Sobre Genialidade e Inteligência

Um belo dia, sou surpreendido por uma pergunta inerente a dois craques do futebol. Quem é melhor? Kaká ou Ronaldinho Gaúcho? Há três, quatro ou cinco anos, seria Ronaldinho na cabeça para todo mundo. Hoje é Kaká. Em 2007, diante da dúvida, respondi que achava um mais inteligente e o outro mais genial. "Cuma?" O mais genial menos inteligente que o menos genial? Como assim, Cara Pálida?

Pois é. Parece estranho, e eu mesmo achei. Pensei um pouco e vi que poderia ter razão. Para mim, Kaká – também gênio – era menos genial que Ronaldinho Gaúcho em campo, embora mais inteligente. Claro que é mera opinião de torcedor, subjetiva e questionável, mas a pulguinha que aquela resposta colocou em minha orelha não parava de morder. Até que ponto inteligência e genialidade são sinônimos? Há alguma diferença entre os dois?

No popular, gênio é um cara super inteligente e genialidade, inteligência em seus graus mais altos, ou seja, ambas compondo uma linha reta, onde uma culmina na outra. O Clube dos Especuladores de QI está sempre atribuindo números astronômicos a gênios do passado que jamais puderam fazer seu teste mágico de intelecto. Na prática, não faltam exemplos para contradizer esta máxima. O mais notório, talvez, seja o de Andy Warhol, artista plástico considerado precursor da pós-modernidade. Sua obra escancarou o vazio dos ícones da industrialização, quer produtos ou superestrelas, hoje referenciais do homem comum que nele estamparam sua banalidade. Este gênio anteviu nossa era há 40 anos, mas só fez 86 pontos num teste de QI, quatorze a menos do que Britney Spears e 39 a menos que George W. Bush. Tivesse vivido no século XIX, seu "QI hipotético" oscilaria entre 130 e 150 na mão dos especuladores.

O objetivo deste artigo não é discutir a valia do QI, e sim correlacionar nossas noções de genialidade e inteligência. Pertinentes ou não, tais testes partem de uma premissa mecânica do pensamento, que deve resolver problemas específicos com respostas pré-determinadas. A genialidade ocorre justamente quando os alicerces destes padrões são quebrados e uma nova resposta, ou uma rota surpreendente para uma resposta já conhecida, é descoberta ou inventada. Eis a provável fronteira entre uma coisa e outra.

A genialidade não opera em modulações, mas em saltos, ou o que chamamos de "insights", saídas inesperadas, criativamente inesperadas e fora do manual que a inteligência deveria seguir. Um Teste de QI não mede isso, por mais pontos que um candidato marque. Pode, no máximo, medir a genialidade de quem criou as perguntas. O insight pertence a outra ordem, que usa inteligência e lógica como instrumentos, mas que não É a inteligência. Na genialidade, o dom da criação é escancarado, como se Deus ou o "devir" assumisse o controle do homem, tornando-o ferramenta de uma vontade anterior onde a natureza expõe sua dominância.

Isso explica porque os chamados gênios são odiados e temidos no mesmo nível em que são cultuados. A inteligência tira vantagem de seu dom, caminha junto com ele, mas sabe que este aliado pode virar inimigo a qualquer instante. A sina do insight é desafiá-la, é chacoalhar seus postulados, reformulá-los, desenvolvê-los ou derrubá-los. Para a inteligência, o salto genial representa uma ameaça, pois visa provar que NADA É. Gera-lhe inveja quando flutua sobre os obstáculos que um grande problema impõe ao intelecto, e este se pergunta: "Como?"

Mas a chama da genialidade é traiçoeira, e nos momentos em que falha, quer por falta de inspiração, alarme falso ou outro motivo, a inteligência assume, justificando seus méritos. Vale ressaltar que esta relação tempestuosa não sucede só no plano externo, entre indivíduos, mas também no interno, entre facetas de um mesmo sujeito pensante.

Luiz Mendes Junior
Enviado por Luiz Mendes Junior em 24/02/2009
Reeditado em 03/05/2010
Código do texto: T1454658
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