O pecado contra o Espírito Santo - SERMO XXVII

O PECADO CONTRA O ESPÍRITO SANTO

Todavia, quem blasfemar contra o Espírito Santo, jamais terá

perdão (Mt 12,31b).

A palavra blasfêmia aparece nos compêndios de Teologia Moral como um enunciado ou palavra que insulta a divindade, a religião ou o que é considerado sagrado, ou ainda, palavra, expressão ou afirmação que ofende o que é considerado digno de respeito ou reverência.

Teologicamente, blasfêmia é o uso pejorativo do nome de Deus, de Jesus Cristo, do Espírito Santo, da Virgem Maria ou dos Santos e Anjos. Como exemplos de blasfêmia, vemos o amaldiçoar o nome de Deus, contar piadas indecentes a respeito de Deus ou dos Santos, imprecar contra a Divina Providência, etc.

No grego, o verbete blasphémia guarda um sentido de injúria, impropério ou maldição. Já imaginaram como seria grave o fato de alguém amaldiçoar Deus ou levantar alguma injúria contra ele? Pois é, e há tanta gente por aí cometendo este pecado. No Catecismo, a blasfêmia está capitulada no Segundo Mandamento, pois consiste em proferir contra Deus – interior ou exteriormente – palavras de ódio, ofensa, desafio, deboche, etc.

As Escrituras ensinam que qualquer pecado contra o Filho pode ser perdoado, mas o pecado contra o Amor de Deus, o Espírito Santo, não tem perdão, não porque Deus não tenha poder ou vontade de perdoar, mas porque o pecador não quer pedir perdão de seu pecado. Os pecados contra o Espírito Santo são nitidamente blasfêmias graves. Vamos relacioná-los abaixo e mais adiante esmiuçar melhor seu conteúdo.

1) Desespero da salvação

2) Presunção de salvação sem merecimentos

3) Negar a verdade conhecida como tal

4) Ter inveja das graças que Deus dá aos outros

5) Obstinação no pecado

6) Impenitência final

Cabe repetir: os pecados contra o Espírito Santo não tem perdão, não porque sejam “imperdoáveis”, mas porque a pessoa, por empedernida, não quer pedir perdão por eles, pois nem os considera pecado. Ninguém confessa pecado contra o Espírito Santo. Se uma pessoa vai confessar ter cometido pecado contra o Espírito Santo, é sinal claro que não cometeu esse pecado, porque, se o tivesse cometido, não pediria nunca perdão por ele. Portanto, não tenham medo de ter pecado contra o Espírito Santo. O seu próprio receio de ter ofendido a Deus já é prova que você não o cometeu.

Alguém poderá duvidar da misericórdia de Deus? Claro que não! Numa demonstração inefável de amor aos homens, Deus enviou seu Filho único para que, através dele, o perdão ficasse disponível a todos. A salvação de Jesus Cristo é a maior prova, a mais cabal evidência de que “Deus é Amor” e que jamais despreza o que criou, pois se odiasse alguma coisa, não a teria criado. O fato que parece claro é na recíproca da relação, em que o ser humano nem sempre se dispõe a amar e respeitar a Deus do mesmo modo que é amado e respeitado.

E nós, que fomos criados à imagem e semelhança do Deus que é Amor, somos convidados também a amar, de forma incondicional, e se assim não o fazemos, nos frustramos, pois não exercemos o motivo principal da nossa existência.

Vocês ouviram o que foi dito: “Ame o seu próximo, e odeie o seu inimigo!” Eu, porém, lhes digo: amem os seus inimigos, e rezem por aqueles que perseguem vocês! Assim vocês se tornarão filhos do Pai que está no céu, porque Ele faz o sol nascer sobre maus e bons, e a chuva cair sobre justos e injustos. Pois, se vocês amam somente aqueles que os amam, que recompensa terão? Os cobradores de impostos não fazem a mesma coisa? E se vocês cumprimentam somente seus irmãos, o que é que vocês fazem de extraordinário? Os pagãos não fazem a mesma coisa? Portanto, sejam perfeitos como é perfeito o Pai de vocês que está no céu.

São palavras como estas que fizeram de Jesus a maior personalidade de todos os tempos. Ele mostrou aos homens que Deus ama a todos independentemente de qualquer coisa; e nós, espelho desse Amor, devemos procurar refleti-lo nitidamente, pois para isso fomos feitos. Contudo, uma curiosa passagem do Evangelho chama a atenção de quem conhece o Deus que é Amor Incondicional. Trata-se da fortíssima palavra de Jesus que é documentada nos três evangelhos sinóticos (Mt, Mc e Lc):

Aos filhos dos homens serão perdoados todos os pecados e todas as blasfêmias que proferirem; todavia, quem blasfemar contra o Espírito Santo, jamais terá perdão, mas será réu de pecado eterno.

