VOLTAIRE

CUIDAR DO PRÓPRIO JARDIM

Eu lera que cada um deveria cuidar de seu próprio jardim naquele curioso livro de Voltaire. Não sei por qual motivo me interessara pelo filósofo francês. Estávamos no início da década de setenta e a rebeldia era um fator comum naquela juventude universitária que gostava de ler, contestar, participar das transformações que ocorriam no âmbito das idéias por todo o mundo.

François Marie Arouet de Voltaire fora um rebelde. Insurgira-se contra o poder estabelecido pela nobreza e pelo clero, e suas obras críticas fizeram com que vivesse boa parte de sua vida fora do país, fugido, escondido, disfarçado. A idéia de justiça fora sempre a base de seus princípios éticos. Era contrário à intolerância, à superstição e ao fanatismo causador das guerras. Os verdadeiros benfeitores da humanidade não seriam os generais, senão os filósofos, os cientistas, os poetas.

Do Cândido recordo-me do jardim - a metáfora que indicava que cada um deveria cuidar muito bem da própria vida -. Mas como? Como cuidar da própria vida como se ela fosse um jardim, cultivando plantas e árvores que a embelezassem e compusessem a paisagem de uma rua, uma cidade, um país? Como deixar de se ocupar dos jardins alheios, ficando o próprio descuidado, desarrumado, cheio de ervas daninhas e flores murchas?

Com o tempo e com os anos que se sucederam compreendi que a vida deveria ter um grande significado e um objetivo claro, definido; que viver por viver acabaria por levar a mim - ou a quem assim o fizesse - para um beco sem saída, para um muro de lamentações e de desditas; que viver deveria significar, antes de tudo, aprender a se conduzir por estes caminhos, tantas vezes tortuosos, criados pela incompreensão humana; que dentro desta grande oportunidade que é viver, eu poderia aprender a conviver com os meus semelhantes.

Muitos anos depois eu lera numa conferência pronunciada por González Pecotche em Buenos Aires que cada um deveria deixar de se ocupar das mentes alheias. Recordei-me das antigas leituras juvenis e da rebeldia, para mim positiva, do filósofo francês. Deixar de ser autômato, deixar de ser comandado por preconceitos seculares, pensar por própria conta, ocupar-se da própria vida, da própria mente, como propunha agora o pensador argentino, para que vida individual pudesse se transformar num belo jardim.

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Nagib Anderáos Neto
Enviado por Nagib Anderáos Neto em 29/04/2006
Código do texto: T147279