A Escola da Ponte

Revolução pedagógica

“O homem deve ser a ponte que levará ao além-homem”, é o que nos ensina Nietzsche através do sábio Zaratustra (ou seria Zaratustra através do sábio Nietzsche?).

Há 30 anos, uma gaivota ajudada por fiéis companheiras de espécie, sem as quais se torna impossível construir o “ninho do gracho”, alçou um dos mais corajosos e revolucionários vôos já observados neste mundo. Rompendo totalmente com qualquer antecedente pedagógico tradicional, entre dois rios, foi fundada a “Escola da Ponte”.

A “Vila das Aves, seu local de fundação, fica a aproximadamente 30 quilômetros da cidade do Porto, ao norte de Portugal, e não poderia ter nome mais simbólico e de bom augúrio. Seu idealizador, José Pacheco, hoje com 54 anos ainda exerce sua influência (como professor aposentado) e dedica-se diariamente a regar a árvore plantada após tanto labor e turbulência. Grande parte de sua história está exposta no seu livro “Para Alice, com amor”.

A “escolinha”, hoje com aproximadamente 220 alunos e 39 orientadores educativos, com seu caráter libertário causaria espanto (ou quem sabe revolta) em grande parte do nosso atual grupo de “professores” e “mestres” (aqui uso aspas pois, infelizmente, nenhum dos termos são hoje dignos de serem usados em suas reais acepções, mais ainda quando observamos de maneira generalizada o ensino em nosso país). Neste peculiar centro de ensino não existem salas de aula separadas, não existem séries (o que há é apenas uma faixa etária padrão entre 5 e 17 anos, que compreende os dois ciclos básicos do ensino português), não existem mestres e aulas separadas por matérias (o que rompe com o excessivamente usado, por tanto nocivo, método cartesiano de análise das partes em detrimento do todo) e não há seqüência obsessiva de programas de estudo inflexíveis. Lá, a vontade é o motor da realização. São escolhidos os assuntos a serem estudados e formam-se grupos entre os interessados com a ajuda de orientadores (esses sim mestres) que tem o papel de alimentar os espíritos naturalmente curiosos dos jovens.

As pessoas são diferentes, vivem em meios diferentes, tem necessidades (e vontades) diferentes, e é esta individualidade que a Escola sabe valorizar em prol do pleno desenvolvimento dos alunos. Assim nasce o estímulo.

É um processo artesanal de aprendizado, onde o produtor (aluno) de identifica com o produto (conhecimento), diferente da lógica de produção atual, em que também a educação está inclusa. As partes são produzidas separadamente e nem sequer usadas na prática, portanto, logo esquecidas. A única ciência que não é esquecida nunca é aquela aprendida na vida, que por sua vez, é o único programa que merece ser seguido.

E com razão afirma Rubem Alves querer uma escola retrógrada, aos moldes medievais da oficina do artesão, em que o aluno produza o seu rosto e não o de outrem.

A falência do nosso sistema pedagógico só contribui para um afastamento do saber (e, pior ainda, da Vontade de saber) e para um “sofrimento sem sentido” que é o suplício diário de ouvir por horas a fio, coisas que não possuem a mínima identificação com a nossa realidade pessoal.

É necessário que toda nossa maneira de ver e ensinar a ciência passe pelo que Nietzsche chama de “tremor de conceitos” que é apoiar-se em novas bases para uma eficaz reestruturação. E esta semente e “pequena” iniciativa de um educador português pode significar o esboço de novas bases sólidas. É a “filosofia do não” de Bachelard, que insiste na ruptura e na não aceitação aos grilhões do pensamento. Apoiados no “novo espírito científico” os idealizadores e colaboradores da “Escola da Ponte” realizam grandes avanços epistemológicos em busca de uma nova pedagogia. Gaston Bachelard se torna realmente uma ótima referência pois busca cientificamente a “libertação das mentes jovens” (vide sua obra “O Racionalismo Aplicado”, de 1949).

O fim é um tipo de autodidatismo e a propagação deste “espírito científico” tão importante para nossas realizações e desenvolvimento pleno.

Mas como pode o gracho construir seu tão complexo ninho sem a ajuda de outros que ao menos lhe segurem o primeiro graveto? Eis o grande mistério...

Para saber mais:

Para Alice, com amor – José Pacheco

A Escola com que Sempre Sonhei sem Imaginar que Pudesse Existir - Rubem Alves

Quando Eu For Grande, Quero Ir à Primavera - José Pacheco

http://www.eb1-ponte-n1.rcts.pt/html2/portug/local/local.htm - site oficial da Escola

A Filosofia do Não - Gaston Bachelard

Djalma Nery Neto
Enviado por Djalma Nery Neto em 08/05/2006
Código do texto: T152573