AUTOFAGIA

Sempre me intrigou essa compulsão surpreendente que os estadunidenses têm, pela destruição dos próprios ídolos. Quando não é a mídia, é o governo. Quando não é o governo, é a mídia. Mas geralmente são ambos que, em conjunto, cuidam da destruição de suas mais destacadas personalidades. Seja pelo seu comprometimento e completa desmoralização pública; seja pelo seu extermínio físico, da forma mais objetiva que se possa conceber.

Matar um presidente, para eles, não é coisa incomum. Na sua História, já foram assassinados três, além de algumas tentativas que não deram certo. A do Reagan, por exemplo, não deu certo porque, acostumado a trabalhar em filmes de faroeste e sempre fazendo o papel de “mocinho”, o presidente sabia como se livrar das balas. Já o Kennedy, que gostava de fazer o papel de “bom moço” também, mas nunca nos filmes de faroeste, levou uma saraivada de balas, que o Relatório da Comissão Warren teve o cuidado de transformar em, apenas, três tirinhos. Nada como um país que sabe usar os efeitos especiais!

Mas nem só de atentados vive a iconoclastia yankee. Em matéria de desmoralização pública da imagem de alguém, eles são grandes especialistas. E até já exportaram essa tecnologia para muitas partes do mundo. Pois nisto, principalmente nisto, é que tem uma incrível participação a mídia norte-americana, com todo o seu poder e força.

O Macarthismo, por exemplo, destruiu a vida de centenas de pessoas, na primeira metade da década de 50, do século passado. Por desdobramento, foi o estopim de uma assustadora onda de intimidações e delações, onde cada um oferecia o braço do próximo à seringa, com a esperança de livrar-se da agulhada. E tudo porque um senador, Joseph MacCarthy, resolveu perseguir os seus inimigos, acusando-os de serem comunistas, numa sociedade onde — em plena “guerra fria” — o anticomunismo tinha virado quase uma paranóia nacional.

Na “caça às bruxas” que se estabeleceu em razão disto, muita gente teve a sua vida pessoal e/ou profissional literalmente destroçada e, dentre esses, alguns dos mais destacados intelectuais e artistas do cenário norte-americano de então. Só para lembrar, neste “embroglio” é que se viu em sérios apuros o genial Charles Chaplin, que, embora sendo inglês de nascimento, havia tomado os Estados Unidos como sua pátria. Aliás, o que “Carlitos” sofreu de perseguição naquele país, não foi pouco e nem se limitou ao Macarthismo.

Pois é assim mesmo que a coisa funciona por lá. Quando o governo, a mídia ou ambos, querem arrancar alguém do pedestal, qualquer desculpa serve: não pagou o imposto de renda; gosta muito de uma ninfeta; é “chegado” numa mulher casada; parece que não gosta de mulher; pelo jeito, gosta mesmo é de homem; não contribuiu para o “esforço de guerra”... E outras aleivosias do gênero.

Dos irmãos Kennedy, por exemplo, John e Bob foram afastados a bala. O terceiro e mais novo, Senador Ted, foi retirado de circulação na base do escândalo. Por uma coisinha de nada! O homem tinha um caso com a secretária, algo que, ocorrendo com um político brasileiro, já foi motivo de honra e glória para ele, junto à opinião pública masculina. Pois um dia, voltando de uma farra, encharcado de um bom “scoth”, o Ted Kennedy errou o caminho e enfiou o carro dentro de uma lagoa. Teve grande prejuízo: perdeu o carro, a secretária, a namorada e, de quebra, a chance de ser o presidente da República. Tudo de uma vez só.

Se os adversários são espertos, desprovidos de ética e se a mídia está engajada na campanha de desmoralização, não há personalidade pública que resista a um escândalo desses. Como foi o caso do Mike Tyson. Assediado por uma espertalhona, que depois se fez de vítima, o campeão mundial dos pesos pesados — tão forte quanto imbecil — teve de pagar uma indenização milionária e ainda “puxou” uns bons três anos e meio de cadeia. Tudo muito bem armado! Só falta agora vir alguém dizer que a Justiça foi feita...

A lista desses fatos é interminável. Mas eu é que preciso terminar. Concluirei, então, lembrando o caso do Alan Shepard, o primeiro astronauta americano a subir ao espaço. Foi um feito incrível para aquela época, sobretudo porque os Estados Unidos vinham, na “corrida espacial”, a reboque dos russos.

O homem subiu na base do “parece que está tudo certo e que Deus se compadeça da minha alma”. Porque, não fossem as pressões da opinião pública, a NASA ainda não estava ainda pronta para isto. Foi e voltou, depois de uma curta permanência na estratosfera. Um feito incrível, para as condições da tecnologia espacial de então.

Pois assim que o programa espacial norte-americano começou a deslanchar, sobretudo depois que a Apolo 11 tocou o solo da Lua, essa mesma opinião pública caiu de porrete na cabeça do veterano astronauta: que o seu feito era ridículo, que quinze minutos nem chegam a ser um voo espacial e outras coisas que tais.

Como já se disse antes, é muito triste quando um povo precisa de heróis. Mas é muito mais triste, com certeza, quando uma sociedade não hesita em, levianamente, destruir os seus próprios ícones!