupações que apenas voltarão a nos importunar no momento em que a mídia ou qualquer outro meio de comunicação de massa tornar a nos sensibilizar em apelo a uma campanha, um interesse escuso ou voltado para atrair massas para a satisfação de objetivos muito mais financeiros e econômicos que propriamente sociais e assistenciais.

Porém, isto apenas nos causará alguma preocupação ou mesmo pequeno incomodo quando nosso mecanismo de compensação entre aquilo que diariamente fazemos e aquilo que raramente fazemos encontrar-se em desequilíbrio, pois nada mais é que uma forma de apropriação da lei da compensação aplicada ao que sentimos e ao que pensamos.

Se alguém for capaz de negar esta consideração que fale agora ou cala-se para sempre. Somos desta forma considerada, mais anticristo que qualquer ditador latino-americano que suprime a concorrência e a oposição jurando-se um revolucionário voltado para a paz mundial. Aliás, não existem, e talvez nunca tenham existido, estadistas preocupados de fato com o interesse coletivo. Coletivo é um adjetivo que apenas serve para movimentar as massas, escrever discursos e sensibilizar eleitores, investidores e burocratas.

Não somos o que pensamos, mas sim aquilo que fazemos, nossos atos significam exatamente quem somos como pensamos e o que queremos de fato com relação aos nossos semelhantes. E a indiferença é o pior que podemos sentir ou agir, assim, procuramos remediar isso da melhor forma possível, ainda que tal comportamento não atinja de fato os seus verdadeiros objetivos. A regra de ouro é: qualquer coisa vale para deixar nossa consciência livre de preocupações que nos desviem de nossos reais objetivos – nós mesmos.

Me perdoem pela crueza e excessiva objetividade destas palavras. Apenas faz-se necessário dizer o que se pensa, mesmo que isto signifique dor, sofrimento ou um pequeno alerta aceso em nossos corações e mentes.

III – A MECÂNICA DA MENTE DE UM TERRORISTA E DE UM IDEALISTA.

Os atos terroristas têm-se mostrado o instrumento mais eficaz nos tempos modernos para tornar público o descontentamento de alguém com o estabelecimento social vigente. Muito bem, mas quem são os terroristas e quem são os idealistas que se escondem atrás de milhares e milhares de mortes de inocentes úteis que estão nos locais certos nos momentos errados.

Vamos iniciar pelos terroristas, os anticristos modernos que tem certeza que sua vida e a vida de outras pessoas não valem mais que um ideal a ser perseguido além da vida.

Terrorismo é um método que consiste no uso de violência, física ou psicológica, por indivíduos, ou grupos políticos, contra a ordem estabelecida através de um ataque a um governo ou à população que o legitimou, de modo que os estragos psicológicos ultrapassem largamente o círculo das vítimas para incluir o resto do território.

Tendo em vista as notáveis ações dos últimos anos, o terrorismo ganhou significados variados e polivalentes. O grande fluxo de informações e/ou imagens geradas por esse tipo de comportamento tem tido grande influência na construção desses significados.

Terrorismo indiscriminado ou aleatório são todas as ações que se destinam a fazer um dano a um agente indefinido ou irrelevante. Não existe um alvo estabelecido previamente. Este visa a propagação do medo geral na população, visa cansar a retaguarda, vencer por um sentimento geral de instabilidade. Exemplos: A Colocação de bombas em cafés, parques de estacionamento, metrô.

Terrorismo Seletivo visa atingir diretamente um indivíduo. Seletivo significa que visa um alvo reduzido, limitado, específico e conhecido antes de efectuar o ato. Visa a chantagem, vingança ou eliminação de um obstáculo. Considera-se terrorismo porque tem efeitos camuflados, e efeitos políticos, pretende pôr em causa uma determinada ordem. Exemplo: Ku Klux Klan, ETA, Al Qaeda, IRA, Frente de Libertação Islâmica, Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), Exército de Libertação Nacional na Colômbia, Grupo Combatente Islâmico Marroquino, Separatistas Chechenos, Brigada dos Mártires Al Aqsa, Hezbollah, por vez aplicam este terrorismo, e PCC ( Primeiro Comando da Capital), atacando ruas, instalações da polícia, ônibus (autocarros) e agências bancárias no Brasil, com origem no Estado de São Paulo. (Fonte Wikipédia).

