CRITÉRIO DE FALSEABILIDADE APLICADO AO ATEÍSMO

É muito comum cristãos que não conhecem nada sobre ateísmo e nem se interessam em conhecer afirmar coisas como “o ateísmo é uma crença!” Essa afirmação não condiz com o conceito da palavra. Não convém aqui mostrar a tão batida etimologia da palavra, basta dizer que ateísmo é justamente o contrário da crença em Deus, ou seja, a des-crença na existência da divindade. Não é a mesma coisa que dizer que os ateus acreditam na não-existência de Deus, como fazem alguns que tentam manipular as palavras através de sofismas para afirmar que ateus têm crença na inexistência de Deus. Não é possível acreditar na inexistência de algo, uma vez que a crença precisa de conteúdos para ser considerada como tal, é uma relação de um sujeito com um objeto, que o afirma. Ora, a inexistência de algo não é nada, portanto não pode ser usada como conteúdo de uma crença. Dizer que alguém acredita na não-existência é o mesmo que dizer que ela acredita no nada, o que é um absurdo. O conteúdo da sua crença é o nada, o que é a mesma coisa de dizer que não há crença alguma coisa. Plagiando Husserl, a crença é crença-em-alguma-coisa. Ora, a inexistência não é alguma “coisa”, mas sim a negação e uma restrição de alguma coisa. A consciência de nenhuma coisa é uma inconsciência. A crença na inexistência de algo é uma des-crença. No entanto parece errado usar o termo “crença na inexistência”, pois resulta em um paradoxo. Seria melhor usar “descrença”.

Embora não seja necessário, a maioria dos ateus tem uma atitude crítica que se assemelha à dos filósofos e cientistas. Essas duas categorias de conhecimento não admitem dogmas, como a religião. Embora existam na ciência alguns dogmas, como a existência do mundo exterior e a confiabilidade dos sentidos, as teorias científicas são até mesmo estimuladas a serem contestadas. Houveram também outras doutrinas que tentaram impor com dogmatismo, como o Positivismo. No entanto o Positivismo caiu, graças a um filósofo chamado Karl Popper. Este filósofo, com suas teorias sobre o método científico, impôs algumas sérias restrições ao modo otimista com que os positivistas viam a ciência. Estes acreditavam que a ciência poderia chegar a verdades incontestáveis e tinha enorme fé no método indutivo. Popper mostrou que o método indutivo não existe, não dá nenhuma certeza e nenhuma confiança, e que a ciência talvez nunca chegue numa verdade incontestável, mas apenas temporária.

O método proposto por Popper foi o critério de falseabilidade, já explicado no texto “Como Refutar Uma Teoria Científica (Teoria da Evolução e Big Bang). Segundo o método indutivo dos positivistas, baseados na concepção científica de Francis Bacon, a observação de um fenômeno que se repete muitas vezes daria uma certeza, ou pelo menos uma confiança, de que ele se repetiria novamente. Popper dizia que isso é falso. Um clássico exemplo do método indutivo é o dos cisnes. Se eu vejo um cisne, e ele é branco; vejo dois cisnes, e os dois são brancos; vejo mil cisnes e todos são brancos, concluo que todos os cisnes são brancos. De acordo com o método de Popper, não importa quantos cisnes brancos eu veja, isso não prova que todos os cisnes são brancos, nem me garante que o próximo cisne que eu veja também seja branco. No entanto, um cisne que eu observe que não seja branco prova que nem todos os cisnes não são brancos. Isso impõe um limite muito frágil para a ciência. Não importa quantas vezes eu veja a água ferver a 100º C, isso não prova que será assim em todos os casos. Mas basta que eu veja a água ferver uma única vez a 50ºC e terei a prova de que é falsa a afirmação de que ela ferve a 100º.

Isso torna praticamente impossível saber se algo é mesmo verdadeiro, pois ele só é verdadeiro até que se prove o contrário. Algo também pode ser considerado cientificamente válido se é eficiente ao descrever fenômenos observáveis. Assim, não há como saber com certeza se o Big Bang realmente ocorreu, mas através dele é possível explicar inúmeros fenômenos observáveis, ao contrário de outras hipóteses. Isso não faz com que a ciência não seja digna de nossa confiança, mas mostra que ela é falível como todos os humanos. Como disse Carl Sagan, a ciência não é uma forma perfeita de conhecimento, mas é a melhor que temos. Além do mais, teorias tão antigas quanto a gravitação de Newton têm se mantido em vigência, sem nunca ter sido falseada. A mecânica quântica não falseia a teoria newtoniana, mas apenas estabelece uma distinção entre os campos das duas.

