COMUNISMO, O QUE É NA VERDADE.

Li há pouco uma crônica. Ela trouxe novamente uma idéia corrente e geral sobre a relação entre comunismo, a liberdade e consumo. Idéia que se reveste de superficialidade, por equívoco ou por má fé. E que dá origem a outras opiniões que não se aproximam da verdade. Foi o que me motivou a opor esse escrito para esclarecer esta questão. Ainda que possa parecer um esforço vão, quando sabemos que é incomparável o número de pessoas que lêem este texto em relação à audiência que têm as revistas e jornais. Farei o possível para ser claro, mas profundo.

Que idéia ou opinião é essa, afinal? De forma geral liga comunismo e arcaísmo, como se fosse algo indiscutível. Então, aí, o comunismo ou socialismo é um conjunto de idéias românticas, cuja prova de que são impraticáveis é a história. Então se diz que o fim da União Soviética foi o fim do comunismo, que a China cresce economicamente porque se torna capitalista, que a situação de Cuba ilustra o triste fim do comunismo: a ditadura... A imagem que passam do comunismo, é de um regime ditatorial em que todos estão escravizados em função de todos; em que todos devem comer igual, vestir-se da mesma maneira e não ter lazer relacionado ao consumo.

Por trás da orientação comunista (socialista científica) há uma filosofia. Uma das principais bases desta filosofia é a dialética. Em suma, a dialética diz que não é possível apreender totalmente, numa análise racional, as coisas do mundo; os resultados sempre nos surpreendem em algum ponto. Por exemplo, Marx estudou e escreveu a história do capitalismo e, com base nisso, ousou dizer algo sobre seu futuro – mas errou em alguns pontos. E foi este mesmo Marx quem confirmou a dialética, tanto escrevendo sobre ela, quanto errando. Marx é o principal pensador comunista, sem dúvida; sua filosofia é suficientemente ampla e desinteressada a ponto de negar o seu próprio autor.

Isso nos mostra, em primeiro lugar, que, ao contrário do que se costuma dizer, o marxismo não pode ser comparado a uma religião messiânica. Porque, a figura de Marx, a quem costumam fazer analogia com um messias, afirma-se errante, e não profeta. Também porque, sobre a sua dedução de que o comunismo é inevitável (assim como uma “terra prometida”), está a dialética (que diz que pode ser errônea). Também porque não dita uma forma de viver, mas uma forma de investigação; ou seja, quando se confunde marxismo e comunismo, confunde-se método e conclusão. De forma que, o comunismo, nos parâmetros do século XIX, é uma dedução a partir de dados concretos da realidade da época, e da Europa, e não um dogma ao qual os “fiéis” (marxistas), devem seguir unidos na Santa Igreja (Partido Comunista).

Sou marxista na medida em que investigo a realidade a partir dos dados concretos e procuro me aproximar da verdade – sei, portanto, que não estarei totalmente correto em tudo. Em segundo lugar, assim sendo: o marxismo nunca é arcaico ou desatualizado. Lá no século XIX, Marx e Engels concluíram que para levar a sociedade ao comunismo, deveria-se passar por um período transitório de ditadura, o socialismo. Significa que terá de ser assim?... Um marxista não afirmaria nem que sim nem que não antes de analisar; quando chamo o leitor a essa pequena análise: pratico o marxismo e, também, pratico o que usarei de argumento contra a necessidade de ditadura para chegar-se ao comunismo.

Mas antes o leitor precisa saber se há beneficio em se perseguir o comunismo. Então precisa entender que diabos é o comunismo. Pois bem, eu só escrevo ao leitor, com relativa coerência, porque estou bem alimentado, tive uma educação razoável, li outros autores, tive tempo para pensar. Ao escrever, estou produzindo intelectual e culturalmente e, por que não, tendo uma atividade de lazer. E é justamente isso, – o lazer, a cultura, o pensar –, que nos diferencia dos outros animais, e nos faz humanos. O que eu deveria fazer é agradecer por ter oportunidade ser humano, escrevendo? Mas, veja só, 1. a minha atividade humana poderia ser mais evoluída, mais diversa, melhor e, por outro lado, 2. muitas pessoas não têm nem esta oportunidade lesada que tenho.

Explico o primeiro ponto. Fui incitado a escrever este texto a partir da leitura de outro, mas só o li porque estudava para um concurso. Não quero passar no concurso por amar a atividade profissional daquele cargo, mas porque preciso financiar meu lazer, minha atividade intelectual, minha atividade humana etc., algo que a área pela qual me afeiçôo, ainda que sob meu esforço, não me fornece. Se me fosse permitido, e a qualquer um, que se trabalhasse, estudasse e financiasse (desde o almoço a uma TV por assinatura) em atividades afins com suas habilidade e quereres, desenvolvimento e satisfação seriam muito melhores.

