COMBATE À VIOLÊNCIA LIGADA ÀS DROGAS

Recentemente, no Rio do Janeiro, a política de enfrentamento armado se intensificou, tornando-se a principal atitude contra a violência ligada às drogas. As táticas militares da Secretaria de Segurança Pública do Rio nos morros cariocas refletem, como ótimo exemplo, a outras de mesmo tipo, como da América latina em geral. Nesse cenário se adquirem e se exaltam carros blindados e tropas especiais, que, no fim, nenhum bom resultado significativo têm. Os resultados não vão muito além de mortes de inocentes, de traficantes, de policiais, comparações com outros cenários de guerra oficial, tráfico de armas, descobertas de granadas e lança mísseis, envolvimento de jovens e crianças, superlotação das cadeias, formação de milícias, manchetes de jornal...

Sã coisa a se fazer para uma análise é separar o contrabando de entorpecentes, de um lado, dos próprios entorpecentes, de outro.

Sem dúvida, a maconha, o crack, a cocaína, o LSD e o êxtase causam problema por si. A euforia de um usuário de êxtase pode levá-lo a problemas do coração; um usuário de crack destrói de alguma forma parte de sua massa cinzenta quando traga o cachimbo; assim como um usuário de maconha etc. E, sobretudo, o vício, que, seja por origem de hábito ou química, é ruim, pois não é interessante a saúde.

A cerveja, por sua parte, é considerada parte da cultura brasileira. Inclusive pela cerveja brasileira ser de tipo especial, ser leve, ser relativamente barata, “combinar” com futebol e a malandragem que somos “forçados” a ter... Mas ela mesma é a responsável por inúmeras mortes no trânsito, também por homicídios e doenças diversas. Da mesma forma o cigarro (tabaco) encaminha pessoas a problemas nos pulmões, prejudica o feto.

O álcool e o tabaco têm seu consumo permitido. E, no entanto, os problemas que todas as drogas ilícitas que citei causam somente se comparam aos do uso de nicotina e bebidas quando somados. O que há em nossa mente quando nos vem o termo “conseqüências das drogas” é um conjunto violento que, na verdade, decorre do contrabando de drogas. Quero dizer que, embora as drogas, por si, tragam problemas, é o fato de o tráfico ser considerado ilegal é que dá cenário de guerra civil às nossas cidades.

“Tráfico” significa “circulação”. Um tráfico de mercadorias proibido recebe nome de “contrabando”. Quando se proíbe a venda e circulação de determinada mercadoria e ainda assim há consumidores, é inevitável que alguém queira vender – a começar pela baixa concorrência e pelo alto lucro. Mas, neste caso, é ainda preciso montar uma estrutura para o negócio, seja para esconder e proteger o estoque, seja para garantir o trânsito livre nas aduanas e nas estradas, seja para lavar o dinheiro.

Para manter o negócio de venda de drogas é preciso uma sede, os morros cariocas funcionam como tais, no Rio. Há quem use o seu apartamento, como jovens de classe média alta, claro. Mas, a diferença fundamental reside no porte do negócio. E o tamanho do comércio tradicional de drogas o torna muito evidente, a ponto de não poder se esconder, mas, somente, defender-se. Tem que haver ainda funcionários.

Não falta mão-de-obra para o tráfico. Isso é evidente se observado que o tráfico ocorre justo onde reside o “exército de reserva”, ou seja, uma grande massa que nasce desprovida de meios próprios para consumir legalmente o que passa nos comerciais de televisão. Essas pessoas são usadas também para a defesa, seja em seu trabalho direto – onde empunham fuzis e encapuzam-se –, seja como escudos humanos, seja ateando fogo em ônibus (a diplomacia).

Um caminho longo: os produtores primários da terra processam as plantas. No caso da cocaína, ainda precisa ser refinada, e o que se junta à água mineral, para isso, vem do norte e não envolve poucos interesses. E é nas fronteiras do Brasil que acaba o trabalho dos gringos, e começa o das relações internas do tráfico de drogas. Propinas clareiam o caminho do estoque pelas BR`s, as commodities então chegam e seguem para a manufatura. Pessoas então embalam e fazem render.

Alguma parte cuida do comércio direto e existem as filiais. Para ampliar a área de atuação, mais fuzis. E onde se conseguem fuzis? A forma mais corriqueira é encomendar com os mesmo estrangeiros com que o departamento de relações externas consegue a matéria-prima. Os grandes ativos gerados pelo comércio devem quitar as dívidas com a polícia, com os fornecedores, quadro de funcionários, é onde a lavagem de dinheiro também entra em ação.

Contra isso, a polícia treina-se e equipa-se para a guerra. Então, sobem blindados nos morros e helicópteros da polícia e da televisão cortam o céu. Mata-se um traficante: a polícia é tida como heroína. Apesar de esta pena de morte “legitimada fora da lei” pela sociedade já seja um absurdo, é mais absurdo que isso sempre aconteça, e as repetições não levem a nada. Aliás, sim, levam à morte de inocentes, levam a um eterno estado de sítio na cidade, gastos públicos.

Se não houvesse armas nas mãos dos traficantes, não haveria tiroteio entre eles e com os policiais. Então, a PM apodera-se do direito de cuidar da segurança no Estado e o problema está nas fronteiras, na Polícia Federal... Esta Força então investe na barreira contra as armas – é eficaz? E a polícia do estado continua a atirar. Os moradores da cidade, tanto nas periferias quanto nos bairros nobres, perdem suas noites, seus bens, sua liberdade, sua qualidade de vida, sua vida.

Dentro das favelas forja-se um estado paralelo. Justiça, cultura e renda são exortados por este estado. E, em certa medida, este poder trabalha também com o medo de seus “cidadãos”. Quando há um ato absurdo, como um atentado aos direitos humanos ou uma ostentação de poder por parte dos traficantes, quando isso tem algum destaque na mídia, o que a polícia faz? Continua a atirar. A invadir e ocupar a favela.

O tráfico, então, é constantemente realimentado, por aquela mesma razão que eu tinha exposto antes: há consumidores, haverá vendedores. Porém isso não é o que faz dos cidadãos reféns em sua própria casa. Afinal, isso não ocorre com o comércio de bebidas e de cigarros. O que torna o tráfico de drogas um problema absurdo é aquela superestrutura montada em torno dele, a que, ao contrário do que se pensa, não pode ser eliminada por ações armadas; mas que, muito pelo contrário, existe em razão destas ações.

Não é que se deva ordenar à polícia que deixe de agir contra algo que é ilegal. Mas que transformemos de ilegal para legal, de modo que a polícia não tenha por que agir e conseqüentemente os bandidos também não.

Contando que, após a descriminalização, os problemas das drogas se reduzirão quase que somente a um problema de saúde pública. E que este problema não implica vitimar toda população de uma cidade, prejudicar o turismo, formar poderes paralelos de grande porte e onerar o estado em uma dívida impagável. Não deve ser por interesses morais, políticos, econômicos que se deve manter a forma irracional atual de combate ao problema da violência ligada às drogas.