Para elucidar mais claramente nossa abordagem vamos nos situar no terrorismo seletivo e, em especial, naquele recentemente ocorrido no Oriente Médio, razão pela qual destacamos o pequeno excerto abaixo:

“Em quase todos os casos, os terroristas jihadistas têm uma ambição evidente: estabelecer um mundo submisso aos muçulmanos, ao Islã e à lei islâmica, a Sharia”. Ou, ainda nas palavras do Daily Telegraph, "o verdadeiro projeto deles é expandir o território islâmico pelo globo e criar um califado mundial com base na Sharia".

Os terroristas anunciam esse objetivo abertamente. Os islamistas que assassinaram Anwar el-Sadat em 1981 decoraram suas celas na prisão com faixas em que proclamavam "califado ou morte". Um dos pensadores islamistas mais respeitados da atualidade e inspirador de Osama Bin Laden, Abdullah Azzam, declarou, segundo uma biografia, que sua vida "girava em torno de um único propósito, a saber, a instituição do reino de Alá na terra" e a restauração do califado.

O próprio Bin Laden falou em assegurar que "o piedoso califado se irradie do Afeganistão". Seu braço direito, Ayman al-Zawahiri, também sonhou em restabelecer o califado, pois escreveu na ocasião que "a história, se Deus quiser, tomará um novo caminho, na direção contrária ao império dos Estados Unidos e ao domínio judeu sobre o mundo". Um outro líder da Al-Qaeda, Fazlur Rehman Khalil, publicou na revista da qual é editor que, "em virtude das bênçãos da jihad, começou a contagem regressiva para os Estados Unidos. Em breve eles reconhecerão a derrota", seguindo-se a criação de um califado.

Ou, como escreveu Mohammed Bouyeri na mensagem que prendeu ao cadáver de Theo van Gogh, o cineasta holandês que ele acabara de assassinar, "o Islã sairá vitorioso pelo sangue dos mártires, que lançarão sua luz sobre todos os recantos desta terra".

É curioso que o assassino de Van Gogh tenha se frustrado ao ver que lhe atribuíam razões que não eram as verdadeiras, insistindo em dizer durante o julgamento: "Fiz o que fiz unicamente pelas minhas crenças. Quero que saibam que agi por convicção e que não lhe tirei a vida porque ele era holandês nem porque sou marroquino e me sentia ofendido.”.

Embora os terroristas apregoem alto e claro as razões de sua jihad, na maioria das vezes tanto ocidentais quanto muçulmanos não compreendem o que ouvem. Como observa a autora canadense Irshad Manji, as organizações islâmicas fingem que "o Islã é um espectador inocente da atual onda de terrorismo".

O que os terroristas querem é demasiadamente claro. É necessária uma dose de negação monumental para não se admitir o fato, mas nós, os ocidentais, fizemos por merecer o desafio”. (1)

Da análise do texto acima evidencia-se um questionamento razoável: não se pode impor os princípios da democracia e da república para um povo que por mais de cinco mil anos viveu os pressupostos da monarquia de do islamismo. Trata-se, no mínimo, de um ato de violência cultural e social contra um povo que sempre prezou pelo saber e pela hegemonia das boas intenções. Veja, sem almejar qualquer polêmica em torno da questão religiosa, que em si é tema indiscutível, salientamos que apenas a lei que persiste nos corações e mentes destes muçulmanos é a lei do “olho por olho e dente por dente”.

Assim, o anticristo não é o terrorista, posto que este apenas luta com a própria vida para defender um ideal. O idealista, este sim é um anticristo, ele é o responsável direto pelos atos praticados por um extremista que deposita sua própria vida nas mãos deste, esperando e acreditando que seu sacrifício não será em vão, e que os ideais a ele apresentados passam a ser a sua razão de existência. Refere-se, portanto, a um processo irresistível pelo qual a dependência do terrorista em face do idealista beira as raias das loucura.

A dimensão do terror tem a face do ativista, porém a alma do idealista que não morre por seus ideais, mas induz àqueles que o cercam que façam de sua vida um ato de mártir, pouco importando o resultado imediato, apenas restando acreditar cegamente naquela utopia.

IV – ALGUMAS OBSERVAÇÕES SOBRE O PACIFICADOR.