Duas perguntas nos surgem imediatamente: “Que pecado tão grave é este que não merece o perdão de Deus?” e “Deus, que é Amor, por causa deste pecado, esqueceria desse Amor para condenar eternamente o blasfemador do Espírito Santo?” Analisemos algumas questões.

a) que pecado é esse?

Antes de sua volta para o Pai, Jesus prometeu a vinda um novo Consolador (állon parakléton), um defensor que vem ajudar. Trata-se do Espírito Santo que viria para apanhar aquilo que é de Jesus e interpretar para os seus discípulos, para assim convencer o mundo “quanto ao pecado, quanto à justiça e quanto ao juízo”.

Assim, vemos que a blasfêmia contra o Espírito Santo não consiste propriamente em ofender o Espírito Santo com palavras; consiste, antes, na recusa de aceitar a salvação que Deus oferece ao homem, mediante o mesmo Espírito Santo que age em virtude do sacrifício da cruz. Se o homem rejeita o deixar-se “convencer quanto ao pecado”, que provém do Espírito Santo (e tem caráter salvífico), ele rejeita ao mesmo tempo a vinda do Consolador.

Sabemos que o fruto da purificação realizada pelo Espírito é a remissão dos pecados. Por conseguinte, quem o rejeita permanece nas “obras mortas”, no pecado. A blasfêmia contra o Espírito Santo consiste exatamente na recusa radical de aceitar esta remissão, de que ele é dispensador íntimo e que pressupõe a conversão verdadeira, por ele operada na consciência do ser humano.

Ora, a blasfêmia contra o Espírito Santo é o pecado cometido pelo homem, que reivindica seu pretenso direito de pensar com a sua cabeça, perseverar no mal – em qualquer pecado – e recusa por isso mesmo a Redenção. É uma questão de liberdade: o homem é tão livre que pode optar pela rejeição à salvação.

O homem fica fechado no seu pecado, tornando impossível da sua parte a própria conversão e também, conseqüentemente, a remissão dos pecados, que considera não essencial ou não importante para a sua vida. Como Deus poderá perdoar alguém que não quer ser perdoado?

Para que o nosso entendimento ficasse mais claro acerca deste terrível pecado, o Papa São Pio X, que governou a Igreja de 1903 a 1914, no seu Catechismo Maggiore, ensinou que seis são os pecados contra o Espírito Santo, que vimos acima, e agora entramos em detalhes:

1º - Desespero da salvação, ou seja, quando a pessoa perde as esperanças na salvação de Deus, achando que sua vida já está perdida. Julga, assim, que a misericórdia de Deus é mesquinha e por isso não se preocupa em orientar sua vida para o bem. Perdeu as esperanças em Deus; é quando a pessoa, como Judas, não pede perdão porque considera que Deus é incapaz de perdoá-lo. E não pedindo perdão, não é perdoado;

2º - Presunção de salvação sem merecimentos, ou seja, a pessoa cultiva em sua alma uma vaidade egoísta, achando-se já salva, quando na verdade nada fez para que merecesse a salvação. Isso cria uma fácil acomodação a ponto da pessoa não se mover em nenhum aspecto para que melhore. Se já está salva para que melhorar? – pode perguntar-se. Assim, a pessoa torna-se seu próprio juiz, abandonando o Juízo Absoluto que pertence somente a Deus; é quando, por soberba, a pessoa se julga já salva, e, por isso, se recusa a pedir perdão a Deus;

3º - Negar a verdade conhecida como tal, ou seja, quando a pessoa percebe que está errada, mas por uma questão meramente de orgulho, não aceita: prefere persistir no erro do que reconhecer-se errada. Nega-se assim à Verdade que é o próprio Deus; é quando o pecador de tal modo se entrega conscientemente à mentira a ponto de acabar acreditando nela e, por isso, recusa até a evidência da verdade. Era o pecado dos fariseus que viam Cristo fazer milagres, e os negavam, apesar de vê-los. Não havia então modo de convertê-los;

4º - Ter inveja das graças que Deus dá aos outros, ou seja, a inveja é um sentimento que consiste primeiramente em entristecer-se porque o outro conseguiu algo de bom, independentemente se eu já possua aquilo ou não. É o não querer que a pessoa fique bem. Ora, se eu tenho inveja da graça que Deus dá a alguém, estou dizendo que aquela pessoa não merece tal graça, me tornando assim o regulador do mundo, inclusive de Deus, determinando a quem deve ser dada tal ou tal coisa; é, ter raiva de que Deus, por amor, tenha dado alguma graça a outros, e não a nós. Desse modo se odeia a bondade de Deus, que é o Espírito Santo;

5º - Obstinação no pecado, ou seja, é aquela teimosia, a firmeza, a relutância de permanecer no erro por qualquer motivo. Como o Papa João Paulo II disse, é quando o homem “reivindica seu pretenso ‘direito’ de perseverar no mal – em qualquer pecado – e recusa por isso mesmo a Redenção”; o pecador cai em pecado, se arrepende e é reintegrado; o ímpio obstinadamente não aceita abandonar sua situação de pecado;

6º - Impenitência final, ou seja, é o resultado de toda uma vida que rejeita a ação de Deus: persiste no erro até o final e recusa arrepender-se e penitenciar-se. Configura-se essa impenitência quando a pessoa recusa o perdão de Deus na hora da morte, rejeitando, de forma ímpia, os sacramentos.

b) por causa disso Deus abandona seu amor para condenar a criatura?

