JEITINHOS E CARTEIRADAS

Cada país tem a sua cultura e cada povo tem as suas manias. Nos Estados Unidos, por exemplo, por qualquer “dá cá aquela palha”, o cidadão puxa do bolso a 2ª ou a 5ª Emenda, quando não a própria Carta Constitucional norte-americana, para fazer valerem os seus direitos. E não é que funciona?!

Mas “do lado de baixo da linha do Equador” os modos são outros. Acostumado a ver os seus direitos desrespeitados pelo poder constituído, pelos mais ricos e pelos socialmente mais importantes, o brasileiro adotou o hábito de se proteger, buscando uma forma, nem sempre muito elogiável, de acomodar as coisas, quando se encontra numa situação difícil. Ou procura neutralizar a dificuldade do momento, ostentando um “status” ou autoridade que, na maior parte das vezes, realmente não tem.

São os famosos “jeitinhos e carteiradas” — tão conhecidos e tão frequentes na pátria do “sabe com quem está falando?” — que, algumas vezes, resolvem e noutras, complicam a vida do espertinho. Por causa disto, muito filho de professora primária já se livrou de encrenca. E muito filho de político de alto coturno já entrou no tabefe.

Não é uma questão de lógica ou princípio; é uma questão de sorte ou de habilidade. Em primeiro lugar, pela escolha do recurso mais adequado para a ocasião. Não se deve dar uma “carteirada” onde, talvez, só caiba uma proposta de “jeitinho”. Isso provavelmente irá desagradar à “otoridade” que pegou a pobre alma em algum deslize. E sentindo-se desafiada, essa gente boçal — mas, não raras vezes, corrupta — vira um perigo.

A regra número dois é o uso de um tratamento respeitoso. É “sim, senhor”, para cá; “se o senhor me permite” para lá... E assim por diante. É que quanto mais desqualificado e venal for o servidor público em questão, maior será a necessidade que ele tem de sentir-se reconhecido como poderoso.

A terceira regra é a de que nunca se deve puxar um documento do bolso, antes de dizer aquela frase mágica: “Posso pegar um documento para mostrar ao senhor?”. Sem essa pequena cautela, o melhor intencionado dos indivíduos pode levar um tapa na orelha ou ter o braço torcido, sem ter tido tempo nem para piscar. E depois, não adianta gemer e nem reclamar: há muitas maneiras de “explicar” a agressão.

Mas, uma vez autorizado a exibir os documentos que o identificarão, aí sim... Somente aí é que talvez caiba — se você realmente tem algum “status” significativo para a ocasião — fazer uso da não menos famosa “carteirada”. Sei lá! Pode ser que o seu pai seja um militar de alta patente, um senador da República, o auditor chefe da fiscalização ou, apenas, um antigo companheiro de pelada e cerveja daquele que o está apertando. Neste caso, há grandes chances de funcionar.

Num país onde, amiúde, a lei vale menos do que as relações pessoais ou a colocação do indivíduo no processo de estratificação social, é compreensível — embora lamentável — que as pessoas se lembrem mais vezes de alardear o seu prestígio e suas relações familiares do que de utilizar-se da Constituição Federal.

Mas como isto parece convir àqueles que efetivamente têm poder, dinheiro e prestígio, não será fácil mudar essa triste cultura e deplorável convicção de que tudo se pode resolver, à revelia da lei, com simples “jeitinhos e carteiradas”.