Esta figura, lembrada por pessoas cuja dignidade ultrapassou a sua própria personalidade como Ghandi, Dalai Lama, Martin Luther King, representam, sem qualquer sombra de dúvida, os maiores expoentes da ação em busca da paz, demonstrando de forma inequívoca que quando almejamos a paz, quando nos ridicularizamos por ela, obtemos a certeza de que o respeito ao final será de uma sensação única e especial.

Todavia, vamos nos deter um pequeno instante sobre aqueles que também dignificam a paz de forma constante e diária em atividades cotidianas, cuja repercussão faz-se sentir por todos os segmentos da sociedade. Um exemplo muito bom de ser lembrado é o da ONG Doutores da Alegria, cujas ações voltadas para a melhoria e bem-estar de pacientes terminais ou não internados em hospitais de todo o país, são a prova viva de que a ação de pacificação destinada a minimizar o sofrimento e a dor de pacientes e seus acompanhantes, demonstram que ações com esta magnitude podem representar mais resultado efetivo na busca de paz social pela melhoria das relações entre indivíduos, com a disseminação da solidariedade.

Esta é a figura do pacificador, aquele que se propõe a fazer algo não apenas por seus semelhantes, mas também e principalmente por toda a humanidade. Neste sentido, destacamos também a figura do diplomata brasileiro SÉRGIO VIEIRA DE MELO, e sobre ele colacionamos o excerto abaixo:

Especialista em mediar conflitos, diplomata brasileiro percorreu vários territórios em guerra.

Sérgio Vieira de Mello, 55 anos, dedicou a vida à Organização das Nações Unidas (ONU).

Esteve nas principais aéreas do conflito do mundo nas últimas duas décadas: Camboja, Líbano, Bósnia, Iugoslávia, Kosovo, Timor Leste...Iraque. Viu as piores atrocidades cometidas pelos homens. Mas mantinha o otimismo - com o futuro do mundo e com seu trabalho.

Especialista na arte de negociar, o brasileiro defendia o papel da ONU na pacificação de um planeta com tantas guerras — por ele bem conhecidas, pois era um diplomata que saia do gabinete e ‘‘sujava as botas’’. ‘‘É importante dialogar até com as forças do mal. É nesse diálogo que vamos nos transformando numa espécie de ponte’’, disse à jornalista Sonia Araripe, em entrevista publicada domingo no Jornal do Brasil.

Filho de embaixador, nasceu no Rio de Janeiro em 15 de março de 1948. No entanto, se pensou em seguir a carreira do pai, desistiu depois que ele foi cassado pela ditadura militar, em 1969. Nesse ano, começou a dividir o tempo dedicado aos estudos de Filosofia em Paris com o trabalho no Alto Comissariado para os Refugiados da ONU (Acnur).

Iniciou assim a carreira no mundo da diplomacia, a maior parte desenvolvida no Acnur, sediada em Genebra. Era para a tranqüila cidade suíça que planejava voltar em outubro. Ele repetia que não ficaria mais tempo na missão no Iraque, iniciada em junho e prevista para durar quatro meses. Em Genebra, retomaria as tarefas de Alto Comissário para os Direitos Humanos da ONU, cargo assumido em julho do ano passado.

O brasileiro estava confiante. Dois dias antes de morrer, disse a Jamil Chade, correspondente do Estado de S. Paulo em Genebra, que, em geral, não sentia clima de hostilidade em Bagdá — apesar dos atentados freqüentes. Em entrevista ao JB, afirmou: ‘‘Não dizem que Deus é brasileiro? Tenho certeza que ele sempre me protege’’.

Além de confiar no amparo de Deus, Vieira de Mello evitava o perigo. Porém, como reconheceu, o Iraque do pós-invasão era um país cheio de armadilhas. ‘‘A barra é sem dúvida pesadíssima aqui. Mas, não sei bem por que, acredito que já passei por situações bem mais arriscadas. Aqui em Bagdá não me sinto em perigo como em outros lugares em que estive trabalhando pela ONU’’, contou ao Estadão.

Em Bagdá, constatou que os iraquianos sentem admiração pelo Brasil — e não só pelo futebol. ‘‘Existe uma amizade com o Brasil que é impactante e vem de muito tempo. Isso ajuda no trabalho’’, revelou.