Deus não condena ninguém. Ao contrário, Deus não quer que

ninguém se perca (cf. Jo 3,16), mas que todos cheguem ao

arrependimento e à conversão.

No entanto, Deus não criou os seres humanos como irracionais, mas os criou à sua imagem e semelhança, que quer dizer: ele deu-nos inteligência, para separar o bem do mal; liberdade, para escolher o bem ou o mal; e vontade, para vivenciar o bem ou o mal. A escolha é nossa, é de cada um de nós.

Assim, vivemos a nossa vida direcionada pelos três pilares da imagem e semelhança de Deus: inteligência, liberdade e vontade, para que assim decidamos o que queremos trilhar. No fim da vida terrena, a morte confirmará a nossa decisão, dando-nos aquilo que escolhemos. Por isso, a conclusão torna-se óbvia: só estão no inferno aqueles que realmente querem estar lá, aqueles que não querem a presença de Deus que ilumina sua vida.

Por outro lado, Deus, que “não quer que ninguém se perca”, continua a amar sua criatura, mesmo esta preferindo estar longe. O amor de Deus não impõe condições, assim, onde quer que a criatura esteja, Deus a amará sempre, embora respeitando aquilo que a faz ser uma pessoa: sua inteligência, sua liberdade e sua vontade.

Resumindo, o pecado contra o Espírito Santo consiste na rejeição consciente da graça de Deus; é a recusa da salvação que, conseqüentemente, impede Deus de agir, pois Ele está à porta e bate, e a abre quem quiser. A persistência neste pecado, que é contra o Espírito Santo (que tem a missão de mostrar a Verdade), levará o pecador para longe de Deus, para onde ele escolheu estar. Apesar disso, o Senhor continuará a amá-lo com o mesmo amor de Pai que tem para com todos, porém respeitando a decisão de seu Filho que é inteligente e livre.

O que tem este pecado para ser assim tão imperdoável? Alguns trechos ensinam que é possível ir tão longe de Deus que não se é mais capaz de retornar. Paulo adverte sobre as consciências insensíveis (1Tm 4,2). Mais adiante (Hb 3) ele fala de corações endurecidos e daqueles que não podem ser trazidos de volta ao arrependimento. São João fala daqueles cujos pecados levam à morte, uma vez que eles se recusam a se arrependerem e a confessá-los (1Jo 5,16s).

O próprio Jesus fala do solo que foi pisoteado e compactado ao ponto em que nenhuma semente pode germinar (Lc 8,5). Cada passo que damos afastando-nos de Deus aproxima-nos do ponto sem retorno. Podemos perder o poder moral para reconhecer o erro, mudar as atitudes e voltar ao Senhor.

O problema, naturalmente, não está na vontade de Deus de perdoar o pecador. Qual o pai da parábola, ele alegremente aceita e perdoa a todos que se arrependem. O problema está nos que rejeitam cada tentativa de Deus para motivar o arrependimento. Depois que Jesus deixou a terra, o Espírito Santo veio para revelar a mensagem final da salvação. Esta é uma das grandes questões da Teologia Moral.

Para aqueles que recusam a redenção e desprezam o Espírito Santo, Deus não tem nenhum outro plano. Aqueles cujo estado endurecido faz com que recusem a inspiração final de Deus, esses nunca serão perdoados. Não serão perdoados porque não querem o perdão. Esta é a blasfêmia contra o Espírito Santo.

Em que sentido podemos entender esta blasfêmia? Santo Tomás de Aquino responde que se trata de um pecado “imperdoável por sua própria natureza, porque exclui aqueles elementos graças aos quais é concedida a remissão dos pecados”.

c) então há uma não-remissão?

Sim, de fato isto pode ocorrer! Se Jesus diz que o pecado contra o Espírito Santo não pode ser perdoado nem nesta vida nem na futura, é porque esta não-remissão, ou perdição radical está ligada, como à sua causa, à não-penitência, isto é, uma indiferença radical ao apelo à conversão. Isto equivale a uma recusa de ir até às fontes da Redenção. Tais fontes, porém, permanecem sempre abertas na economia da salvação, na qual se realiza a missão do Espírito Santo. Este tem o poder infinito de haurir destas fontes: “ele receberá do que é meu”, como disse Jesus.

