DE VOLTA PARA O PASSADO

No princípio da década de 60 eu era um pré-adolescente, que cursava o ginásio no Liceu de Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo. Foi quando ganhei, de um amigo do meu pai, um canivete suíço, coisa bem rara de se conseguir naquele tempo.

Como faria qualquer garoto, levei a “preciosidade” ao colégio, para mostrar aos colegas de turma. Fiz o maior sucesso! Mas, mostra daqui, mostra dali, mostra de novo, acabei sendo flagrado por um inspetor, que me tomou o objeto do meu orgulho. E o assunto terminou na Chefia de Disciplina, uma espécie de entidade quase medieval, de que todos os alunos tinham pavor.

Enfrentei um “gancho” de dois dias e só não perdi o precioso canivete, porque o meu pai teve a bondade de ir ao colégio buscá-lo, recebendo-o das mãos do Senhor Joênio, uma cavalgadura de duas patas que, como chefe de disciplina, comandava os inspetores e o nosso “Tribunal de Inquisição” particular.

A restituição foi feita, sob a promessa de que eu não tornaria a entrar “armado” no Liceu. E, findo o episódio, o alto comando do estabelecimento deve ter ficado feliz e com a consciência aplacada, imaginando que me resgatara de um “futuro de crimes e de violência”.

Para mim, restou a idéia precisa do que é uma escola ser arcaica; o que, de resto, naquela época todas eram. E de como a direção de um estabelecimento de ensino, embora lidando com crianças e jovens, podia nada entender de infância e juventude. Assim, sempre que me lembro do fato, dou graças, porque penso que as gerações atuais e vindouras não terão de conviver com essa prática de obtusidade explícita. Ou melhor... Pensava!

Porque, tempos atrás, vieram me contar que no Liceu de outra cidade, que não mencionarei para não ferir susceptibilidades, em pleno portal de passagem do Século XX para o Século XXI, algumas dessas práticas de “paudagogia” ainda estão ou estavam em pleno vigor. “Vendo o peixe pelo preço que comprei”. Se as informações não são verdadeiras, peço desculpas e me penitencio por antecipação. Se, no entanto, correspondem à verdade dos fatos (no que estou mais para crer, porque as fontes são fidedignas), do mesmo modo que no Jogo do Bicho, vale o que está escrito!

Segundo o que ouvi, no Liceu em questão foi proibido o uso de bonés. Por que? Em que o uso de um boné — que é algo tão típico das gerações mais jovens e tão “curtido” por essa garotada — prejudica o processo chamado de ensino-aprendizagem? Melhor seria ensiná-los a descobrir a cabeça enquanto na sala de aula, como recomenda a prática das boas maneiras, não?

Também não é admitido o uso de sapatos ou tênis que não sejam pretos, de meias que não sejam pretas e de qualquer camisa ou camiseta que não faça parte do uniforme (mesmo quando usada sob o próprio uniforme). Disse-me, quem me contou, que, num dia desses, um aluno foi advertido de que, “na próxima vez que comparecesse ao estabelecimento com “aquela” meia, ele não poderia entrar”. A meia era preta, mas trazia, no alto do cano, uma pequena logomarca branca, simples indicação do fabricante.

A história da adoção de uniformes pelas escolas, sobre a qual não cabe estender-me agora, não chega a ser louvável. Tem seus fundamentos na educação administrada pelos jesuítas, a partir do século XV, com a concepção de que o papel do educador era isolar as crianças durante um período de formação moral e intelectual. Havia ênfase nos castigos corporais e em normas que visavam corrigir a “fraqueza moral da infância”. Só dizendo como o Marcelinho, filho de um colega professor, quando era bem pequeno e se irritava com alguma coisa:

— Isto é, simplesmente, “REDÍCULO”!

Mesmo que, modernamente, o conceito de uniformização do vestuário escolar obedeça a outros pressupostos, como a necessidade de identificação dos alunos (mais que desejável, nestes tempos de insegurança), é uma inversão das coisas levarem a sua exigência a este nível. Principalmente quando se trata de um estabelecimento com clientela tão heterogênea. Para uns, a insignificante logomarca branca numa meia preta há de ser apenas um detalhe; para outros, pode ser a diferença entre poder ou não poder assistir às aulas do dia seguinte.

Quanto à proibição do uso de camisas ou camisetas sob o uniforme, o que me parece é que, se o aluno está usando a camisa do seu time predileto — que venceu ou até perdeu o jogo do dia anterior — não há maneira mais civilizada de demonstrar o amor por um clube. Se, por outro lado, nos dias mais frios do ano, ele está apenas procurando se aquecer, não se concebe nada tão desprovido de bom senso como proibi-lo. Principalmente, porque muitos não têm mesmo um bom agasalho para colocar sobre o uniforme. E volta a pergunta fundamental: no que isto prejudica o processo de ensino-aprendizagem? Em que isto atrapalha a formação moral e intelectual dos jovens “liceístas”?

Tem mais! Tem a proibição — a absoluta proibição — de que os estudantes portem, nas dependências do estabelecimento, aqueles “corretores líquidos de texto”. Ainda bem! Porque o meu maior pânico sempre foi ser abordado por um adolescente, ali por perto Liceu ao qual se referem tais coisas, portando um enorme vidro de “Liquid Paper”, e dele ouvir:

— Mãos ao alto! E passa logo a “grana”, senão eu “te corrijo” todo!

Afinal de contas, parece que — assim como os alunos do Liceu de Cachoeiro de Itapemirim, no começo dos anos 60 — os alunos deste outro Liceu, no limiar do terceiro milênio, também têm lá o seu canivete suíço. Só que é líquido!

Ou pode ser que os pedagogos deste educandário tenham descoberto ou inventado alguma máquina do tempo. Entraram todos nela e giraram o botão. Só que na direção errada: de volta para o passado.

Há gente que não se convence mesmo de que educação é coisa séria. E não um laboratório para tolas experiências pedagógicas...