O Sacramento do bacalhau.

Numa mistura de sentimentos pouco lógica, acordei sentindo sua falta, e ao mesmo tempo sua presença. Uma estranha sensação de querer comentar meu dia a dia e como se fosse possível ouvir sua opinião. Embora não fosse de muito falar, era incisivo em suas opiniões, embora divergentes das minhas, soavam claras como seu claro olhar.

Português, de sotaque bonito e sorriso manso, nunca quis voltar a sua “Terra” pois se declarava brasileiro demais para ter saudades de Portugal, sempre teve Candidato e opinião política formada sem nunca ter sido Eleitor, Católico de nascimento não se encantava pelas coisas da Igreja, Corintiano de carteirinha, era do Timão seu maior crítico.

Nas épocas festivas mostrava-se contente por ser lembrado e visitado e como todo bom Português, procurava sempre nos manter com a boca ocupada com o cardápio de costume, variado, mas tradicional.

Minhas saudades querem, insistentes, se ater a aquilo que com certeza mais o agradava, Bacalhau cozido com batatas e cebolas (as couves eram dispensáveis). Não creiam ser meu Pai o cozinheiro que o preparava, este espaço era de Dona Alice, que o tempo todo (por indelicadeza de meu pai), via seu bacalhau comparado ao de minha falecida mãe, sem que isso a fizesse perder a calma e a competência culinária, tanto no preparo do bacalhau, quanto das rabanadas, da aletria e outros quetais.

Voltando ao Bacalhau do meu Pai, o que me chamava mais atenção e por isso as Saudades era o ritual cuidadoso em forrar o fundo do prato por um lençol de Azeite virgem, ornamentado por duas ou três gotas (não mais) de vinagre tinto e uma pitada de sal. Este ninho dourado recebia duas meias batatas cozidas, não muito moles, porém macias o suficiente para serem cortadas com um toque do garfo, uma cebola cozida brilhante e quase transparente, também cortada ao meio que era desfolhada ao canto do prato e por fim Ele, o Bacalhau em posta onde, preservadas as peles, era colocado em lugar de honra.

A posta deveria ao toque desmanchar-se em bocados como escamas, como deve se comportar um autentico “Porto” bem demolhado. Aí era envolver vagarosamente bocado por bocado em seu rico ninho de azeite e pronto lá se via um Pai feliz, tanto por dentro quanto por fora.

Não que eu seja um consumidor habitual deste pescado, nem que minhas saudades sejam meramente gastronômicas, mas esteja certo que quando preparo e como desta forma o dito Bacalhau o faço como num “Sacramento” e tenho o velho de volta ao meu lado por inteiro.

Espero, e assim desejo, nesta data que aqueles que também como eu sentem Saudades tenham fórmulas mágicas, pequenos Sacramentos, para traze-los de volta à sua beira como diria meu saudoso Pai.

Um feliz dia para todos Pais e ótimas lembranças aos filhos saudosos como eu.

Meno um botequineiro
Enviado por Meno um botequineiro em 30/04/2006
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