O ÚLTIMO BAILE DO IMPÉRIO - Cotidiano Histórico

Por Dimas Paixão Silva

ILHA FISCAL - Baía da Guanabara - Rio de Janeiro-RJ, 09.11.1889.

O pretexto era homenagear a oficialidade do navio chileno Almirante Cochrane, que visitava o país. O imperador Pedro II decidiu convidar 4 mil pessoas para o seu pomposo baile – alguns registros falam em 5 mil.

O local escolhido foi a Ilha Fiscal, no Rio de Janeiro - antiga Ilha dos Ratos – situada, por ironia do destino (ou da história), em frente à atual Praça XV de Novembro.

O real objetivo do evento, que funcionou às avessas, era tentar revigorar a imagem do império na opinião pública e sensibilizar a nobreza empobrecida pela abolição da escravatura para uma causa já praticamente perdida: a preservação da Monarquia.

Assim que entrou no salão, D. Pedro II tropeçou. Conseguiu, porém, recuperar o equilíbrio e teve fôlego para uma piada: “O monarca escorregou, mas a monarquia não caiu”. Mal sabia ele que o seu império estava para ruir em menos de uma semana.

A festa, inicialmente estava programada para o dia 19 de outubro de 1889, porém chegou a notícia da grave doença do rei de Portugal - D. Luis, sobrinho do Imperador - que veio a falecer no dia seguinte. Em respeito ao luto, a comemoração – que reuniria a família imperial, membros do governo, o corpo diplomático, altas patentes militares e a nata da sociedade da corte - foi transferida para 9 de novembro.

O prédio ornamentado externamente com lanternas venezianas atraiu dezenas de embarcações para as proximidades. Fachos luminosos foram projetados pelos encouraçados Almirante Cochrane, Aquidabã e Riachuelo para iluminar a ilha.

Foi o mais suntuoso acontecimento social do império. Os 4 mil convidados foram trazidos em grandes levas de Niterói. Às 9 horas da noite.

Abatido pela diabetes, o Imperador permaneceu afastado, quase anônimo, enquanto o presidente do Conselho de Ministros, Affonso Celso de Assis Figueiredo, o Visconde de Ouro Preto, fazia as honras da casa. À meia noite, após o discurso com champanhe brindando a nação chilena, começou a festança.

Um jornal da época, a Gazeta de Notícias, descreveu com detalhes 74 trajes das damas presentes, numa edição que bateu recordes de espaço e de tiragem. O jornal publicou também uma descrição detalhada da ceia, anunciada em um menu de 12 páginas, guarnecido com as cores das bandeiras brasileira e do Chile: "nada menos que 11 pratos quentes, 15 pratos frios, 12 tipos de sobremesas, 4 qualidades de champagne, 23 espécies de vinhos e 6 de licores, num total de 304 caixas destas bebidas e mais dez mil litros de cerveja. Os números da maior comilança de que o país tem notícia relacionam para o preparo de todas essas receitas, o consumo de nada menos que 18 pavões, 25 cabeças de porco, 64 faisões, 300 peças de presunto, 500 perus, 800 quilos de camarão, 500 perus, 800 latas de trufas, 1200 latas de aspargos, 1300 galinhas, além de 50 tipos de saladas com maionese, 2900 pratos de doces variados, 14 mil taças de sorvete, 18 mil frutas e 20 mil sanduíches".

Bebeu-se muito também: 10 mil litros de cerveja. "Das 304 caixas de bebidas, 258 eram de vinhos e champagnes. Enfim, naquela noite, foram consumidas 3.096 garrafas desses maravilhosos fermentados, que compunham uma bateria de 39 rótulos diferentes, com destaque para Porto de 1834 - uma safra preciosíssima - Madeira, Tokay, Château D’Yquem, Château Lafite, Château Leoville, Château Beycheville, Château Pontet-Canet e Margaux. A presença marcante do italiano Falerno, nas versões branco e tinto, era uma deferência à imperatriz. Os champagnes não podiam ser melhores: Cristal de Louis Roederer, Veuve Cliquot Ponsardin e Heidsieck. Dentre os vinhos alemães, destacavam-se o Liebfraumilch e o famoso Johannisberg do Reno".

Pelo brilho da noite, comprovava-se que a monarquia sabia dar festas – embora já não conhecesse muito bem o país que governava. Apesar de todo este aparato, o tiro dos monarquistas saiu pela culatra. Seis dias depois, 15 de novembro de 1889 caía a monarquia dando lugar à República.

NOTAS:

A Ilha Fiscal foi transferida para a Marinha pelo Ministério da Fazenda, em 1914. A Ilha hoje faz parte do Complexo Cultural do Serviço de Documentação da Marinha.

Décadas se passaram e o Castelo que testemunhou tantos fatos históricos, constitui-se hoje em uma das principais atrações turísticas do Rio de Janeiro e é aberto à visitação pública. Destacam-se o Torreão e a Ala do Cerimonial. Três exposições permanentes também são atração no Castelinho: A História da Ilha Fiscal, A Contribuição Social da Marinha e A Contribuição Científica da Marinha.

FONTE:

100 anos de República. São Paulo, Nova Cultura, 1989. v. 1, p.17 apud Cotrim, Gilberto. História e Reflexão. Consolidação do Capitalismo e Brasil Império, 6ª ed. São Paulo. Saraiva. 1997, p147..

Thereza Pires, www.euprocuropravoce.com.br, disponível em:

http://www.lunaeamigos.com.br/cultura/ilhafiscal.htm, acesso em 21/01/2009.

Os dois textos originais foram compilados e adaptados pelo autor.