NAZARÉ MINEIRO, DEZ ANOS DEPOIS

Um povo que ignora (ou conhece mal) o seu passado, jamais conseguirá transformar o presente ou planejar bem seu futuro.

Na manhã de 17 de dezembro de 1998, uma notícia alardeava a cidade de Laranjal do Jari de ponta à ponta: “NAZARÉ MINEIRO FOI ASSASSINADA”.

Aquela foi mais uma das que a crônica policial chama de “tragédia anunciada”. Ao longo daquele ano, o município vivera dias de efervescentes debates em torno de seu reordenamento territorial no que respeitava ao perímetro periurbano – situação que recrudesceu com a ascensão de Maria de Nazaré Souza Mineiro à frente de um grupo de trabalhadores rurais que pleiteava terras para assentar suas famílias; terras estas que alguns latifundiários – inclusive a empresa Jari Celulose – reclamavam para si o título de propriedade.

Hoje, dez anos depois, muitas (ou praticamente todas as) perguntas em torno desse caso continuam sem respostas. Por exemplo: “Qual a verdadeira motivação do assassinato de Nazaré Mineiro: grilagem? Promoção política? Intimidação a quem possivelmente ela servia como ‘testa de ferro’? Intrigas pessoais? E o inquérito que apurou o caso, no que resultou: alguém foi preso? Indiciado? O processo foi arquivado? Já prescreveu? Faltou estrutura ao poder público para prender o(s) assassino(s)? Houve negligência das autoridades competentes? E as autoridades do município, hoje, o que dizem a esse respeito? Mais do que isso, o que se pode fazer – porque sempre (quando há determinação) se pode fazer alguma coisa – para que Nazaré Mineiro não seja apenas mais uma vítima da violência agrária nesse país a transformar-se em nome de logradouro público – só?”

Paralelo a estas indagações, apresenta-se outro lado não menos intrigante dessa moeda. É que nos aspectos policial e jurídico as limitações para se obter respostas claras são várias e reais; mas o que dizer dos aspectos políticos, pedagógicos e culturais? O que as personalidades políticas do município – muitas das quais se beneficiam eleitoralmente até hoje do sacrifício de Mineiro – têm feito para manter viva sua memória? E nossas escolas e universidades: o que têm ensinado aos seus alunos sobre Nazaré Mineiro? Quantos dos moradores do assentamento que tem este nome sabem porque o tem? Ao longo desses dez anos, quantas pessoas receberam de ong’s e de instituições públicas comendas e títulos honoríficos por seus supostos préstimos ao município? Quantos ilustres, como: ex-prefeitos, vereadores, latifundiários, executivos, etc. já não foram tornados temas de trabalhos escolares e até monografias de cursos superiores durante essa década? E quanto à Nazaré Mineiro – e tantas outras “marias” que, no dizer da historiadora Maria Yedda Linhares, é “ (...) gente comum que trabalha, como e dorme, gera filhos e saberes variados, e que na sua faina cotidiana transforma a natureza ao criar meios de subsistência e técnicas (...)”?

Outro historiador, Pierre Vilar, afirma que “Na medida em que o passado humano é mal conhecido, mal interpretado, os homens e os grupos de homens têm uma visão incorreta de seu presente e de seu futuro”. Considerando tal afirmação, que visão de presente e de futuro estamos transmitindo (ou formando em) nosso povo, principalmente nossos adolescentes e jovens? Será que já não é hora de contarmos a história não apenas daqueles que vencem, mas também dos demais que dela fizeram parte e, assim como aqueles, também são personagens do drama chamado vida real?

Com a palavra, autoridades governamentais e educacionais de Laranjal do Jari.

Feliz Natal!