Rigoroso

Fluente em espanhol, inglês e francês, o brasileiro era casado com uma francesa e pai de dois filhos. Seus colegas de trabalho o definiam como rigoroso, mas gentil. ‘‘Era um sujeito afável, afetivo, jovial, mas também muito comprometido com as tarefas confiadas a ele’’, relatou ao Correio o diplomata brasileiro Flávio D’amico, que trabalhou na administração transitória da ONU no Timor Leste durante sete meses.

Entre final de 1999 e 2002, Vieira de Mello foi administrador da ONU na ex-colônia portuguesa, que obteve a independência depois da mais de duas décadas de ocupação Indonésia. Pela primeira vez, um brasileiro tornou-se uma espécie de presidente de um país estrangeiro. O sucesso da missão, qualificada pelo secretário-geral da ONU, Kofi Annan, como brilhante, aumentou ainda mais o prestígio do brasileiro na organização.

Enviado à ilha asiática durante três meses, o diplomata Mauro Furlan pôde observar o carinho que os timorenses sentiam pelo enviado da ONU. ‘‘Ele é motivo de orgulho para os brasileiros.

Embora não fosse diplomata da carreira, representou o Brasil de forma espetacular’’, lembrou Furlan, que ajudou a organizar a transição no Timor Leste.

Esforço

Mas Vieira de Mello percorreu um longo caminho até chegar a ocupar um dos cargos mais importantes da ONU. Como lembrou o ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia ao Jornal Nacional ontem, ele não se distraía com amenidades: ‘‘Foi sempre atrás dos desafios mais difíceis’’.

Entre suas principais tarefas, foi assessor da Força das Nações Unidas no Líbano entre 1981 e 1983, no momento da invasão israelense ao país. Onze anos depois, dirigiu a Força de Proteção a Civis da ONU (Forpronu) para antiga Iugoslávia, no momento mais crítico da guerra na Bósnia.

Após o genocídio em Ruanda, Vieira de Mello foi, durante alguns meses de 1996, coordenador humanitário para a região dos Grandes Lagos, no Leste da África. No mesmo ano, foi nomeado alto comissariado adjunto para os refugiados. Dois anos depois, dirigiria o escritório de Assuntos Humanitários da ONU.

Em 1999, encarou a difícil tarefa de reerguer Kosovo após o fim dos bombardeios da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). A região foi atacada para proteger a minoria albanesa dos sérvios. Sua designação como representante especial de Annan no Iraque deveu-se à ampla experiência na gestão de países pós-conflito. ‘‘Não posso me queixar, gosto do que faço. Acho que tenho uma missão no mundo’’, disse.

Questionado sobre se a ONU não seria um alvo para terroristas, o brasileiro considerou que a organização tinha o respeito da população civil iraquiana, empenhada em expulsar as forças anglo-americanas de ocupação.

Para Vieira de Mello, ‘‘eles olham para a ONU como organização independente e amiga’’. Mas sabia que esse devia ser um dos períodos mais humilhantes da história do Iraque: “Quem gostaria de ver seu país ocupado? Eu não gostaria de ver tanques estrangeiros em Copacabana”, disse.

Embora tenha consagrado a carreira à defesa dos direitos humanos, afirmava que a ONU não pode ser rebaixada de organismo político a mera agência de socorro humanitário. Era preciso atacar as causas dos conflitos e evitar as guerras, em vez de apenas tentar remediar suas conseqüências.

Vieira de Mello, porém, não pôde viver num mundo multilateral, onde os países seriam iguais, como sonhava. Enviado para o Iraque depois de uma guerra empreendida apesar da oposição da população mundial e da maioria dos países que formam a ONU, foi vítima do unilateralismo dos EUA que ele tanto atacou — sempre evitando citar países, conforme aprendeu na vida diplomática. (Sandra Lefcovich – Correio Braziliense, 20.08.03)

Uma prova mais que eloqüente da atividade pacificadora a partir de uma ação individualmente considerada, cujos resultados globais podem ser sentidos por mais tempo que se imaginava.

V – A CONFRONTAÇÃO ENTRE O PACIFICADOR E O ANTICRISTO.

Quando nos detemos, mesmo que por um instante, na análise do acima esposado, a primeira conclusão que nos vem à mente refere-se ao fato de que a linha que separa um de outro é tão tênue que mal pode ser identificada facilmente.