Este é o ponto onde eu queria chegar. Os teístas afirmam que os ateus são crentes ou que são tão dogmáticos quanto os religiosos. Mas a maioria deles segue o critério estabelecido por Popper. Assim como não podemos saber se unicórnios não existem, também não podemos saber se Deus não existe, mas não acreditamos nisso até que nos provem o contrário. Os teístas poderiam usa o mesmo argumento e dizer “Não podemos saber se Deus existe, então cremos nele até que nos provem que ele não existiu”. Mas aqui eles ignoram – ou omitem – outro fator relevante: o ônus da prova é de quem afirma, não de quem nega. Não se pode dar uma prova da inexistência “de fato” de algo – mas é possível de uma inexistência lógica, mas isso será discutido em outro artigo – mas é possível provar a existência. Ora, não há nenhuma prova da existência de Deus, então que razão teríamos para crer em tal coisa? Os teísas geralmente afirmam que não há provas da existência de Deus, mas que também não há provas da sua inexistência. Mas sempre que os colocamos diante desse dilema, voltam atrás e cuidam logo de procurar algo que prove a existência da sua divindade. Claro, eles não podem aceitar que estão “perdendo”. De repente, não mais que de repente – como diria Vinícius, Deus se torna provável e busca-se a todo custo provar tal coisa. No entanto, sabe-se que Deus não é provável, assim como nada o é. Ele é no máximo falseável, mas falseado ele fá foi há muito tempo.

Muitos encontram Deus onde a ciência não encontra respostas. É esse o “Deus das lacunas”, expulso da ciência por Laplace. No entanto, muitas dessas “lacunas” foram preenchidas, então encontram outra para enfiar seu Deus. Todas as coisas que a ciência não consegue explicar é uma prova de Deus. Nem passa pela cabeça dessas pessoas que elas podem muito bem ser explicadas posteriormente. Outrora até o Big Bang foi dado como prova da existência de Deus, pois a hipótese científica de que o universo é eterno excluía um criador. Também o colapso nas funções de onda para corpos macrocóspicos foi dada como prova irrefutável da existência de Deus, até se provar que nada tinha a ver com a consciência como a conhecemos. Citando o célebre médico da antiga Grécia, Hipócrates “Os homens pensam que a epilepsia é divina meramente porque não a compreendem. Se eles denominassem divina qualquer coisa que não compreendem, não haveria fim para as coisas divinas”.

Os ateus são muito mais honestos intelectualmente. Admitem que existe algo capaz de fazê-lo mudar de opinião. Os crentes, ao contrário, não dão os critérios para que sua hipótese seja falseada. Ao perguntar-lhes o que os faria mudar de opinião eles ficariam desconcertados. Não querem nem pensar na hipótese de estar errados, pois isso já seria um pecado. Deus parece ser mesmo um cara muito inseguro, pois não resiste à uma simples dúvida. Não pode ser afirmado a não ser pela crença cega. Somente a crença cega em algo não admite fatores que a levem a ser falseada. Não adianta dizer que a única coisa capaz de fazer um crente perder sua fé seria provar que Deus não existe, pois, como já foi dito antes, não é possível provar o que não existe. Embora não prove que Deus não existe, a Teoria da Evolução e o Big Bang falseam hipótese de que Deus teria criado o universo há cerca de 6.000 anos atrás. As duas teorias supracitadas ainda estão firmemente confirmadas por mais de um século. Os teístas preferem fechar seus olhos para elas, numa clara demonstração de que não estão dispostos nem a pensar em algo que seja capaz de provar que estão errados. É exatamente isso que vejo nos comentários que recebo. Pessoas dizendo que estou errado, mas sem mostrar nada capaz de falsear minhas hipóteses. Ao contrário, continuam acreditando nas mesmas coisas, mesmo quando o próprio livro que consideram sagrado e infalível mostra que as coisas não são como eles pensam. Se nem a Bíblia pode convencê-los de que estão errados, então nada mais pode...

Igor Roosevelt
Enviado por Igor Roosevelt em 02/02/2009
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