EU DEVO TER SIDO ENGANADO

Há muitos anos atrás, para melhorar a sua audiência no horário vespertino, o SBT usou uma “bomba de fabricação caseira”, colocando no ar um programa de baixíssimo nível, no velho estilo “mundo cão”, que tinha o convidativo nome de “O Povo na TV”. A fórmula não é, exatamente, um produto da criatividade nacional. Mas deu tão certo no Brasil, que, anos depois, ainda funciona bem, nesses programas todos que se multiplicaram pelas emissoras brasileiras, em cadeia nacional ou não.

“O Povo na TV”, que era comandado pelo Wilton Franco e pelo Wagner Montes, efetivamente, chegou a incomodar a concorrência, sobretudo, quando introduziu um quadro, com um tal de “Professor Lengruber”, que passou a fazer curas e milagres, ao vivo e em cores.

O descaramento do “milagreiro e curandeiro” em questão, assim como o da produção do programa que lhe deu guarida, era de tal ordem, que o DENTEL, então existente na estrutura do Ministério das Comunicações, acabou dando cabo de ambos — do Prof. Lengruber e do “Povo na TV” — por considerar que aquilo configurava uma exploração da credulidade pública. O que, afinal de contas, é uma prática ilícita, prevista na legislação penal brasileira.

Anos depois, como já disse, a fórmula continua dando certo e o mesmo tipo de delito continua sendo praticado, em alguns casos, com sérias agravantes. Não existe mais o DENTEL, que foi substituído pela ANATEL, mas continua a existir uma legislação, neste país, que pune a exploração da credulidade pública, o curandeirismo, o estelionato e outras fraudes, além dos abusos na utilização das telecomunicações.

Já tive a oportunidade de comentar, num outro texto, sobre a profusão de programas religiosos que se encontram na tevê, e daquela mania que, mesmo contra a vontade do telespectador, todos têm de querer salvar a alma do infeliz, cujo maior pecado talvez tenha sido o de ligar o seu televisor, para distrair-se um pouco.

É uma verdadeira “briga de foice”, entre os representantes dos diversos cultos, doutrinas e credos, à qual não faltam acusações recíprocas e lances espetaculares de marketing, de boa e de péssima qualidade. Porque o “show deve continuar” e a tesouraria da igreja precisa pagar as suas contas...

Entretanto — é o que me parece — até para isto, tem de haver um mínimo de ética e de decência, além de respeito pela inteligência dos fiéis. Que devem ser fervorosos, mas não precisam ser burros.

Pois não é que num dia de domingo eu estava “zapeando” a minha tevê, quando me deparei, num desses canais e programas, com uma sessão de exorcismo ao vivo? No primeiro momento eu não consegui acreditar naquilo: no palco, frente a centenas de fiéis e transmitido pela televisão, um pastor, agarrado ao pescoço de uma “contratada exclusiva” da emissora (foi o que pude deduzir) dava ordens, cheio de autoridade, a ninguém menos do que o Príncipe das Trevas:

— Eu te ordeno, Satanás... Sai desta mulher... Em nome do Senhor Jesus!

Convenhamos que a procuração que o pastor dizia ter, não fora outorgada por qualquer um... O difícil era acreditar que ele tivesse mesmo essa tal procuração. Mas, por uma questão de justiça, é necessário dizer que o “Capiroto” resistia, bravamente, em deixar o seu confortável abrigo, no corpo da crente. E respondia, com uma voz roufenha:

— Tô com raiva de “tu”!

O que?! Eu me assustei cá da minha poltrona. “Tô com raiva de tu!”? Que desgraça de gramática é essa que o Diabo está usando?! Sempre soube que Lúcifer era um anjo decaído, que tentara igualar-se a Deus e por isto perdera seu lugar junto aos bons... Mas nunca que fosse um estúpido ignorante!

No entanto, ao pronunciar esta frase de desapreço pelo exorcista, o “Maligno” demonstrou que não tem a mínima noção de como se emprega o pronome. E se isso for verdade, eu devo ter sido enganado nas aulas de religião, que me obrigavam a assistir, nos meus tempos de criança. Se não for, o protagonista daquela encenação ridícula, quando partir desta vida, há de ser recebido pessoalmente pelo Capeta, ao chegar do outro lado! Pois é o mínimo que ele merece...