Veja bem que não se trata de mera imediatidade tomada de forma pueril e ingênua. Trata-se sim de uma abordagem de caráter fático: o homem no enorme amálgama que é o seu micro-universo, pode e é capaz de modificar a face do mundo a partir da forma e do modo com que observa a realidade que o cerca.

Ou seja, se a sua visão possui um mínimo coeficiente de compreensão sobre a importância que a fraternidade tem sobre as ações, pensamentos e movimentos sociais, não será difícil para ele compreender que a postura de pacificador, de unificador, daquele que sempre buscará um consenso onde não se vislumbra nada mais que controvérsia, dúvida e incerteza. É aquele que sempre achará uma luz no fim do túnel, mesmo que para isso ele tenha que acender uma vela.

De outro lado, o caso inverso, aquele no qual o indivíduo percebe em uma situação de crise que existe mais ameaça que oportunidade, vale-se de seus instintos mais primais para fazer impor a sua vontade acima da vontade dos demais. Ele luta por aquilo que considera um ideal, mesmo sendo este um desvio único de sua própria personalidade, nem que para isso tenha que lançar mão de artifícios mais eloqüentes, impositivos e até mesmo belicosos.

Não se trata do que é melhor para ele – assim funciona a sua mente – apenas se trata do que é melhor para todos sob o seu ponto de vista (aquele mesmo ponto de vista único pelo qual ele vislumbra a realidade que o cerca). Ou seja, a partir de uma única consideração válida, o homem é capaz de mudar o mundo, seja para o bem, seja para o mal.

É apenas uma questão de escolha, de livre-arbítrio, uma qualidade que expõe o indivíduo às suas fraquezas, dúvidas, incertezas, deixando sob sua responsabilidade a difícil escolha de qual é o melhor caminho a seguir: o da tempestade ou o da bonança.

Cabe aqui uma ressalva: a personalidade do indivíduo que possui as habilidades para ir além de seu próprio julgamento de valor e estabelecer o julgamento de valor que é correto e adequado para todos, torna-se em si mesmo uma ameaça, caminhando além das possibilidades do que é capaz de fazer para si próprio e concebendo as possibilidades que irão atingir a todos de uma forma contundente; isto é, a profundidade de seus pensamentos, após transformarem-se efetivamente em ações práticas, acabarão, necessariamente, desaguando no anseio da coletividade, instigando-os a considerar como únicas aquelas idéias que foram disseminadas com o intuito primordial de estabelecer a conexão cujo objetivo está justamente em criar um vínculo de dependência entre o pensador e seus discípulos.

Duas imagens caracterizam muito bem o que foi descrito anteriormente: Cristo e Hitler; ambos com suas intenções, finalidades, sonhos e desejos, refletem-se na imperiosa necessidade de que estas não permanecessem restritas apenas à eles próprios, mas que se tornassem os anseios e expectativas populares, de toda uma comunidade e, depois, de toda a humanidade. Ou seja, ao seu modo, cada um deles tinha uma intenção – algo que eles próprios considerassem bom, direito e justo – cujo propósito era beneficiar aqueles com os quais compartilhavam as mesmas incertezas existenciais que tornam o homem comum o mais comum dos seres pensantes.

Imagens como estas podem não ser as melhores oportunidades de se ilustrar um comentário como o presente, porém acreditamos que a verdade mais profunda do ser humano está na maravilha de suas falhas, imperfeições e incertezas que o tornam mais humano e mais capaz de aprender com seus próprios erros. Pena que isto não tenha servido de máxima para os atuais governantes que preferem suplantar e vontade de outrem com o uso da força.

Lembra-nos a fábula do mestre que ao ser questionado por um de seus discípulos sobre o que tinha escondido nas mãos que estavam sobre suas costas, respondeu “pássaro”. Insatisfeito com a resposta e buscando colocar o mestre em situação embaraçosa, questionou-lhe mais uma vez, perguntando se este pássaro estava vivo ou morto.

A resposta, além de surpreendente fez com que o discípulo entendesse muito bem o conceito de livre-arbítrio. O mestre respondeu-lhe “depende de você”.

Saibamos muito bem como queremos ser vistos por nossos semelhantes: aquele que vêm para unir ou aquele que vem para destruir.

VI – BIBLIOGRAFIA.

(1) - O que querem os terroristas? por Daniel PipesNew York Sun26 de Julho de 2005. Original em inglês: What Do the Terrorists Want? [A Caliphate]

Tradução: Márcia Leal.