EM DEFESA DO POBRE ANIMAL

Devo admitir que, de uma única viagem que fiz à Espanha — um país pelo qual sinto uma inexplicável atração, já que não corre em minhas veias nenhum sangue espanhol — voltei frustrado com, pelo menos, uma coisa: não consegui assistir a nenhuma “corrida de touros”, já que estive por lá num período de inverno e, segundo me explicaram, para aplacar a minha decepção, touros e toureiros não se dão muito bem com o frio.

Os amantes da natureza, os preservacionistas, os que se dedicam às campanhas, associações e ONGs em defesa dos animais desamparados, haverão de arrepiar os cabelos por uma declaração destas, mas não nego que considero as touradas um espetáculo de rara beleza. Bem entendido: gosto muito das touradas “madrileñas”, que já assisti muitas vezes pela TVE (Televisão Espanhola Internacional).

Não gosto, por outro lado, das “corridas” realizadas em Barcelona, onde a afamada crueldade catalã se estende também ao trato dos animais selecionados para as touradas. E não me agrada aquela prática de sadismo que os “matadores” da Catalúnia se esmeram em exibir e que pouparei a todos de descrever.

Quanto ao mais, gosto do espetáculo e não nego. Prefiro as “corridas” espanholas, por serem as mais autênticas, no meu modo de ver. Mas as touradas também se praticam noutros países, como México e Portugal, por exemplo, embora com características diferentes. No México, parece que não é permitido sacrificar o touro, ao final do espetáculo. E em Portugal, segundo dizia uma conhecido meu, ao final de tudo, cabe ao touro sacrificar o toureiro. Uma versão que não tenho conhecimento para desmentir, mas na qual também não consigo acreditar.

Voltando aos inimigos ferrenhos dessas práticas, gostaria de lembrar o seguinte: os preservacionistas, os afeitos à vida natural, os adeptos da não violência — que merecem aplausos e apoio, sem dúvida alguma — por vezes, são telespectadores de “reality shows” nos quais o sadismo de quem os promove com quem deles participa, chega às raias da morbidez. Estão pensando só no “Big Brother”, que tem versões pelas tevês do mundo inteiro? Pois tem coisa muito pior!

Há programas de gordos alucinados para ver quem perde mais peso. Há programas de candidatos ao posto de executivo, lutando entre si pela vaga única que é oferecida por um empresário travestido de Deus. E há uma competição com pretendentes a “Chefes de Cozinha”, promovida e patrocinada por um “Buffet”, onde o sadismo é tanto que o nome do programa é “Hell´s Kitchen” (literalmente, “Cozinha do Inferno”). Neste, os aspirantes ao posto são tratados aos berros e humilhados o tempo todo por quem comanda o espetáculo, com direito a choro e castigos.

Palavrão e ofensa moral são os “mimos” com que o chefe Ramsay trata os aspirantes ao primeiro lugar. Além de tudo, na maioria deles, estimulam-se a competição sem ética, o dedurismo como prática válida na obtenção de vantagens e outras condutas, que passamos a vida tentando dizer aos nossos filhos e alunos que não devem ser adotadas, na convivência social e pela busca pelo seu próprio espaço na vida. A lista desses programas que incitam à deformação moral é imensa e seria possível preencher algumas páginas, só falando sobre eles, o que, certamente não farei.

Mas o que quero dizer é que, não vejo ninguém protestando contra esses programas, não vejo grupos fazendo passeatas e nem alguma ONG dessas, que se proponha a defender “a natureza humana”. Então voltamos os nossos olhos só para as touradas e nos esquecemos de defender o ser humano dessas aberrações, que acabam sendo vistas como coisa comum, como lazer, enquanto pequenos telespectadores vão se acostumando a pensar que aquilo ali é a normalidade.

Alguns leitores poderão considerar que o esporte nacional da Espanha seja uma crueldade. Não concordo. Crueldade, para mim, é a “Farra do Boi”. As touradas, eu acho que são de uma beleza plástica incomum, misto de balé e ginástica, confronto entre a força e a destreza.

Tenho pena do touro, sim! Mas por um motivo bem diferente: tenho pena, porque ele tem chifres durante toda a vida e, além do mais, a mulher dele ainda é uma vaca. E isto é tudo quanto posso dizer em defesa do pobre animal..