QUE “BRUTULHADEZA”!

Parece que os defensores do meio ambiente, apesar de sua luta incansável, estão perdendo a guerra para os predadores do planeta. Afinal de contas, uma espingarda de bom calibre e alguns cartuchos carregados podem fazer um estrago muito maior na natureza, do que o benefício que lhe causará aquele gigantesco abraço que alguém propõe seja dado no Rio Paraíba, numa figueira, no Jardim Botânico ou num cajueiro, no Rio Grande do Norte.

Seguramente, nenhum outro povo — ao longo de sua trajetória — destruiu com tanta ferocidade e tão gratuitamente os espaços que ocupou na natureza, como os norte-americanos. E observo que a História é bem pródiga nesses exemplos. De suas florestas aos seus indígenas, passando pelos búfalos e outras espécies já extintas, os “yankees” destruíram e mataram, por pura selvageria de colonizador. Só que, lamentavelmente, isto não é apenas História.

Numa certa época cheguei a assistir, pela ESPN, uma seqüência de programas que custei a acreditar estivesse vendo numa TV estadunidense, num horário — para nós, era de manhã — em que qualquer criança poderia estar diante da televisão.

No primeiro deles, para mostrar a versatilidade de certo tipo de motocicleta (cujos fabricantes ajudavam a patrocinar o programa), um grupo de caçadores subia e descia montanhas, atravessava riachos e chegava até um local aprazível — munidos de armas, pios e tão camuflados, que mais pareciam estar indo para a próxima guerra — só pelo prazer de abater, frente à câmera, algumas dezenas de marrequinhas. Pobres aves, que estacionam por ali (no Arkansas), apenas para descansar de uma longa viagem, que é parte do seu ciclo vital.

No outro, a história praticamente se repetia, só que sem motocicleta e tendo como alvo, não as marrecas, mas uns patos selvagens que estão pousados nas margens de uma lagoa. O programa identificava, na parte inferior do vídeo, o “jegue” que disparava, a esmo, na direção das aves de arribação, quando estas saíam em revoada: John Shooting - Especialista na Caça de Patos Selvagens.

E o último programa, era dividido em duas partes: na primeira delas, aparecia um Jeff Murray fantasiado de guerra na selva, autor de um livro sobre a caça aos cervos (Deer Hunter’s Great Guide), ensinando qual é a melhor fase do ano e da lua para exterminar os indefesos animais. Para ser bem didático, disparava flechas e mais flechas num animal empalhado, que já levava até um alvo pintado nas costelas. Depois, como se fosse pouco, o programa conduzia o telespectador até um ambiente real de caça, onde o eficiente professor abatia, uns dois ou três animais, frente às câmeras, para que todos acreditassem na eficácia do método.

Uma loucura total! Trocando em miúdos, o que o programa mostrava é o seguinte: vem o pobre veadinho, lépido e fagueiro, passeando pelo seu habitat natural, quando, sem mais nem menos, toma uma flechada no lombo. Já pensaram? Se a moda pega por aqui, vai ser um “banho de sangue”!

Para piorar ainda mais assisti, algum tempo depois — passando pela Rede de Televisão Português — um programa onde era discutida a nova Lei de Bases da Caça, aprovada em Portugal. Pelo que pude entender, a grande novidade e o dispositivo mais polêmico, era o “direito à não caça”. Ou seja, o gajo tem uma propriedade onde existem animais caçáveis que ele deseja preservar. Basta pagar uma taxa para que o governo “permita que ele proíba” a entrada dos caçadores em sua propriedade.

Com um senso ecológico tão apurado, certamente a natureza estará a salvo em Portugal, pelos próximos milênios.

Diante disto tudo, só consegui me lembrar da minha filha Mariana que, quando era pequena, costumava reagir — indignada, sempre que a obrigavam a fazer algo, que não estivesse querendo e cuja razão não pudesse compreender bem — com uma expressão do seu vocabulário pessoal e singular:

— Que “brutulhadeza”!

Pois me parece que é justamente este o caso.