NOTAS SOBRE O COMUNISMO (23/02/09)

1. Comunismo não é necessariamente economia de estado.

O que escrevo aqui é o que eu penso a respeito do comunismo. O comunismo, a meu ver, é antes de tudo um fundamento, e não a forma pela qual se o busca. De maneira que são improcedentes – e, antes de tudo, apaixonadas – as acusações de comunistas e não comunistas a respeito do uso ou não de elementos liberais para o alcance do comunismo. Formas estatizantes não são o comunismo nem formas liberalizantes o são; o comunismo é, isto sim, o objetivo de benefício direto (que será explicado do na segunda nota) entre o trabalhador e trabalho, o que inclui sua liberdade.

Marx, ao estudar o capitalismo, notou o que na vivência era patente: o descompasso entre o trabalho e o ganho nesta atividade. Então, aquele estudioso sugeriu medidas de cunho estatizante como transição para um modelo social em que este descompasso não dominaria. Mas Marx é um homem, e erra. E mais, sua filosofia, pela dialética, ratifica isso. Marxista é aquele que, por entendimento, analisa as situações pelos dados concretos; donde que, se essa análise leva supor os condicionamentos no pensamento em relação ao indivíduo e ao período histórico, (o marxista) tem consciência dos erros de análise de Marx e, pois, pode se opor às suas conclusões a respeito do alcance e da necessidade do comunismo sem deixar de ser marxista.

Uma pessoa que analise a conjuntura e deduza que, não, não há descompasso entre o ganho do trabalhador e seu trabalho, não deixa de ser marxista. Por outro viés, alguém que, ciente do descompasso, não aja ou pense em prol de sua dissipação não é comunista. E, obviamente, os que percebem este descompasso e agem e pensam em favor de sua anulação são comunistas. Ou seja, o marxista democrata é comunista. E por esta máxima um liberal pode ser comunista! e pode. Ora, Marx, em suas idéias de estado transitório para fazer reduzir ao mínimo possível aquele descompasso de ganho pode ter errado. Se uma pessoa, com base no concreto, deduz que as medidas de “livre-mercado” são as que melhor provêm ao trabalhador em geral seu ganho direto, são marxistas e democratas e, portanto, comunistas.

Todavia, o passar da história apontou muitos comunistas para uma visão estática e dogmática do comunismo. De tal sorte que se convencionou, entre comunistas e não comunistas, que atitudes liberais se opõem a atitudes comunistas em seu gênero. Isso não é verdade. Alguns comunistas, a esta altura, me acusariam de “social-democrata”, mas esta acusação é provinda de um equívoco de mesmo tipo que o da relação anterior, que põe antagonicamente e em níveis iguais conceitos que são de classes distintas. Enquanto a orientação social-democrática e liberal são formas econômicas – e, portanto, meios –, o comunismo é, antes de tudo, um fim – entendido, independe da “orientação econômica intermediária” (como liberal ou anarquista, p.ex.), como economia de ganho direto.

O debate atinente à participação do Estado na economia nada tem a ver a priori com o comunismo, mas, diretamente, com as orientações econômicas intermediárias. O liberalismo econômico, que reduz ao mínimo a participação estatal na economia, é um meio de condução do mercado – ao qual se credita o alcance automático do comunismo (compasso entre ganho e trabalho) ou apenas “o melhor compasso entre ganho e trabalho”, em que certo descompasso é um mal necessário. O anarquismo, em que se anula o Estado, também pode ser tratado como meio, cuja finalidade é o comunismo. É também, além de outras, orientação econômica intermediária a opção por uma economia de estado ou estatizante.

Então, embora tenha sido a conclusão de Marx e o entendimento, por análise concreta ou por sectarismo cego, por parte das pessoas ao longo da história que a forma estatizante da economia é por excelência o meio para se chegar a um compasso entre ganho e trabalho, ou seja, para se chegar ao comunismo, isso não significa que o comunismo seja estatizante. Conforme já disse, o comunismo gravita como objetivo, e não como meio. Motivo pelo qual, acusar alguém de não comunista somente porque este supõe elementos não estatizantes para a obtenção do compasso de ganho do trabalhador em seu trabalho é confundir as coisas; se esta afirmação parte de marxistas, é bem capaz que se neguem como tais ao fazê-lo, e caiam na bestialidade do fanatismo.

2. Proporcionalidade ou compasso

Algumas orientações marxistas, em nome do comunismo, optaram pela equivalência remunerativa, completa igualdade de “salários”. Por fatores diversos, e provados historicamente, isso não funciona. Mas, ainda hoje, correntes socialistas apaixonadas ou comunistas ainda acreditam nisso. E estes mesmos são vitimados por ataques de não comunistas em relação a este assunto. Nesse caso, tanto o algoz é algoz quanto a vítima é vítima, por um engano dos dois ou pelo engano de um e golpe baixo de outro. E aí, a falência de um elemento de um meio é dada como prova de impossibilidade da finalidade – comunismo – ou daquele determinado meio econômico.

Entretanto, o entendimento que se alinha à minha visão do marxismo se opõe por definição à idéia de “repartição da riqueza entre a população”. Isso, principalmente pelo conceito de democracia que admito. Eu expliquei isso mais longamente em outro texto, e pretendo anexar estas mesmas idéias a um escrito, no futuro, mas, por ora, dou uma explicação breve (até por que é substancialmente simples). Toda democracia se funda em uma forma de liberdade; se uma democracia possível se pauta por uma “máxima liberdade possível ao máximo possível de pessoas de um grupo e ao máximo de cada uma delas” é porque reconhece, em cada indivíduo, sua liberdade de agir individualmente.

A dita “iniciativa privada” é uma forma de liberdade individual, mas que, historicamente, oprime, uma vez que passa a cercear a liberdade individual alheia – e torna-se, então, antidemocrática. Num sistema comunista, em que se preza o indivíduo, é conclusão minha que também se esforço e suas escolhas sejam respeitadas. De maneira que é fundamental garantir igualdade de oportunidades, e não uma igualdade que se assemelha um dever. Assim, não se devem obrigar as pessoas a ganharem a mesma remuneração – tão simplesmente –, mas as recompensar conforme seu empenho, sua dedicação ao trabalho, conforme sua participação em prol do grupo a que pertence. Os critérios valorativos para a composição da remuneração, arrisco dizer, devem ser função da demanda por aquele serviço, das horas trabalhadas e dos resultados obtidos, por exemplo. Mas, obviamente, aí estará incluído um valor mínimo de remuneração, para que o trabalhador não seja obrigado a trabalhar mais horas do que o tempo essencial; estas determinações todas devem partir de decisão do grupo. Eis o que chamo proporcionalidade ou compasso.