Agora, o segundo ponto. Se eu e outras pessoas temos nossas atividades humanas prejudicadas em função do que acima foi exposto, outras pessoas nem sequer têm possibilidade de, com certa folga, exercer o lazer, a atividade intelectual e de produção cultural formal. Isso, porque têm de se preocupar, antes de tudo, com o que comer, com a geladeira que quebrada será custeada pelos próximos dois meses de trabalho – se houver trabalho. Pessoas que são iniciadas cedo em atividades que danificam e lhes tiram a infância, pessoas que saem da escola para sustentar a casa, pessoas que não têm tempo de pensar em algo além do que é imediato; onde está a atividade humana aí? reduzida ao gotejamento.

Esses dois pontos apresentados têm algo de comum. Tanto no primeiro – quando sou obrigado a estudar algo que não tem nada a ver com minhas aptidão e vontade –, quanto segundo – em que vivo diretamente em função de meu sustento –, a atividade econômica está posta não como base para o desenvolvimento humano, mas como alguma coisa em que o homem está preso. É dizer, a economia, no capitalismo, toma a frente, quando o protagonista deveria ser o ser humano. O comunismo tem por base, justo o contrário, ele admite que as pessoas têm de trabalhar pela economia, mas planeja a economia para que ela beneficie o ser humano na mesma medida do seu esforço; para que a pessoa tenha oportunidade de ser humana.

Mas isso não é um ideal. Não é um ideal fazer uma economia onde eu não precise trabalhar em dois empregos enquanto outra pessoa não trabalha. Não é um ideal imaginar que não temos que trabalhar um ano e folgar um mês. Não é um ideal imaginar que, trabalhando um ano e folgando apenas um mês, não tenhamos que pagar por uma crise de especulação. Não é um ideal dar a todas as crianças estudo e lazer. Não é ideal construir uma economia onde minha quantidade de trabalho seja compatível com a evolução da minha qualidade de vida. Não é um ideal construir uma forma econômica racional.

Poderia não chamar comunismo, caso assim se quisesse, mas o comunismo é o que está acima exposto. As formas de economia que não seguem o que expus não são economias comunistas – são tentativas frustradas ou desvios. Se meu raciocínio não estiver errado, a possibilidade de uma economia planejada pelos concidadãos e justa não morre enquanto houver pessoas dispostas a pensá-la, lutar por ela e praticá-la, quem vive a noticiar sua morte são pessoas interessadas na forma econômica atual ou em algum ponto equivocadas. Assim, se alguém afirma ser um ideal alcançar a forma de economia que acima expus, esse alguém subestima a inteligência humana.

Não me aprofundarei nisso, afinal não é possível expor pensamentos a respeito do comunismo em alguns parágrafos apenas e, depois, este texto tem de terminar um dia. Queria provar por que a ditadura não é necessária para o comunismo. E disse que essa prova está inclusive na atividade de analisar o problema. Isso é verdade no ponto em que analiso as situações com fundamentação concreta, mas como tenho certeza de que sozinho terei mais chances de errar (dialética), exponho minha análise para que o leitor e as demais pessoas discutam isso comigo; um debate democrático.

É bem verdade que posso estar errado em algumas coisas que expus, porém minha análise, com razoável profundidade, está aí para todos lerem. Conclui que o comunismo, sob os aspectos que mencionei, é a melhor forma de economia – a mais democrática e humana. Então, quando é óbvio que a ditadura não é benéfica ao desenvolvimento humano, é claro também que a democracia é o melhor método de mediação social. Daí que a ditadura é incompatível com o comunismo.

Entretanto, alguns comunistas – às vezes até bem intencionados – acreditam na ditadura como forma rápida de levar as pessoas a uma maneira melhor de viver. A meu ver isso é uma forma paternalista e arriscada de agir. Agir democraticamente é por sugestão, por debate – como creio fazer com essas palavras.

Se eu estiver errado no que disse durante o texto, bom será que ninguém compactue esta opinião. Se estiver certo, o comunismo é uma idéia verdadeira. Logo, se apresentado de modo correto ao entendimento das pessoas, estas se tornarão adeptas desta forma de economia (e não por bondade, afinal a forma atual de economia prejudica a maioria das pessoas). De onde concluo que a ditadura não é necessária para o comunismo.