Na nossa época, esta atitude da mente e do coração corresponde talvez à perda de alguns referenciais éticos e teológicos, sobre a qual são dedicadas muitas páginas da Exortação Apostólica Reconciliatio et Poenitentia. Em meados do século XX o papa Pio XII afirmou que “o pecado do século é a perda do sentido do pecado”. E esta perda vai de par com a perda do sentido de Deus. É por isso que a Igreja não cessa de implorar de Deus a graça de que não venha a faltar nunca a retidão nas consciências humanas, que não se turve a sua sensibilidade sã diante do bem e do mal.

Esta reta consciência e esta sensibilidade estão profundamente ligadas à ação íntima do Espírito da verdade. A Igreja implora que o perigoso pecado contra o Espírito Santo ceda o lugar a uma santa disponibilidade para aceitar a missão do Consolador. No documento Dominum et vivificantem, o papa João Paulo II assim se manifestou: “Este pecado não é como os demais: uma falta contra um dos mandamentos; é o endurecimento do coração que leva a pessoa a negar a ação de Deus”.

No parágrafo 1864 o Catecismo da Igreja explica este pecado, dizendo: “A misericórdia de Deus não tem limites, mas quem se recusa deliberadamente a acolher a misericórdia de Deus pelo arrependimento, rejeita o perdão de seus pecados e a salvação oferecida pelo Espírito Santo”.

Semelhante endurecimento pode levar à impenitência final e à conseqüente perdição eterna. Quando Jesus falou deste pecado foi em uma ocasião em que os fariseus o acusaram de expulsar demônios pelo poder de Belzebu, príncipe dos demônios. Ora, eles sabiam que isto não era verdade. Eles endureceram o coração e não puderam crer em Jesus, mesmo com a evidência de que ele era Deus, mostrada pelos milagres que fazia.

De propósito endureceram o coração para não aceitar Jesus, e nunca se arrependeram disto. Esta é uma recusa à graça de Deus: isto é o pecado contra o Espírito Santo, ao qual todo cristão deve lutar e se manter vigilante para não cometê-lo.

O evangelho declara – e nunca é demais repetir – que o pecado contra o Espírito Santo não é um tipo de erro comum, inerente à condição humana, mas “a recusa persistente e radical em abandonar a iluminação do Espírito Santo e dar as costas a Deus”. Assim sendo, a blasfêmia contra o Espírito Santo não é uma forma particular de pecado como praguejar, matar, roubar ou cometer adultério, mas é uma condição pecaminosa à qual a pessoa chega por recusar-se a atender à inspiração do Espírito Santo, rejeitando a amizade (e a salvação) de Deus.

Como pode uma pessoa atingir tal condição, da qual não possa mais se arrepender? Muitos pensam, especialmente os jovens, que devem aproveitar a vida agora, e quando velhos poderão dedicar-se então à religião. O que estas pessoas desconhecem é que ninguém jamais poderá obter a salvação e o perdão de seus pecados sem uma legítima penitência.

O arrependimento de que falam as Escrituras é uma obra do Espírito Santo na vida humana. Esta obra produz mudança radical nos hábitos do pecador que se dispõe a cumprir a vontade de Deus. Sabemos que Deus “exaltou a Jesus para ser o Salvador, para dar arrependimento e perdão dos pecados” (At 5,31). Desta forma, a ação de arrepender-se, não surge por acaso, da vontade do homem, mas é causada pela ação do Espírito de Deus.

Jesus prometeu que quando o Espírito Santo, o Paráclito Consolador viesse, ele haveria de convencer o mundo do pecado (cf. Jo 16,8). Quando alguém aceita e segue as luzes do Espírito Santo, ele alcança o arrependimento. E, quando arrependido, recebe o perdão que vem do Alto.

Tendo recebido perdão divino, o pecador recebe com ele a salvação. Mas, pelo contrário, se alguém rejeita os apelos do Espírito Santo e não dá atenção à voz de Deus, jamais pode ser perdoado e salvo. São Paulo nos orienta, “Não entristeçam o Espírito de Deus, no qual vocês foram selados para o dia da redenção” (Ef 4,30).

Como o Espírito Santo age em nossa vida, guiando-nos, orientando-nos, mostrando-nos a vontade de Deus, a nossa reação para com sua atuação vai decidir diretamente nossa sorte eterna. Assim, se seguirmos as instruções que o Espírito, suscita ao nosso coração, seremos selados para a salvação.

Porque todos quantos são guiados pelo Espírito Santo,

estes são filhos de Deus (Rm 8,14).

Trecho da pregação efetuada em um retiro de religiosas, no interior do RS em 2007.