GANHOS INDIVIDUAIS E SOCIAIS DE PRODUÇÃO NUMA ECONOMIA DEMOCRÁTICA

Uma economia democrática não é aquela em que a riqueza, como produto final, é repartida. Mas, isto, aquela na qual a oportunidade que essa riqueza, como capital, – insumos, matérias primas, maquinário, conhecimento –, dá a cada um segundo seu esforço como ganho pelo seu trabalho.

Existe uma ilusão de que o banimento da propriedade privada dos grandes meios de produção vá retirar da sociedade seus meios de manter-se com alto nível produtivo qualitativo-quantitativo.Ao lado desta ilusão, outra: a de que o fim do lucro como motor da economia a conduzirá para um estado em que, sem objetivo/prêmio/ganho, nada haverá que a mova. Mas isso tudo permanece no campo obscuro das ilusões.

As fábricas, – que são a forma de capital industrial de produção material mais direta, e a economia é, sobretudo, produção material indireta e direta –, podem nos servir de exemplo. Para funcionarem elas precisam de direção e trabalho, somente. Na verdade, precisam só de trabalho, pois a direção é apenas um tipo de trabalho. Donde que não é preciso que algum grupo que não o dos próprios trabalhadores detenha propriedade dela.

Todavia, numa forma de economia democrática, a propriedade do capital deve ser coletiva numa escala muito maior que a da fábrica, evidente. Pois, ora, se os trabalhadores são (em hipótese) ao mesmo tempo os sócios de uma fábrica, a não ser que comam, vistam e bebam sapatos (que sua fábrica produz), a coletividade naquele círculo restrito não se sustenta.

Os ganhos que estimulam a produção são, sem dúvida, ganhos reais, que incidem sobre as condições de vida, e não sobre a honra. Eis porque o lucro, diante de uma “recompensa de espírito solidário” na coletividade, é mesmo uma melhor forma de motor econômico. Entretanto, isso não significa que o lucro seja a única nem que seja a melhor maneira de estímulo à produção.

Se observarmos bem, verificaremos que, na economia do lucro, o desejo de tê-lo, para a maioria, permanece como sonho. E a partir daí, os defensores do lucro o apresentam como motor da economia que, porém, não está em contato direto com o trabalhador, embora o recompense da mesma forma. Não, evidente que não.

Contra esta evidência, opõe-se uma “complexidade contemporânea”, que, a começar pelas citações de profissionais assalariados que ganham mais que donos de capital, começam a listar exceções que confirmam a regra.

O lucro move as empresas, que são guiadas por pessoas, mas estas pessoas têm ganho desigual, e não é segundo o trabalho de cada um. Tanto que, ao relembrarmos que aos donos das grandes empresas não é obrigatório trabalhar para manter bom nível de vida e que os especuladores ganham fortunas sem produzir um centigrama de qualquer coisa, veremos que as pessoas que com seu trabalho movem a economia são as que menos ganham.

Desse ponto de vista, se fica claro que cada pessoa busca sobretudo o seu bem-estar e o de seus próximos, a luz também dissipa a escuridão que faria acreditar que é o lucro quem promove esta situação (de bem-estar) à maioria. O que é verificável não só pelos resultados formas de aplicação deste modelo de economia até hoje, mas também na análise teórica de seu processo.

A esse ganho indireto, intermediado e desproporcional decorrente da economia baseada no lucro ou na propriedade privada dos meios de produção, uma economia democrática propõe um ganho direto, proporcional e incrementado. Quando cada trabalhador é sócio do capital de uma nação, eles mesmos estabelecem, para si (como corpo social) e por si (enquanto interesse individual e político) suas condições de trabalho. De uma maneira ou de outra, maneiras que são meios de alcance daquele modo de ganho – que é a própria economia democrática.

Então, o ganho é proporcional, porque, entre os termos que decorrem da busca ou manutenção de uma economia democrática, está a proporcionalidade, em que, em suma, quem trabalha mais ganha mais; e, óbvio, isso não só em relação ao tempo de trabalho, mas ao valor dele enquanto função da demanda social – igualmente democrática.

[Ou seja, certo trabalho pode sim ter um peso maior para ganho do profissional, mas o peso é estabelecido segundo a busca social pelo produto/serviço daquele tipo de trabalho, onde pesarão, também, tempo de estudo, periculosidade etc; tudo definido democraticamente, de alguma forma.]

O ganho é incrementado, porque, na medida em que provém de um trabalho inserido num ambiente social de produção, recompensa direta e indiretamente muito mais do que se fosse uma atividade isolada. O que quero dizer é que o trabalho social, quando democrático, faz partilhar tudo o que, nascido da prática e estudo, pode incrementar a produção, como técnicas, tecnologia e organização do trabalho. Nas formas de produção que são sociais mas não democráticas, como a atual, ocorre que os desenvolvimentos de meios melhora da produção e seus resultados são tomados e restringidos. [Por exemplo, a forma taylorista de organização do trabalho, sem dúvida nenhuma, multiplica a produção. Mas esse produto, em que um dos fatores imprescindíveis é o trabalhador, é revertido de modo desproporcional, em que àquele último resta uma compensação menor e gradual, e aos controladores da empresa, um superganho imediato.]

E, finalmente, o ganho é direto, pois, para ser proporcional e incrementado deve inexistir a propriedade privada dos grandes meios de produção, ou seja, deve inexistir a separação entre produção e distribuição.